Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Uma nova seção mensal só sobre Toca-Discos de Vinil
O que é VTA?
É, literalmente, o Ângulo Vertical de Tracionamento (Vertical Tracking Angle) – é o ângulo no qual a agulha entra no sulco do disco.
Fácil de entender se você olhar o braço do toca-discos de lado: se a traseira do braço for mais alta que a frente, o ângulo é maior. E qual é o ângulo ideal? Algo próximo do tubo do braço estar paralelo ao disco.
E qual o efeito sonoro se esse ângulo estiver grande, com o braço mais alto na parte de trás? Som magro, com pouco grave, baixo impacto e pouca ‘pegada’.
Se seu braço tem essa regulagem, deixe-o paralelo ao disco. ‘Ah, mas e se eu estiver ouvindo um disco mais fino, como um vinil nacional, e depois um mais grosso de 180 gramas? Fico alterando o VTA?” Não. Faça uma boa regulagem para um disco de grossura média, como um importado antigo, que a ‘média’ servirá bem para tudo.
Qual é a boa regulagem? Braço paralelo ao disco ou, até, com a traseira do braço um pouquinho mais baixa (para assim tirar um pouquinho a mais de graves, em alguns casos). Não se esqueça de verificar novamente a regulagem de peso do braço depois de regular o VTA, porque pode haver alterações. Se sua cápsula tiver, no manual, uma indicação, por exemplo, de que ela trabalha com “de 1.8 a 2.2 gramas com peso indicado de 2 gramas”, faça testes sonoros com 2, com 2.1 e com 2.2 gramas – achando qual é o peso que melhor se adequa ao seu setup sem criar problemas de equilíbrio tonal, como: abafamento, perda de agudos, magreza ou falta de graves. Ou seja: com Equilíbrio Tonal. Quando estiver com o peso muito alto – que pode ser a diferença entre 2.1 e 2.2g, por exemplo – o som fica sem vida e com o grave embolado e de ‘uma nota só’.
Simples, né?
Então, por que complicam tanto?
Ah, porque aí vêm os cientistas e os teóricos – que dificilmente param para ouvir o que está tocando, perceber ‘como’ está tocando, e descobrir que, empiricamente: “Na Prática, a Teoria é Outra”.
Sentar, ouvir, perceber e entender – usar seus ouvidos, sua maior e melhor ferramenta – é algo que causa urticária em muita gente. Deve ser algo tão ruim para alguns, que coalha o leite na geladeira e mofa o pão no armário, usar os ouvidos! ‘Ouvir’ dá coceira bem lá no meio das costas, onde ninguém alcança e a pessoa mora sozinha! Prejudica a Paz Mundial! “Ouvir”, usar os ouvidos, é pior que jiló com coentro, frio e sem sal (para quem não gosta…).
E, para continuar, aí vem o termo SRA (Stylus Rake Angle) – Ângulo de Inclinação da Agulha, que é, nada mais nada menos que: o ângulo no qual a agulha entra no sulco do disco.
Acreditem, tem gente que passa seu tempo discutindo se o termo certo para se referir ao ângulo que a agulha entra no disco é VTA ou SRA. E isso em vez de trabalhar no sentido de obter o melhor resultado. Meu lado ácido tem vontade de dizer: “Mas, se chamar ele nem de VTA , nem de SRA, chamar de ‘Zé’, que diferença vai fazer, contanto que se acerte o ‘Zé’ para se obter o melhor som?!?”.
Acidez à parte, eu diria que o VTA é regulado para se obter o melhor SRA – ou que o SRA é resultado da regulagem de VTA. Ou que Tostines é sempre fresquinho porque vende mais.
A melhor inclinação do diamante, do ângulo que a agulha entra no sulco, é – segundo os especialistas – de 92 graus, ou seja, ligeiramente inclinada para a frente. Entenda: esse é o ângulo do diamante lá na pontinha do cantilever, OK? Não significa que, para obtê-lo, o braço fique mais levantado atrás (ou mais baixo), porque ele vai ser alterado pela construção da cápsula, pelo valor do peso utilizado, pela maleabilidade da suspensão do cantilever, etc.
Por que 92 graus? Porque é o ângulo no qual a agulha de corte entra no acetato na hora de gerar a master física para prensar o disco de vinil.
E como obter 92 graus de inclinação vertical do diamante da agulha entrando no sulco? Simples: muito trabalho, um microscópio especial, e algum tipo de gabarito. Vale? Eu acho que não, porque eu não acho que isso é definitivo como um objetivo a ser alcançado, até porque a suspensão da cápsula cede um pouco, assenta com o uso – e aqui é preciso deixar claro que a regulagem de um braço de um toca-discos precisa ser refeita após umas 100 horas de uso, após o amaciamento tanto de uma nova cápsula quanto da fiação nova de um braço (se o braço ou o toca-discos forem novos). E, também, vários pesos de discos têm várias grossuras diferentes, o que obviamente já alteraria o ângulo de entrada da agulha.
Confuso, né?
Na verdade existem muito mais variação nos cantilevers e agulhas, de fabricante para fabricante, e mesmo dentro de um só fabricante – afinal, chegar na perfeição nesse nível de detalhe, não é nem um pouco fácil.
E as ferramentas disponíveis para 99.9999% das regulagens de braço, praticamente não permitem lidar com, ou mesmo enxergar, esse nível de detalhe.
Se você acha, por exemplo, que uma balança de precisão, um micrômetro e um espectrógrafo de massa irão fazer de você um melhor cozinheiro gourmet, então a busca (obviamente infrutífera) pela ultra-precisão na regulagem de um braço de toca-discos, vai fazer sentido para você.
Antes que me joguem tomates podres, volto a dizer: a melhor precisão que você conseguir obter é apenas ponto de partida, não o objetivo final – este virá com o ajuste fino. Passei muito tempo instalando cápsulas e braços, e regulando-os, para dizer isso com toda a tranquilidade – porque sempre o resultado foi voltado a tocar bem, correto, equilibrado e com boa resolução, nunca tendo som embolado e sem definição, com timbre torto, sem recorte.
São duas questões diferentes, no final das contas: a qualidade sonora obtida após a regulagem, e a satisfação dos ‘cientistas’ da comunidade. E tem muito ‘cientista’ demais na audiofilia, gente que liga seus devidos equipamentos, mas que não mexe no botão de volume se alguém não apresentar para eles evidências e explicações científicas claras…rs…
Já me falaram que não acreditam em nada do que eu falo neste artigo, se eu não apresentar evidências científicas (o que para mim soa pedante para caramba!). Minha resposta é única: “Ouça o resultado sonoro final – ele é o único que importa”. E tipo de ‘cientista’ é aquele que dá satisfação de ver quando a bomba não explode e ele tem que voltar à prancheta e mudar tudo aquilo que ele acredita como sendo Verdades Inalteráveis…hehehe…
Lembrem-se: “Na Prática, a Teoria é Outra”.
E uma regulagem prática sempre deu mais resultado do que ficar procurando pêlo em ovo com um microscópio, um gabarito e um paper em PDF com 200 páginas.
VTA ‘on the fly’?
Muitos braços tem o que é chamado de VTA ‘on the fly’, que permite o ajuste do VTA enquanto o disco está tocando. A ideia é a de se regular um VTA diferente para cada grossura de disco. O problema é que o peso é ligeiramente alterado toda vez que se muda a altura do VTA – e para isso não acontecer, seria necessário que esse ajuste de VTA para cada disco fosse muito preciso, estudado e anotado, disco a disco.
Vejam, um braço não é uma balança em equilíbrio, e sim uma balança que pende em 2 gramas para um lado (o lado onde está a cápsula). E uma regulagem de peso é feita o mais próximo possível da altura da superfície do disco, porque as diferentes alturas onde a agulha pode ser pousada, darão pequenas variações de peso. Se, como eu falei acima, a precisão de ajuste de peso é tamanha que 2.08g pode, em casos, tocar melhor que 2.1g, então se você tiver vários pesos diferentes porque regulou várias alturas diferentes no VTA ‘on the fly’, não parece ser um bom negócio, né?
Solução? Um paquímetro de precisão para medir a espessura de cada LP que você tem, e anotar na capa dele qual ajuste será necessário na escala marcada no seu ajuste de VTA ‘on the fly’ – assim não se incorre nos erros possíveis como o do parágrafo acima. Este comportamento é um dos meus preferidos para estudo, pois já vi muitos que gostam de buscar esse tipo de precisão, mas usam cabos de má qualidade do outro lado, não posicionam suas caixas corretamente e nem pensam em qualquer ajuste ou aproveitamento da acústica de suas salas. Ou seja, querem uma precisão obscena no lado do toca-discos, e incorrem em uma imprecisão obscena do outro oposto do sistema – ganham 10% aqui para perderem 50% lá… Vai entender…
Solução 2? Regule o VTA do seu braço para a espessura média de seus discos, que ele tocará a contento LPs mais finos, e tocará corretamente LPs mais grossos – em um sistema bem regulado com um mínimo de folga. Acredite, é assim que funciona ter alta performance na maioria esmagadora dos braços hi-end e ultra hi-end do mercado – os quais quase nunca têm VTA ‘on the fly’.
Ferramentas para regular VTA?
Bom, eu nunca usei nenhuma. Não descarto, porque qualquer coisa que ajude você a ver o paralelismo entre o braço e o disco, é algo legal. Eu nunca usei porque nunca tive dificuldade de visualizar esse paralelismo – e já regulei centenas de toca-discos ao longo de décadas.
Mas, aí, eu entendi porque muitos dizem que a ferramenta é essencial: porque essas pessoas buscam a tal ‘Precisão’…
Novamente: o Ajuste Fino é um milhão de vezes mais importante que a precisão super hiper ultra do paralelismo ultra perfeito. E a relação entre o ajuste fino do peso e o ajuste fino do VTA, é ainda mais importante. O ponto perfeito é quenem o ‘tempero da vovó’. Minha avó nunca utilizou ‘uma colherada disso’ ou ‘uma xícara daquilo’ – ela dizia “vai pondo até ficar bom”.
E como se acha o ponto perfeito do ajuste fino?
Ouvindo.
Sim, aquele palavrão horroroso.
Me perguntaram, por exemplo, qual o ângulo de toe-in que uso nas minhas caixas acústicas. A resposta foi: “Sei lá! Fui fazendo o ajuste fino até chegar no que tocava melhor”. Não usei trena a laser, fio de prumo ligado no GPS, ajuda dos estagiários da NASA, nada disso. Usei a metodologia básica, boas gravações que eu conheço bem, meus ouvidos, e trabalho. Só.
Precisão de acordo com manuais e ferramental, não é o melhor para se obter o melhor. A ferramenta é o Começo e não o Fim. O paralelismo do braço é o Começo e não o Fim. O peso indicado no manual da cápsula é o Começo. E não o Fim.
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