Christian Pruks
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Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio
O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar algo antigo.
Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!
MADE IN HOLLAND
Depois do longo domínio do áudio japonês – tanto em coisas bem ‘consumer’, quanto em equipamentos muito elaborados – durante boa parte de quase 20 anos, entre as décadas de 70 e 90, às vezes é difícil a gente pensar no áudio europeu, como a holandesa Philips, por exemplo, como algo muito elaborado. Mesmo com muita presença da Philips no Brasil, a maioria de seus equipamentos sempre foram preteridos em favor das marcas japonesas.
Acontece que o áudio europeu dessas décadas é bastante rico – tanto em marcas e equipamentos, quanto em qualidade sonora. Claro que tem muita coisa a ser esquecida, mas tem também um bocado de pérolas!
Eu tive equipamentos da Philips ao longo dos anos, sendo que alguns eram excelentes – e outros nem tanto… Parte do problema é que procurávamos equipamentos com sonoridade mais energética, para suprir nossa ‘juventude’, rs…, e para casar melhor com a caixas e a música da época. E essa é uma característica bastante própria da década de 80: amplificadores sem agudo (tinha que abrir todo o agudo no controle tonal), ligados em caixas que eram, geralmente, todas tortas, precisando do reforço de graves e agudos dado pelo botão de Loudness – e tudo isso sem nenhum critério de utilização, posicionamento de caixas, volume, etc.
Hoje em dia é possível, para quem é fã de vintage, perceber que vários amplificadores e receivers da Philips eram decentemente equilibrados e musicais! E que alguns de seus tape-decks, e vários de seus toca-discos, são muito competentes e bem bolados – haja visto a popularidade até hoje do toca-discos GA-312, o ‘Geléia’, da marca, no mercado de usados.
E um desses toca-discos bacanas da Philips é o foco desta matéria.
O TOCA-DISCOS PHILIPS AF 877 SUPER ELECTRONIC DIRECT CONTROL
Em 1978, a Philips lançou na Europa o toca-discos AF 877, o segundo melhor em uma linha de quatro aparelhos que traziam o diferencial do muito bem desenvolvido sistema de controle de velocidade ‘Direct Control’.
O AF 877 é um toca-discos semi-automático (só o retorno do braço é automático), que tem uma base feita de uma resina de baixa ressonância – bem grossa até – com um seu peso semelhante ao de um Technics japonês da mesma época cujo sub-chassi era de metal. O chassi, em si, é fixo, mas o prato está sobre um sistema de molas de três pontos bastante estável, com parafusos de regulagem das mesmas para nivelamento. O prato é decentemente grosso e amortecido, o braço de alumínio traz headshell descartável e um engenhoso sistema de regulagem de peso, com anti-skating – mas sem regulagem de VTA, infelizmente.
O engenhoso sistema de regulagem de peso usa uma escala, que fica à direita do descanso do braço, que nada mais é que uma balança cujo pino está embutido no próprio descanso. Ou seja, se soltar o grampo de travamento do braço, quando o mesmo está pousado em seu descanso – ou seja, sobre a balança – a escala ao lado mostra qual é seu peso. Regular, portanto, é ‘uma brisa’: vá girando o contrapeso no fim do braço, e pousando-o sobre o descanso, até que o valor que você quiser obter for o que estiver marcando na escala. Segundo alguns testes básicos que vi na Internet, esse sistema permanece decentemente preciso mesmo 45 anos depois!
Sendo um toca-discos de bom visual, decente construção, velocidade extremamente estável para um sistema de acionamento do prato por correia, com um braço honesto com shell destacável e com boas e precisas regulagens – e um ‘lift’ bem feito e suave – o que falta para o 877 ser um grande toca-discos, mesmo no mercado atual? A resposta: o ajuste de VTA. Acho que, em 1978, a Philips (e muitas outras empresas) nunca imaginaram que algum maluco sequer iria cogitar usar uma cápsula com uma agulha de perfil mais complexo que uma Elíptica – que são as agulhas que literalmente precisam de uma regulagem fina da altura do braço, que é o VTA, para darem sua melhor performance, como as MicroLine, Shibata, etc.
Mas, elucubrações à parte, a ‘cerejinha do bolo’ do 877 é o controle de estabilidade de velocidade do motor. Veja, este é um toca-discos consumer, não ‘audiófilo’, com preços competitivos com a maioria dos toca-discos normais do mercado à época. Tanto que um modelo abaixo, o AF 777, foi o campeão de vendas da empresa na Europa naqueles anos.
O tal Direct Control é algo engenhoso e bastante bem bolado. Enquanto muitos (Technics, Sony) partiam para o uso de motores de prato de tração direta, ou seja, acoplados diretamente no eixo do prato, e controlados por um circuito eletrônico complexo, a Philips teve a ideia de manter o toca-discos acionado por correia – e olha que os motores deles são muito bons, tendo equipado vários toca-discos belt-drive inclusive audiófilos.
A correia, no 877, aciona um sub-prato (bem ao estilo dos atuais Rega e Pro-Ject, entre outros), mas com um circuito que, para corrigir rapidamente em tempo real os erros e variações de rotação do prato, não monitorava o motor, e sim monitorava o comportamento do próprio prato! E quem, hoje em dia, faz isso com um toca-discos belt-drive?
Ninguém. É mais ou menos como misturar os benefícios do direct-drive e do belt-drive em um só aparelho – ou seja, mantém a sonoridade do belt-drive com o controle de velocidade de um direct-drive.
Qual o resultado prático disso? A flutuação instantânea da velocidade é praticamente a mesma de um toca-discos Technics direct-drive – ou seja, aparentemente estanque – e bastante melhor que a de um toca-discos com tração por correia. Em um direct-drive bom, a flutuação é de 0.025%, e o AF 877 consegue chegar em 0.03% – extremamente próximo, considerando que o que é tolerável pelo ouvido humano (não sei pelo ouvido marciano) é um máximo de 0.25%, muito longe disso!
Se você apontar uma lâmpada estroboscópica no prato de um belt-drive, irá literalmente visualizar a oscilação de velocidade – e em um toca-discos direct-drive, essa oscilação não é visualizável a olho nu. Essa sempre foi a grande vantagem do direct-drive: a rotação visualmente estanque.
Peguei uma vez em mãos um toca-discos da Philips que tinha esse sistema Direct Control, mas que era de uma geração posterior a essa. Era um aparelho usado que estava muito malhado, que tinha apanhado mais que lutador de boxe perdedor, mas que, ao ligar, a rotação estava mais estável que uma mesa antiga de madeira de lei!
Surpreendente!
MODELOS SEMELHANTES
A linha onde está o 877, toda pertencia à categoria de produtos de alta qualidade da Philips, chamada de Hi-Fi International – seus produtos que tinham, desde a década de 60, a melhor performance. São quatro toca-discos, todos usando o sistema Direct Control, com o mesmo prato e sub-prato – mas variando o braço e os recursos.
Dois toca-discos, o AF 677 (retorno automático) e o 777 (totalmente automático) usam um modelo de braço. E os outros dois, AF 877 (retorno automático) e 977 (totalmente automático e com a adição do travamento da velocidade por quartzo), compartilham um braço mais elaborado, o qual, aliás, com pequenas variações, foi utilizado por vários modelos da empresa, inclusive alguns que saíram no Brasil na década de 80.
O 677 e o 777 também recebem a alcunha ‘Electronic’ escrita no painel frontal – que saiu em numerosos aparelhos da Philips, que eu acho que tem a ver com os botões de acionamento eletrônico de toque suave (soft touch). O curioso é que os modelos 877 e 977 têm escrito “Super Electronic” no painel… rs… E olha que o acionamento é pelos menos botões, e o controle de velocidade é o mesmo. É preciso lembrar que era a época áurea das siglas, frases técnicas, chavões e afins, estampados na frente dos aparelhos, mundo afora, meio que ‘definindo’ seu nível de qualidade.
Um modelo posterior, que parece ser uma continuidade dos 877 e 977, é o AF 829, que traz um design e acabamento diferentes, mas o mesmo prato, o mesmo sistema de motor, sub-prato, suspensão e controle de velocidade Direct Control. E sua versão MkII também traz o travamento da velocidade por quartzo, como no 977. O AF 829 usa também um braço semelhante, e com a balança de regulagem de peso embutida, e é totalmente automático como o 977.
Há, também, modelos mais difíceis de encontrar, como AF 887 – que tem a cara do 877, mas tem adição do travamento de velocidade por quartzo, só que sem a alternativa de alterar a velocidade com os potenciômetros de pitch, como faz o 977.
Outros modelos de toca-discos da marca, com o controle de velocidade Direct Control devem existir – mas a documentação desse tipo de material é muito escassa.
COMO TOCA O AF 877
No geral, o 877 é extremamente silencioso durante a reprodução, e ainda com a rotação estável como se fosse um direct-drive.
E, apesar do braço do 877 ser considerado massa efetiva média de 11 gramas – bastante compatível com uma variedade de cápsulas – entendi que foi um consenso de época que a cápsula Philips que o equipava não tirava o melhor que ele podia dar em matéria de qualidade sonora, sendo deficiente principalmente nos graves.
A cápsula Philips era considerada ‘semelhante’ em nível a uma Shure M55 – e eu lembro de ter ouvido uma cápsula igual a que vinha no 877, e considerado ela um exemplo de como algo pode soar sem graça.
Acredito que esse aparelho iria muito bem com uma MM moderna com agulha elíptica – ou, ainda melhor, como uma agulha MicroLine e muito conhecimento e engenhosidade na hora de instalá-la e compensar o VTA.
SOBRE A PHILIPS
A Philips é mais uma empresa que dispensa apresentações – não tem ninguém que não saiba quem eles são – apesar de, atualmente, estarem em uma certa decadência, por causa da concorrência, estratégias, etc.
O conglomerado holandês Philips chegou a ser uma das maiores, se não a maior empresa de tecnologia do mundo – desde semicondutores, até barbeadores, eletrônicos para a cozinha e o lar, equipamentos de som e vídeo, televisores de tubo, televisores de tela plana, monitores para computador, selo de gravação de discos, a invenção da fita cassete, lâmpadas incandescentes, as primeiras lâmpadas LED, tecnologia para a área médica, a invenção do CD em associação com a Sony, a invenção do DVD em associação com a Toshiba e a mesma Sony, etc e tal.
Porém, com a atual reestruturação, a Philips passa a focar em produtos para o bem-estar pessoal e afins, e tecnologia para área médica – tendo vendido sua operação de fabricação de TVs e monitores, de produtos de áudio e vídeo, de pilhas, multimídia e de iluminação.
Um junho musical a todos nós!