Espaço Aberto: UMA NOITE NO FESTIVAL DE JAZZ DE SÃO ROQUE

Editorial: 14.202.757
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CENTRO CULTURAL BRASITAL - São Roque (foto: Carlos Alberto de Lima)

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Ninguém indica um restaurante, um livro, um disco ou um filme sem antes conhecer. Então fica aqui a dica para o próximo ano: Festival de Jazz de São Roque, que estará em sua terceira edição.

Relutei em indicar ano passado pelo fato de não ter conseguido ir nenhum dia, e esse ano só tomei coragem quando recebi o convite do próprio amigo André Mehmari, que se apresentou na sexta-feira como principal atração da noite.
Não poderia perder a oportunidade de ver os amigos Mehmari e Sérgio Reze, tocarem na cidade que escolhi para passar o restante dessa minha existência.

Porém tinha dúvidas se o local escolhido seria um palco à altura de um Festival de Jazz, e esse foi um grande equívoco de minha parte que, depois dessa ‘lição’, espero ter corrigido.

O Festival se realiza na Brasital, o patrimônio mais importante da cidade, e que foi o impulso inicial da cidade, para a economia e cultura de todo município. Foi construída em 1890 pelo industrial italiano Enrico Dell Acqua, para se tornar o primeiro polo industrial têxtil da região.

O local é lindo e toda a infraestrutura, ainda que preservada parcialmente, nos remete ao final do século 19, e nos apresenta em toda sua crueza como foi a passagem de um país estritamente rural para o início de sua industrialização.

André Mehmari

Todos os eventos musicais são realizados no grande pátio da fábrica, com uma largura e um pé-direito de boa envergadura, e que com um apoio de verbas Estaduais ou Federais (se este país tivesse uma identidade cultural de preservação de seus principais patrimônios), poderia se transformar em um grande polo de música, cinema, feiras culturais, workshops, etc.

Pelo tamanho do local, fazer as reformas acústicas necessárias seria vultoso, e muito acima da verba do município, mas se um dia forem realizadas, transformarão uma acústica razoável em um excelente local para apresentações de grandes orquestras.

Pois a estrutura, ainda que precária, surpreendentemente é adequada.

O Festival tem o apoio do Sesc, o que permite trazer grandes nomes como Hamilton de Holanda, Toninho Horta, André Mehmari, e nomes promissores como: o quarteto da surpreendente clarinetista Joana Queiroz, Leandro Cabral Quinteto, e Ricardo Herz Trio.

Sentei em vários locais, já que havia muito mais cadeiras que público na sexta-feira. E muitas coisas me chamaram a atenção: o grau de inteligibilidade, tanto mais distante do palco, como bem próximo (na segunda fila para convidados). Como se trata de um local muito amplo, não existe rebatimento dos graves nas paredes laterais, ou na parede à frente do palco.

E também não senti agudos com excesso de brilho e agressividade. Muito inteligível tudo, e nenhum risco de fadiga auditiva.

Claro que o mérito é também dos músicos, todos de alto nível, seus instrumentos, e o trabalho do engenheiro de áudio que soube dosar os volumes com competência e escolhas corretas, de uma mesa flat sem uso de nenhuma equalização.

Joana Queiroz é uma compositora e multi-instrumentista, que toca excepcionalmente: clarinete, clarone, saxofone, flauta e piano, além de em algumas ocasiões também cantar. Seu quarteto que se apresentou no Festival na sexta-feira era composto de piano, contrabaixo e bateria. Com uma carreira consolidada na Ásia, seus principais trabalhos foram lançados lá e só depois de algum tempo chegaram ao Brasil. É o caso do disco: Tempo sem Tempo, lançado no Japão em 2019, e disponibilizado por aqui pelo selo YB, em 2020.

OUÇA TEMPO SE TEMPO – JOANA QUEIROZ, NO TIDAL.

Seu mais recente trabalho é o belo duo com o violonista japonês Shin Sasakubo, lançado pelo selo Chichibu Label. Gosto muito do disco Tempo sem Tempo, um trabalho solo, e o Uma Maneira de Dizer, de 2017. Se você não conhece o trabalho de Joana Queiroz, vale a pena conhecê-lo.

OUÇA UMA MANEIRA DE DIZER – JOANA QUEIROZ, NO TIDAL.

Para terminar essa linda noite de Jazz, quero falar da apresentação do Trio do André Mehmari, que não assistia uma apresentação ao vivo desde 2012. Ou seja, 11 anos em que só havia acompanhado a evolução desse trio pelas gravações que o querido amigo sempre lembra de me enviar.

Mas nada como ouvir ao vivo o trio, em uma noite inspirada, e observar o que noto em cada novo disco, o grau de cumplicidade existente entre eles, e o quanto se divertem enquanto tocam juntos! Esse grau de entrosamento, em que cada um sabe o que o outro irá fazer, necessita de muitos anos de afinidade, dentro e fora do palco.

E no caso do Mehmari e do baterista Sérgio Reze, que tocam juntos há mais de 25 anos, ambos atingiram um grau de virtuosidade que é difícil enquanto assistimos ao vivo, separar o instrumento do instrumentista, parecendo uma extensão completa e inseparável.

Poucas vezes, nos meus 65 anos, presenciei uma comunhão tão plena e orgânica.

Espero que todos os nossos leitores que gostem de Música Instrumental Brasileira, tenham um dia em suas vidas a chance de ouvir esse trio se apresentando.

É um acontecimento raro no cenário mundial, e que poderá ajudar todos nossos leitores a entender definitivamente o que significa intencionalidade ao compor, e executar, obras de tamanha beleza e complexidade, transformando-as em belas melodias palatáveis!

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