Fernando Andrette
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Independentemente de sua preferência por qualquer um desses três compositores clássicos, o que a neurociência acaba de descobrir é que nenhum outro estilo musical faz tão bem a nossa saúde mental e ao nosso bem-estar físico.
Isso pelo fato de a música clássica propiciar um aumento da sincronização entre o córtex auditivo do cérebro e a amigdala estendida, que é a estrutura responsável pelo processo de informações emocionais.
E quando você escuta seu compositor de música clássica preferido, a oscilação gama das partes excitadas do seu cérebro – que estão relacionadas com atenção e estados emocionais – acendem ao ouvir a música de sua preferência.
Outra descoberta é que, ao ouvir músicas que lhe são agradáveis, as oscilações teta no córtex auditivo se sincronizam com as oscilações gama, aumentando ainda mais a atenção de todas as regiões cerebrais envolvidas em todos os processamentos emocionais e de recompensa.
Com essas descobertas, inúmeros artigos científicos têm sido publicados, e para os neurocientistas envolvidos nesses estudos, não tem mais dúvida da importância da música como um exercício para o cérebro e todos os benefícios que essa prática diária oferece.
Se você pensou: “Mais um artigo sobre neurociência? Não, Andrette!!!”, errou, pois usei apenas essa descoberta para tratar de um assunto que diz respeito apenas aos audiófilos / ‘aparelhófilos’.
Esse é um tema que acho que merece ser abordado permanentemente, pois se a jornada de se montar um sistema inicia-se com o objetivo de extrairmos mais da música que apreciamos, só que ocorre que no meio do caminho nós nos desvirtuamos deste propósito.
E nos tornarmos ‘aparelhófilos’, abrindo mão de uma grande parte do nosso acervo musical, pelo simples fato de inúmeras gravações não soarem bem no sistema que montamos e julgamos ser o suprassumo em matéria de hi-end!
Quem não caiu nessa tentação, que atire a primeira pedra!
Será que existem critérios que nos orientem a não cair nesse erro?
Essa é uma pergunta recorrente que escuto, tanto nas mensagens enviadas a nós diariamente, como no Workshop que realizamos em abril.
E costumo responder sempre que o primeiro critério para saber o quanto você se desviou do objetivo inicial, é olhar para sua coleção de música e levantar o percentual de gravações que foram colocadas em hibernação permanente.
Se esse percentual for menos que 20%, fique feliz, pois o desvio não foi o suficiente para você esquecer qual é o único objetivo de montarmos um sistema hi-end!
Porém, acima deste percentual, eu me preocuparia – e muito!
Pois saibam, amigo leitor, que nesses trinta e poucos anos nessa jornada escrevendo na Audio News e na nossa publicação, vi audiófilos reduzirem sua coleção de discos a uma dezena e – pasmem – alguns sequer ouviam mais esses discos inteiros! Tornando-se uma obsessão extrair dessas faixas detalhes tão inócuos, que pouco ou nada têm a ver mais com sentar e ouvir música.
O segundo critério, então, é se perguntar: as músicas que ouço atualmente em meu sistema são para avaliar o sistema, ou apenas para perceber o quanto este me proporciona mais prazer ao escutar meus discos?
Se os valores se inverteram, meu amigo, você está indo na direção errada em alta velocidade, e o resultado será acabar com uma dezena de faixas apenas, buscando apenas saber o que o novo upgrade lhe deu de melhorias nessas restritas músicas.
Então, o terceiro critério é fazer um mea culpa para saber em que ponto você se encontra neste exato momento dessa estrada, e não usar desculpas ou achar que a redução do número de discos que você passou a ouvir é estritamente pela qualidade técnica das gravações que você tem.
Pois saiba que a principal característica dos sistemas hi-end atuais, dos que não sejam ultra hiper analíticos, é possuir um equilíbrio tonal e ‘folga’ para resgatar a esmagadora maioria de seus discos.
Então, se o seu sistema não permite esse ‘resgate’, acabamos de ir para o quarto critério: a análise de seu sistema atual.
E a primeira dica é a mais essencial, que também dou diariamente a quem me escreve com essa dúvida: se o seu sistema expurgou mais que 20% de seus discos, seu sistema tem problemas sérios, ou sua sala, ou a sinergia do sistema, ou tudo junto.
Pois um sistema hi-end correto em termos de equilíbrio tonal, uma sala minimamente adequada acusticamente e uma elétrica dedicada, é para ‘resgatar’ grande parte de sua coleção de discos.
Se ele não fizer isso, você está desperdiçando tempo e dinheiro.
E a frustração um dia virá – e cobrará pesado!
O quinto critério é que, feito o diagnóstico de onde se encontra o problema na redução das músicas que consigo ouvir, e corrigido o problema, vem o resultado: menos fadiga auditiva, maior prazer auditivo e, consequentemente, o resgate de grande parte de nossa coleção de discos.
Portanto, enquanto não houver essa regra – de menor fadiga auditiva e maior prazer auditivo – não se engane, pois você continuará trafegando a estrada errada.
E acredite: é uma estrada errada e péssima para o seu bolso e suas expectativas, pois serão cada vez mais altas e impossíveis de serem realizadas.
Que audiófilo já não escutou sistemas de milhares de dólares que soaram abaixo da crítica? Novamente, atire a primeira pedra quem nunca viveu essa situação tão decepcionante!
Sexto critério: não se iluda que ter um par de orelhas em bom estado é o suficiente para você fazer as melhores escolhas dentro de seu orçamento e gosto. Ou você possui referências reais de como instrumentos ao vivo não amplificados soam, ou você irá cair no erro mais banal de todos, de achar que reconhecer o instrumento que está ouvindo é o suficiente.
O único mérito em saber que instrumento está ouvindo é que só o livra de passar vergonha na frente de quem sabe os instrumentos que estão tocando. Nada mais que isso!
Existem nuances harmônicas na composição do timbre de cada instrumento, que lhe darão pistas essenciais para você descobrir, por exemplo, o grau de qualidade na reprodução de texturas do sistema que você está ouvindo.
E esse conhecimento pode simplesmente fazer você ter uma escolha mais assertiva, ou não.
Então, esqueça essa balela que já nascemos sabendo, pois isso é uma mentira que muitas vezes dizemos a nós mesmos, para melhorarmos nossa autoestima e aumentar nossa confiança – ou para sermos aceitos em um grupo de audiófilos.
Ouvir um saxofone sem saber se é um barítono, tenor, alto ou soprano, não o ajudará a avaliar o equilíbrio tonal de um sistema, acredite.
Ou achar que o som de um violino ou viola é tão semelhante que, na sua mente, ambos estão no mesmo ‘espaço mental’. Isso levou um leitor da revista a cometer uma gafe no meio de um Curso de Percepção Auditiva, com 60 participantes naquela turma, quando ao final da apresentação da última faixa do nosso disco Genuinamente Brasileiro vol. 2, esse leitor se levantou, encheu o peito e reclamou “o violino estava excessivamente escuro, para o meu gosto”. E tive que lembrá-lo que não era um violino e sim uma viola!
Então, meu amigo, se você confia plenamente na sua audição, sem nunca ter exercitado profundamente ouvir música não amplificada ao vivo, certamente essa falta de referência irá levá-lo a conclusões equivocadas na hora de decidir que componente escolher no seu próximo upgrade!
O sétimo critério é: como escolher gravações realmente que nos ajudem a avaliar sistemas. O primeiro erro mais constante, é achar que as músicas que ouço e gosto são perfeitas para essa avaliação.
Então, vamos lá: gosto é gosto, gravações para avaliação de sistemas são outro departamento.
O legal é que, quando você ouvir essas gravações para avaliação soando bem, com total inteligibilidade, folga e sem fadiga auditiva, levando seu cérebro a se concentrar e ouvir sem ter que se esforçar, quando você colocar suas gravações preferidas elas também irão soar melhor do que você costuma escutar.
Às vezes até mostrando detalhes nunca percebidos, ou com uma imagem 3D muito mais aberta e menos comprimida.
Muitos leitores, quando recebem esse ‘batismo sonoro’, contam que o que mais lhe chamou atenção foi a queda de fadiga auditiva, mesmo nas gravações tecnicamente limitadas.
É exatamente isso que ocorre, e a equação é simples e certeira: aumente exponencialmente o nível do equilíbrio tonal do seu sistema e veja desmoronar a fadiga auditiva, a dureza nas altas, e o desconforto em passagens com muitos instrumentos em uma determinada frequência.
Se você já ouviu sistemas que ocasionaram esses benefícios, todos audíveis, parabéns, você sabe exatamente o que estou descrevendo.
O oitavo critério ainda é sobre gravações que são essenciais para avaliação de componentes e equipamentos hi-end. Você, mesmo que não aprecie esses estilos, irá achar as melhores gravações em dois gêneros: música clássica e jazz.
E antes que você me chame de velho gagá, volte alguns parágrafos e leia quando disse que instrumentos não amplificados ao vivo são nossa melhor referência. E em que estilos musicais encontraremos esses instrumentos?
No jazz, seja em gravações solo, trios, quartetos, octetos ou mesmo big bands. E em música clássica.
Então, meu amigo, se desejas realmente acertar na montagem do seu sistema: ouvidos à obra!
Não espero que os que não tem afinidade com esses dois estilos musicais, escolham para avaliar sistemas a História de um Soldado, de Stravinsky, ou faixas do Sun Ra. Mas pode ser um Bolero de Ravel, obras de Albinoni, Bach, Mozart ou mesmo as obras para duos e trios de Beethoven.
O que precisa ter cuidado é escolher gravações que sejam realmente boas tecnicamente.
Adoro mostrar o exemplo do Bolero de Ravel para, por exemplo, desmistificar a questão de variação dinâmica de sistemas ou componentes e, ao mesmo tempo, mostrar o grau de equilíbrio tonal de um componente.
Pois se trata de uma obra que inicia em pianíssimo e vai em um crescendo que, se abrirmos muito o volume para escutar em detalhes os primeiros 20 compassos, complicaremos o final em fortíssimo – pois irá faltar fôlego do sistema para as caixas.
Então, a primeira coisa que precisamos nos certificar, ao querer usar essa obra para avaliar dinâmica, silêncio de fundo do setup e equilíbrio tonal, é o ruído da sala e da rua.
Se for acima de 50 dB, esqueça, pois, usar esse exemplo não vai rolar.
Mas, se a sala for silenciosa, e pudermos iniciar a audição em volume seguro e todos os detalhes desses 20 primeiros compassos forem ouvidos integralmente, esse é um sistema promissor.
Agora, se no crescendo dinâmico, começarmos a ter mostras de dureza dos naipes de metais que vão se sucedendo, esqueça, pois se causar fadiga auditiva, o sistema tem problemas de equilíbrio tonal.
Percebam como é simples, com as ferramentas certas – gravações de bom nível artístico e técnico – avaliarmos qualquer sistema que desejarmos.
Não se trata de suposições, subjetividade, achismo, nada disso.
São as ferramentas certas, critério, Metodologia e Referência.
Penúltimo critério: feita a audição das músicas certas, e o sistema lhe agradou, pois não lhe causou fadiga auditiva nem seu cérebro no meio da audição se pôs a tagarelar ou querer acabar logo com aquele ‘martírio’, peça para ouvir seus discos ou faixas.
E aí vamos para o décimo e último critério: se o sistema estiver correto, suas músicas irão lhe surpreender, mas não por soarem mais transparentes – isso é apenas uma das consequências boas – mas o mais impactante será a sensação de que seu cérebro finalmente relaxou e parou de tagarelar, ou questionar se o sistema está certo ou não, para você desfrutar apenas da música.
E quando isso ocorrer meu amigo, o milagre acontece! Você foi resgatado do labirinto do Minotauro Aparelhófilo.
E quando isso ocorre, percebemos que nossa meta volta ao que sempre deveria ter sido – uma busca apenas por um sistema que o leve a ter o máximo de prazer por horas a fio, com a música que amamos!
Eu sempre encerro essas mensagens lembrando a todos esses leitores que o equipamento é apenas a estrada e não o veículo. Quem tem que nos conduzir por essa jornada é a música, e não o contrário.
Um excelente Natal a todos e um ótimo 2025 – espero nos encontrarmos no Workshop em abril para uma bela confraternização!