Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Uma nova seção mensal – trazendo disparates ditos sobre áudio e audiofilia!
patacoada (substantivo feminino)
1. dito ou ação ilógica; disparate, tolice.
2. gracejo desabusado.
Em cartaz, este mês, os seguintes gracejos desabusados:
REVIEW DE UM TOCA-DISCOS ‘CRITICADO’ POR COMENTÁRIOS DE ‘ESPECIALISTAS’
Onde tem algo publicado na Internet – e pode haver comentários de leitores logo abaixo – sempre tem algo impensado, preconceituoso e simplista escrito.
Nessa, por falta de um, tinha dois. Era o review de um toca-discos de vinil, onde o primeiro comentário (sempre dito com tons de altíssima seriedade e sabedoria pura e líquida) reclamava que o aparelho, com tração por correia, tinha medições de flutuação de velocidade (no caso menor que 0.02%!) inferiores às mesmas medições de um toca-discos de 45 anos de idade, que se achava para vender usado por uma fração do preço.
Bom, primeiro, a diferença entre um e outro nesse quesito técnico, é muito pequena. Segundo, um toca-discos com tração por correia sempre têm um pouco de flutuação de velocidade, porque são acionados por um motor externo ao prato, através de uma correia, e dependem da inércia do prato para que este mantenha sua velocidade com a menor oscilação possível. Terceiro, muitos outros fatores não só influenciam a qualidade sonora muito mais, como são totalmente diferentes no exemplar novo, o do texto: base mais sólida e estável, que lida melhor com vibrações e ressonâncias, braço mais estável mecanicamente e feito com materiais mais modernos e preocupações de ressonância anos-luz à frente, além de fiação interna de sinal feita de materiais de muito melhor qualidade. A única coisa comparável entre um e outro, é que os dois tocam discos de vinil.
O segundo comentário ‘sábio’, sobre o mesmo review, dizia que o toca-discos seria melhor se tivesse sido projetado por alguém que entendesse um pouquinho mais de toca-discos. Além de soar estupidamente condescendente, a pessoa se esqueceu de usar o Google e descobrir que o projetista tem décadas fazendo toca-discos, e é bem sucedido. Eu mesmo ouvi mais de um modelo projetado por esse engenheiro, e são bem feitos e soam muito bem – que é o que realmente importa.
Mas esse tipo todo de ‘sabedoria de rótulo de xampú’, apresentado dessa maneira, infelizmente pode influenciar pessoas que procuram informações e opiniões fidedignas sobre um produto no qual estão interessadas.
Meu conselho sempre é: procurem algum profissional sério para seguir suas opiniões, em vez de ir procurar ‘sabedoria’ dentre as experiências de usuários. Procurar o braço de um cego para guiar outro cego dentro de um labirinto é bem auto-explicativo, nessa situação.
VISÕES DIAMETRALMENTE OPOSTAS AO USO DE ‘ROOM CORRECTION’
Um dos comportamentos do ser humano é o do ‘fanático’ – esse se liga em alguma ideia que teve, e perde completamente a capacidade de mudá-la e, portanto, de aprender algo novo. O que quer que se tente ensinar a esses, não será absorvido. Uma parte desses ‘fanáticos’ são os ‘tecnológicos’, aqueles que seguem tecnologias cegamente. Escrevi um artigo que aborda parte dessa questão, intitulado “O Áudio Hi-End Esqueceu-se do Futuro” na edição 301.
O audiófilo que tem uma preocupação Qualitativa – ou seja, se a massa é grano-duro e o molho é de tomate italiano, e não ‘quanto macarrão cabe no prato’ – é meio alérgico à novas tecnologias, principalmente àquelas que vieram para ‘salvar tudo’ ou ‘resolver tudo’, porque quase nunca resolvem nada ou, mesmo, apenas criam novos problemas. Então, o ‘audiófilo’ é tido como alérgico à avanços tecnológicos, uma espécie de dinossauro – quando na verdade ele é alérgico à alterarem o resultado sonoro fidedigno cuidadosamente obtido por ele.
A pior dessas tecnologias é, na minha opinião, o Room Correction.
A tal Correção de Sala, muito difundida no Home Theater, tem pouca ou nenhuma utilidade no áudio de alta fidelidade, de alta qualidade, pois no processo de querer ‘desentortar a banana’ ou ‘açucarar o sal’, perdas de qualidade sonora ocorrem – e esse problema é inerente ao processo. O mesmo ocorre quando se usa equalizador ou controle tonal, onde a ideia errada é de corrigir a sala em vez de ‘corrigir o equipamento’ e sua sinergia com outros componentes. Enfim, é um assunto longo o qual merece ainda outros artigos.
Quem monta, ajusta e usufrui de seus sistemas de áudio com a clara dedicação à Qualidade Sonora, têm a mesma opinião de uma pessoa na Internet que experimentou o Room Correction, e obteve ‘alteração’ no som que saía de seu sistema, mas não ‘melhora’ na qualidade de som. Esse é um, felizmente, Audiófilo Qualitativo.
E a mais bizarra resposta a esse audiófilo, foi a de que a sala e o sistema de som dele devem ser tão ruins, que é por isso que o Room Correction não melhorou a qualidade sonora. Bom, este é um ‘fanático’ que não sabe o que é qualidade sonora, para começar, e como são seus vários aspectos. É certamente, e infelizmente, um Audiófilo Quantitativo – é o cara que avalia restaurantes pela quantidade de comida no prato, e amplificadores por quão alto eles tocam…
RESPOSTAS BIZARRAS SOBRE O USO DE CAIXAS ACÚSTICAS ENCOSTADAS NA PAREDE
Existem caixas tipo ‘in-wall’, também conhecidas em português como caixas de embutir, são uma tendência de instalação fisicamente limpa, com tudo escondido dentro das paredes, muitas vezes atrás de tecido. Mas são típicas, e úteis apenas, em home-theater.
Mas não é uma boa ideia usá-las em sistemas de som estéreo de alta qualidade voltados à música. E, nesses, muito menos ter suas caixas normais encostadas na parede!
Por quê? Caixas acústicas não foram concebidas para ficarem nem encostadas nas paredes, nem nos cantos (e muito menos dentro das paredes). Parte disso, a parte apontada pelos objetivistas, é do reforço de graves que essa situação provê, acusando que a equalização dos graves poderia resolver esse problema. Acontece que quando você ‘suja’ os graves pondo as caixas encostadas parede, você não só dá ênfase a eles, como também perde qualidades, detalhes, recortes, texturas e definição – e essas Qualidades não retornam magicamente quando se diminui esses graves pela equalização ou correção de sala.
O que a maioria – inclusive e especialmente os objetivistas – prefere ignorar, é outro problema que ocorre quando se usa caixas encostadas na parede: mudanças sérias na dispersão dos médios-agudos e agudos, alterando muito as interações da caixa com a sala, e de uma caixa com a outra. O resultado? O palco vai para o vinagre. Simples assim. Profundidade, camadas, arejamento? Não, não rola nada que chegue perto de ser bom. E aqui também não há mágica, já que é uma interação física, e não há correção eletrônica para ela.
Os comentários vistos em fóruns online de discussão sobre áudio, então, são os mais bizarros. Um disse que as pessoas usam caixas encostadas porque “nem todo mundo pode ter uma casa projetada em volta de seus sistemas de som” – esse não tem a menor noção, já que para ter boas caixas afastadas das paredes, não é necessário projetar um ambiente específico desde o zero, e sim apenas ter alguns cuidados de posicionamento e ajuste. Inclusive, a maioria das pessoas não têm como ter salas e acústicas dedicadas e projetadas. E, também, usar caixas embutidas não vai eximir a pessoa de ter esses cuidados…
Outro disse que o motivo para ter caixas encostadas era “porque ele não tem uma casa de 700 metros quadrados”… rs… Bom, minha sala tem 6 metros de comprimento por 4 metros de largura (24 metros quadrados), e eu tenho um bom par de caixas MoFi SourcePoint 8 com woofers de 8 polegadas – afastadas das paredes – e com zero problemas. E com bastante graves, e um palco excelente.
Outro audiófilo disse, claro, que “usam caixas encostadas na parede atrás delas, porque dá mais graves” – e esse deve ser o mesmo sujeito do ‘bom’ restaurante visto pelo tamanho do prato.
E o comentário mais ‘interessante’, a resposta mais digna de nota, foi de um que disse que várias caixas (e citou marcas) foram projetadas para ficarem encostadas na parede. Ora, se o fabricante fez uma caixa com poucos graves que ele acha que pode ficar encostada na parede, ele com certeza não está levando em conta perdas práticas de qualidade sonora, como as que eu citei acima.
Eu já fiz experiências nesse sentido, como pegar uma caixa famosa que foi ‘projetada’ para ficar nos cantos da sala, em ângulo, com seus gabinetes rasos e originalmente triangulares, e pus essas caixas em posição normal onde se usariam caixas normais, e descobrir que não só a formação de palco – largura, profundidade, foco e arejamento – ficou mais correta, como os graves ficaram mais equilibrados, limpos e recortados.
Então, essa história também é, para mim, mais uma tremenda Patacoada.
“Se você quiser três opiniões distintas, pergunte para dois audiófilos!” – Frase do Ano para 2025.
E que março traga-nos Patacoadas ainda mais interessantes!