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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Este artigo é uma provocação – cujo intuito principal é o de expandir o leque musical de todos nós, amantes de música.

Como não me considero crítico musical – e não sou músico – sempre que vou escrever sobre música penso se os leitores não se interessariam mais por algum tema técnico sobre áudio e qualidade sonora.

Aí me lembro que não dá para falar sobre carros sem falar de combustível. E a música é o combustível de nossos sistemas – e o volante, e o assento…rs… Mas é melhor que a música não passe a ser o ‘cinto de segurança’, pois essa viagem, no sofá da minha sala, eu prefiro não tenha restrições.

O que eu vou abordar aqui são impressões bastantes pessoais – e não definições baseadas em sabedorias universais. Portanto, quem quiser se manifestar (ou ‘apedrejar’), meu e-mail de contato está no fim deste texto.

A ideia é que passei a enxergar várias semelhanças musicais – do tipo bom, interessante e instigante – em várias expressões de vários gêneros musicais, que coincidiam com muito do que tornava meu gênero preferido, o Rock Progressivo, interessante. Meio que um tipo de ‘alucinação sonora’…hehehe.

Na Edição 284, em 2022, eu escrevi um artigo que falava sobre o que aconteceu com vários expoentes e participantes do Progressivo da década de 70 – porque depois de seu sucesso nessa década, o Progressivo virou memória afetiva para alguns, e talvez música para interessados que ‘pararam naquele tempo’, como os que pararam nos Beatles, ou os que pararam em Bach e Mozart.

Não falo isso por mal – mas meu gosto musical oscila entre aproximadamente 1700 e 2024! Ouço música clássica, jazz, world music, folk, rock e eletrônico selecionado.

Eu lá no artigo falo de como os vários membros de vários grupos da época, e vários agregados, deram continuidade àquela música Progressiva, mas como uma evolução dela – e não passando as décadas seguintes tocando a ‘mesma coisa’. E como muitos desses continuam em atividade até hoje.

Aí você ouve gente falar “Ah, mas não se faz música nova boa”! Claro que se faz, sim, e aos montes! O que essa música boa não está é retratada na mídia mainstream de maneira alguma. Então, as pessoas que só ouvem os super-sucessos da mídia podem facilmente dizer que “não se faz mais música boa”. O que é divulgado e exposto é, cada vez mais, material para consumo rápido e descarte quase instantâneo.

Porém, um aparte: tanto no artigo anterior, quanto neste artigo, não falo do que muitos chamam hoje de ‘Prog’, ‘Prog Rock’ ou ‘Prog Metal’ – do qual não gosto e não acho que tenha absolutamente nada a ver com nada do que eu ouço ou jamais fale sobre. E não é birra contra o Metal, afinal eu gosto um bocado de Iron Maiden.

Mas, neste artigo (“finalmente ele vai falar do que se trata esse artigo!”…rs), o que eu quero trazer é minha impressão pessoal do quanto vários artistas incorporam elementos do Progressivo em sua música, de maneira aberta, ou inconsciente, ou mesmo porque possam ter bebido nas mesmas fontes onde o Progressivo original bebeu.

Então, quais seriam os elementos? O que faz o Progressivo ser o que é?

Essa é a melhor de todas as perguntas. E será que existe uma resposta, igual de todo mundo? Não. E uma que agrade a todos? Também não.

Cada qual entendido do assunto, parece ver uma coisa. A vertente na qual eu menos acredito, é a que diz que o elemento maior do Progressivo – e sua mais clara evolução – é o Jazz Fusion, Jazz Rock. Primeiro porque as expressões ‘maiores’ do Progressivo não eram nenhuma das grandes bandas de Fusion – o que muitas dessas fizeram é aproveitar elementos na parte rock de seu fusion, e vice-versa em menor intensidade.

E, tirando algumas poucas bandas que seguiram essa ideia, e seu claro elemento improvisacional na interpretação, eu não vejo esse Fusion imperando nos posteriores e imitadores, e nem nos artistas que foram continuando a ideia e filosofia do Rock Progressivo.

Entre alguns dos expoentes do melhor do Jazz-Rock, do Fusion, os quais se pode muito bem chamar de Rock Progressivo, estão Return to Forever e Mahavishnu Orchestra – ambos brilhantes na década de 1970!

E eu gosto de muita coisa de jazz – mas são gêneros mais distintos do que semelhantes.

Nos últimos anos da década de 1960, mais ou menos ao mesmo tempo em que os Beatles começaram a inserir o psicodelismo em sua música, e começaram a tratar seriamente de experimentação nos arranjos e composições, numerosas bandas iniciavam no mesmo cenário, na Inglaterra, elevando o rock com o blues, com o psicodélico e alguma experimentação – muitas delas, claro, sabidamente fomentadas pelo uso de drogas ilícitas.

Juntou-se a isso um virtuosismo latente de pelo menos um dos membros de cada uma dessas bandas (todos nomes conhecidos), além de trazer uma preocupação com a qualidade geral de todos os instrumentistas e fidelidade ao arranjo. E esses sempre falaram da influência forte que tiveram de vários compositores clássicos, do período do barroco e romantismo, principalmente – e também dos modernos e contemporâneos (de onde veio um bocado do experimentalismo).

Você junta tudo isso e obtém, na virada da década de 1970, a complexidade, erudição, imaginação, criatividade, a influência tanto da literatura séria quando da fantástica, assim como da religião e da filosofia, no que passamos a chamar de Progressivo, com bandas como King Crimson,Yes, Genesis, Pink Floyd, entre muitos outros. Isso perdurou até a virada da década de 80, praticamente, quando interesse do público, da mídia e das gravadoras já tinha migrado para vários outros gêneros musicais.

Progressivo foi popular e de sucesso. E deixou de ser popular e de sucesso.

Como falei no artigo citado acima, de 2022, muitos desses músicos continuaram, se juntaram, se separaram, evoluíram, se reinventaram – mas muito poucos deles tiveram (ou mantiveram) ‘sucesso comercial’. E, acreditem, esse tipo de sucesso almejado é para poucos, e mesmo assim é possível viver e sobreviver de música sem ser um superstar. Aliás, muitos dos grandes compositores e intérpretes da música nunca chegaram a ser nada perto de ‘superstar’.

Lírico, denso, atmosférico, complexo: adjetivos muito usados para definir várias obras da música considerada como erudita – ou clássica – desde o barroco até o romantismo e, depois o impressionismo e o experimentalismo do século XX, são o que, para mim, se juntaram ao rock e criaram o Progressivo – com numerosos guitarristas e tecladistas que dão como grandes influências a obra de Debussy, Ravel, Stravinsky, Bartók entre outros.

E o Progressivo, por ser rock, por ser popular, é mais livre em suas formas, combinações e arranjos. E ainda assim é focado nas sonoridades de seus instrumentos e na capacidade de seus membros, em grupos pequenos de músicos.
E isso tudo acima pode, ainda hoje, descrever uma longa série de obras, de vários gêneros musicais.

Entenderam onde entra meu raciocínio? A minha ‘alucinação’ em matéria de forma, estrutura e arranjo?

Em muita música vejo que aquilo poderia ser rearranjado para o conjunto típico de bateria/percussão, baixo, guitarra e teclado do Rock Progressivo, sem esforço quase nenhum.

A seguir, cito algumas coisas que me chamaram a atenção, nesse sentido, ao longo dos anos. Preparem suas pedras…rs!

ASTOR PIAZZOLLA – TANGO: ZERO HOUR

Não é segredo nenhum que o argentino Piazzolla elevou o tango à uma arte que ultrapassou os limites de seu país, e trafegou pelo jazz e pela música clássica. Considero facilmente esse disco, da década de 80, como sendo um dos melhores que já foram feitos até hoje – e Piazzolla um dos grandes mestres da música de todos os tempos.

Várias faixas aqui, como o Concierto Para Quinteto, e a Contrabajissimo (destaque), evocam com facilidade o Progressivo, e são tocadas apenas por cinco músicos: Piazzolla no bandoneon, Hector Console no baixo acústico, Horacio Malvicino na guitarra, Fernando Suarez Paz ao violino, e Pablo Ziegler ao piano.

Por coincidência – e para não acharem que eu sou completamente louco – a revista Rolling Stone disse, sobre esse disco, que sua forma é comparável à música clássica, sua improvisação comparável ao jazz, e sua dinâmica comparável ao rock. Precisa dizer mais alguma coisa?

JÓZEF SKRZEK – FRAGMENT KONCERTU

O polonês Skrzek e seu nome impronunciável – e com certeza vítima de várias tirações de sarro desde que um personagem de animação famoso e ‘verde’ chegou às telas – é um dos melhores tecladistas do qual você nunca ouviu falar. Seu trabalho primordial foi a SBB (Silesian Blues Band), que tocava Rock Progressivo nos anos 70, cantando em polonês, claro.

Mas, em suas longas décadas de envolvimento com música, seu trabalho mais interessante é tocando órgãos de tubo de igrejas na Polônia – inclusive se referem a ele não como ‘aquele tecladista de rock’, mas sim como um compositor clássico contemporâneo. Sua música com órgão de igreja é ainda mais interessante porque ele sempre a toca junto com seu surrado Minimoog (o mais surrado que eu já vi em vídeo, mas com timbre perfeito, portanto sua manutenção está completamente em dia).

E foi esse último pequeno e valente teclado que me levou ao vídeo indicado aqui, onde Skrzek se apresenta em um programa de rádio tocando dois teclados (ambos da Moog) e um piano (a gaita) – e é uma daquelas coisas hipnotizantes e inspiradas que evocam não só o Progressivo como o que ele poderia ser, com a expansão de horizontes, de instrumentos e formas.

HADOUK TRIO – BARCA SOLARIS LIVE

Por falar em expandir para novos instrumentos, temos aqui o Hadouk Trio. Muitos audiófilos conhecem esse trabalho, encabeçado pelo francês Didier Malherbe, que toca uma série de instrumentos de sopro da África, China, Vietnã e Armênia, junto com o exímio percussionista americano Steve Shehan, e o multiinstrumentista francês Loy Ehrlich com teclado e com seu ‘gumbass’ (cujo som é sensacional), que é um instrumento de corda marroquino chamado guembri (que parece uma mala velha de viagem com um cabo de vassoura), que Ehrlich modificou transformando em um contrabaixo.

O trio é um dos melhores exemplos atuais de jazz com world music. Mas, claro, tinha eu que ir lá e ‘enxergar’ em algumas faixas deles, elementos de Progressivo – e essa faixa é Barca Solaris, em sua sensacional versão ao vivo de 2017. Basta clicar no vídeo e ouvir a estrutura e arranjo que evoca o rock altamente elaborado, que poderia ser transcrito para bateria, baixo, teclado e guitarra – só que aqui, com o Hadouk Trio, é eximiamente bem tocado, e muito mais interessante em seus timbres e texturas.

Coincidentemente, Malherbe foi um dos membros originais do grupo de Rock Progressivo, psicodélico e space rock francês Gong, o qual existe até hoje, e integra o guitarrista brasileiro Fábio Golfetti da banda Violeta de Outono. E, acreditem, eu só descobri que Malherbe tinha feito parte da banda quando estava escrevendo este texto.

ARANIS – ROQUE

Uma vertente interessante que mistura rock com música clássica de câmara, é o Chamber Rock, um gênero com vários expoentes mundo afora. E um deles, o mais interessante que eu achei até hoje, é o belga Aranis – especialmente com esse disco aptamente chamado Roqueforte.

São eles: Joris Vanvinckenroye na composição e contrabaixo, Jana Arns na flauta, Liesbeth Lambrecht no violino, Stefan Wellens na viola, Marjolein Cools no acordeon, Pierre Chevalier ao piano, Stijn Denys na guitarra, e a adição do baterista e percussionista americano Dave Kerman somente neste disco (e turnê) – que é uma das coisas que ‘dá o tempero’, que faz o disco ser o mais interessante do grupo.

Como soa? Música de câmara mais complexa e pesada, mais século XX, como Bartók e Shostakovich, com toques de música folclórica franco-belga, tempero trazido pelo acordeon, principalmente. Aí, a dinâmica entre os músicos e em sua performance, é intensamente enriquecida pela adição da bateria. Por vezes, parece simplesmente ser Rock Progressivo acústico, porém um pouco mais elaborado e diferenciado em sua sonoridade.

CRISTIÁN TAMBLAY – BARTÓK STRING QUARTET Nº4, MOVEMENT 5

Tamblay é um jovem baterista chileno de jazz, fusion, rock e música clássica – mais conhecido por seu canal no YouTube do que por seus dois discos publicados nas plataformas de streaming (seu segundo disco, de jazz, saiu faz pouco tempo). Seu canal é bastante prolífico, com várias ideias diferentes e experimentais, que parecem ser a maioria de seu período como estudante de música na Universidade de Nova York – não consegui saber se já se formou, ou não.

De tudo que eu vi ou ouvi ele tocar, o trabalho mais interessante, tanto no resultado sonoro e musical final, como na sua qualidade técnica como baterista, é esse vídeo acima: é o 5o. Movimento do Quarteto de Cordas No.4 do compositor húngaro Béla Bartók, executado pelo Physis Quartet – um quarteto de cordas usual com dois violinos, viola e cello.

O diferencial? Cristián Tamblay integrando o quarteto de cordas com sua bateria! Não dá para se pensar mais na integração da música clássica com rock complexo e elaborado, do que isso.

É, claro, embrionário, uma experiência, uma diversão, a qual carece um pouco de polimento, arranjo e cuidado. Mas o potencial é extremo. E no dia que ele resolver lançar um disco de quartetos de cordas acompanhados de bateria (a qual casa incrivelmente bem com a obra de Bartók), eu estarei na fila da loja comprando.

MADREDEUS – OS SENHORES DA GUERRA

É interessante o potencial evolutivo que muitos gêneros e estilos musicais tradicionais têm, quando se começa elaborar e sofisticar mais sua sonoridade, atualizá-la, absorver influências. Piazzolla é o grão-mestre dessa elevação. E, se me perguntassem anos atrás se eu me interessaria pelo Fado, da música portuguesa, e o veria como algo atualizado e influenciado por outros gêneros, eu acho que responderia não.

Pois, aqui está o Madredeus, grupo de Fado formado em Lisboa na década de 80, e um dos grupos musicais de maior sucesso em Portugal. Especial aqui é o disco O Espírito da Paz, de 1994, que abre já com um Concertino em quatro movimentos, sendo o terceiro – Destino – sensacional. Mas, para finalidades ‘quase-Progressivas’, eu cito a faixa Os Senhores da Guerra, a qual traz uma elaboração e uma energia de rock, com o lirismo da voz da bela Teresa Salgueiro, e instrumentação de primeira categoria provida por José Peixoto e Pedro Ayres Magalhães nos violões, Francisco Ribeiro no cello, Gabriel Gomes no acordeon, e Rodrigo Leão nos teclados.

É um belo disco, e obrigatório para todos que apreciam seu tipo de beleza musical. Eu o ouço e frequentemente imagino várias possibilidades de arranjo e influências de gêneros musicais, e adição de instrumentos. Muito bom!
Bom, por hoje é só, pessoal. E, como prometido, segue aqui o email para o arremesso das ‘pedras’…rs… christian@clubedoaudio.com.br.

Um bom Natal a todos! E nos vemos em 2025!

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