Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Fato: a mera sugestão, para muitas pessoas, de que elas poderiam ouvir Música Clássica, lhes causa ojeriza, e as faz fugir correndo morro acima, gritando, com os braços para cima. Mesmo se for para um fã de equipamentos de som e qualidade sonora, com o intuito de aproveitar a superioridade de timbres, texturas e corpo harmônico que esse tipo de música tem, para poder avaliar e regular seus sistemas e equipamentos de som – e extrair todo seu potencial.
Mas, por que é assim? Um dos maiores aspectos é que as pessoas ouvem música que faz parte de sua memória emocional. E outra questão dá conta que as pessoas absorvem e expandem vários aspectos de sua cultura ou interesses culturais, apenas até uma certa idade.
Nada de errado com nenhuma das duas coisas – afinal são características humanas. Mas, do audiófilo em especial, uma persona que aprecia música em uma profundidade e dedicação maior que o usual, era de se esperar que ele visse o hobby e a paixão dele (sistemas de áudio e música) com um intuito constante de aprendizado e conhecimento, e de expansão de horizontes. Por muito tempo, eu acreditei piamente que todo mundo estava sempre querendo conhecer novos gêneros musicais e seus artistas e gravações, e entender aquilo, se aprofundar naquilo – minha inocência.
Ultimamente vejo até articulistas da área de áudio – desse tipo que propala o ‘vale tudo’, do qual o Fernando Andrette eloquentemente fala na seção Espaço Aberto desta edição – reclamarem abertamente que a música tocada em vários showrooms, salas de eventos de áudio, de feiras mundo afora, “não os representa”, que os tipos de música “nada dizem à eles”.
Puxa, o intuito da música na feira, é mostrar o melhor que o sistema pode prover (dentro da situação), e não favorecer em plenitude o gosto pessoal dos que frequentam o evento. Em contrapartida, quem está lá para conhecer e se deleitar com uma variedade de equipamentos, deveria ter a noção clara de que nem toda música lá tocada será para satisfazer seus gostos pessoais, pois não é essa a razão de ser.
É preciso entender que música acústica possui uma riqueza enorme de timbres, harmônicos, texturas, transientes que – sinto muito – a música eletrônica e a música pop-rock (de várias eras e idades) simplesmente não tem.
E para que serve isso? Avaliar e regular equipamentos – e, claro, se você curte esses tipos de música: sentar, ouvir e apreciar.
E, também, aquele sistema ou equipamento que tocar melhor com música acústica como a orquestral, vai tocar melhor depois com a música eletrônica e pop-rock – em um conceito geral, que abrange timbres, texturas, harmônicos, palco, inteligibilidade, e não ‘quantidade’ disso ou daquilo.
Que tal aprender um pouco sobre música clássica? Aprender a ouvir um pouco?
Aquilo que toca em FM de sala de espera de consultório médico – que é chamado de ‘chato’ por muitos, está longe de ser dos melhores exemplos, pois não são nem dos mais complexos e nem dos mais interessantes de se ouvir.
Um contrabaixista de uma orquestra sinfônica, uma vez me disse: “Beethoven é ‘heavy metal’ para contrabaixistas!” – com uma antecipada felicidade de tocar aquela noite alguma sinfonia do conhecido compositor alemão. De fato, basta olhar os baixos tocando, e cada um deles trabalha mais e soa mais pesado e complexo que 99% dos discos de rock e pop.
E quando é uma orquestra, muitas vezes acompanhada de um coro, reproduzindo uma obra-prima que faz uso profundo de todas partes da orquestra (todos os naipes), quase nunca é nem entediante, nem brega, nem chato.
Abaixo passo quatro exemplos que poderão ajudar as pessoas a começarem a curtir música orquestral. São exemplos bastante complexos sonoramente, e grandiosos – ou seja, não fui para o lado do suave e mais lírico, pois acho que os que menos gostam de música orquestral, querem algo propositalmente mais intenso.
Uma coisa: se a pessoa não vencer a incapacidade adquirida de expandir seus horizontes musicais, seguir esses exemplos será inútil. Mas, como diria nosso estimado e audaz editor, Fernando Andrette: “Se a sua cabeça está aberta, caia de cabeça!” (acabei de inventar isso, pois o Fernando nunca disse essa frase na vida… rs!).
STAR WARS – RETURN OF THE JEDI (JOHN WILLIAMS)
Sim, sim, é uma ‘trilha sonora’, não é propriamente música clássica. Ou é?
Como obviamente é música orquestral – com a brilhante Orquestra Sinfônica de Londres inclusive – eu considero sim que, a essa altura, uma boa parte da obra de vários compositores de trilhas sonoras do século 20, pode figurar na discoteca de muitos fãs de música clássica.
Mas, por que esse exemplo? Primeiro porque é algo que os ouvidos de todo mundo já ouviu, e não vai ‘chocar’ e nem melindrar ninguém. E é legal para caramba! (sim, eu ainda tenho 15 anos de idade, e sempre terei).
E ouvir o tema de abertura de Star Wars – a primeira faixa – em um bom sistema ou fone de ouvido, é uma grande passo para entender que muita música de orquestra é bem mais interessante e impactante que o que rola em sala de espera de consultório de dermatologista ou no radinho de pilha do vovô.
Várias outras faixas poderão interessar e instruir – e essa é, acho, a mais bem gravada das trilhas originais dos filmes de Star Wars, que foram gravadas em Londres com a London Symphony e o próprio Williams regendo.
SYMPHONY NO9 “CHORAL” (BEETHOVEN) – CHICAGO SYMPHONY, SOLTI
Depois do impacto inicial de uma trilha de filme de grandes aventuras de “muito muito tempo atrás em uma galáxia muito muito distante”, podemos partir para a mais bela melodia já com-posta por seres humanos: o último movimento da 9a Sinfonia do alemão Ludwig van Beetho-ven, sendo aqui a última faixa[ desse disco, a número 4.
A melodia é facilmente reconhecida – mas ouvir toda a dimensão de uma orquestra completa, com coral, é ouvir o poder sonoramente rico de bem mais de 100 músicos. Como meu pai costumava dizer: “Me avisa quando quatro caras tocando rock conseguirem fazer isso”.
Mesmo sendo bem mais tradicional – e composta 200 anos atrás – a 9a de Beethoven é atemporal, é uma música que não envelhece.
E por que essa gravação? É uma das melhores já feitas, tanto em qualidade sonora quanto em musicalidade. Solti está em seu auge, com uma das melhores orquestras americanas na época, que tinha tido a sorte de ter passado nas mãos de um grande regente: Fritz Reiner, e feito várias excelentes gravações.
E nunca se esqueça: contrabaixos em obras orquestrais do Beethoven, são como ‘heavy metal’ para os contrabaixistas!
CARMINA BURANA (ORFF) – ATLANTA SYMPHONY, SHAW
Essa cantata do alemão Carl Orff, é uma das obras com coro e orquestra mais famosas que já foram feitas. Também será facilmente reconhecida, principalmente em seu primeiro movimento, sua primeira faixa.
Esta gravação, do selo americano Telarc, é soberba – tanto em qualidade sonora, com enorme variação dinâmica, quanto em preparo da orquestra e coral, que era a especialidade de vida do maestro Robert Shaw.
Poderá facilmente se tornar um dos discos favoritos dos que se aventurarem a ouví-lo. Seu estilo já é bem mais contemporâneo, já que é uma obra composta já no século XX, pouco antes da Segunda Guerra Mundial.
6TH SYMPHONY “PATHETIQUE” (TCHAIKOVSKY) – BERLIN PHILHARMONIC, KARAJAN
E, para completar, uma sonoridade diferente, já que é uma composição russa – do final do século 19 – e não tradicionalmente alemã (como Beethoven e o Orff acima).
Porém, as sinfonias 4, 5 e 6 do russo Tchaikovsky são emblemáticas em seu conteúdo emocional pesado, e ele pode facilmente ser considerado um ‘Rei da Melodia’.
Aqui, a melhor faixa para entender o que uma grande orquestra é capaz, e deixar gente pulando na cadeira, é a terceira faixa da 6a Sinfonia (ou seja, o 3o. Movimento).
Todas as obras acima merecem ser ouvidas inteiras – isso, claro, se a amostragem que vocês fizerem, agradar ao seu paladar sonoro aumentador de horizontes.
Dos quatro álbuns aqui sugeridos, os três primeiros têm alta qualidade sonora, Star Wars, Beethoven e Carmina Burana – que irão exercitar bem um sistema de áudio decente, e dar uma boa dimensão da qualidade de reprodução do mesmo.
Sintam-se livres para enviar-me um e-mail dizendo: “Detestei tudo! E não vou tentar ouvir música clássica nunca mais!”, carinhosamente endereçado para: christian@clubedoaudio.com.br.
E boas audições – para os bem aventurados!