Espaço Aberto: DISCOS QUE NOS ACOMPANHAM POR TODA A BUSCA DO MELHOR SISTEMA

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Fundador e atual editor / diretor das revistas Áudio Ví-deo Magazine e Musician Magazine. É organizador do Hi-End Show (anteriormente Hi-Fi Show) e idealizador da metodologia de testes da revista. Ministra cursos de Percepção Auditiva, produz gravações audiófilas e presta consultoria para o mercado.

Todos nós temos nossos discos que chamo de gravações de cabeceira. Gravações que gostamos tanto que sempre estão no meio daquelas que sempre desejamos ouvir a cada novo upgrade. Se eu for passar a minha lista, precisarei de umas oito páginas, pois são tantos LPs e CDs que estão comigo há tantos anos!

Mas escolhi um deles para falar um pouco dessa mania que todo audiófilo têm de querer escutar CDs que ele confia na qualidade técnica para abalizar seus avanços no ajuste fino de seu sistema. Este CD está comigo desde o seu lançamento, em 1993, pelo selo americano GRP.

Já contei algumas vezes minha resistência em comprar um CD-Player, e que só o fiz por exigência de minhas funções na revista Audio News, de escrever a respeito dos lançamentos das gravadoras. Até 1991, burlei bem esta exigência, pois as gravadoras enviavam o LP se o jornalista solicitasse. Mas, a partir de 1992 a coisa se complicou de tal modo, que tive que comprar meu primeiro CD-Player, Philips com topologia Bitstream, para poder continuar escrevendo na Audio News.

Minha experiência com CDs havia, até aquele momento, sido catastrófica, pois achava que os disquinhos prateados não entregavam absolutamente nada do que prometiam! E, como eu já havia cumprido minha cota de publicitário nesta vida, sabia que muito do que se propagava era puro marketing, principalmente se tratando de CDs.

Minha configuração em 1990 era constituída de um Thorens TD160, cápsula Stanton 500, Pré Quad 33, power Fischer e caixas JBL Jubal. Cabos originais da Quad padrão DIN de um lado e RCA do outro, e cabo de caixa Furukawa que o amigo Lucinei da Gramophone importava desde o final dos anos 80.

Vivia feliz com meu sistema, e ainda que já tivesse uns 30 CDs que as gravadoras haviam enviado para resenhas, eu nunca os ouvia. Mas, com a obrigatoriedade de arrumar um CD-Player, tive que ouvir todos e comparar com a versão LP para constatar, mais uma vez, como soavam duros, com timbres artificiais e todos os instrumentos e vozes soando como pizzas brotinhos dentro daquele falso fundo negro! Me sentia um ET quando, em festas ou eventos, participava de conversas sobre a ‘maravilha revolucionária’, como era chamado o disquinho prateado!

Escutava aqueles elogios efusivos e me perguntava: “o que está ocorrendo com as pessoas que gostam de música? Como elas podem se deixar enganar?”. Minha resistência era tão grande aos CDs que, quando os escutava em meu sistema e ficava maravilhado com a qualidade artística, eu ficava semanas a imaginar como aquela gravação soaria em uma prensagem analógica!

Sei que, aos nossos jovens leitores, esta narrativa do meu comportamento pode parecer deveras radical, mas vocês que hoje estão com vinte e poucos anos, já viveram algo semelhante quando se livraram do MP3 e conheceram as gravações PCM 24/96 de seus discos favoritos. Pode ser que vocês não expressem publicamente, mas lá no fundo vocês falam para si mesmos: “como podia ouvir música com este grau de compressão?”. Como diria o Dr. Alvarez (um dos principais clientes do meu pai, dentista): “o bom só nos serve até conhecermos o ótimo”.

Minha percepção de que o digital poderia ter uma luz no fim do túnel, foi quando recebi para fazer uma resenha da gravadora Universal (que representava o selo GRP no Brasil), o disco da banda de jazz fusion Yellowjackets, Like a River, lançado em 1993. Recebi o disco na editora, fui para casa, fui tomar meu banho, comer alguma coisa e sentei para ouvir. Até aquele momento todos os discos do selo GRP que tinha eram versão LP. Então conhecia muito bem o padrão técnico dos seus engenheiros e da qualidade técnica inegável de seus artistas! Dei play – faixa 1 – e tomei um susto! Como soou descongestionado e com um corpo que não tinha até aquele momento escutado em versão digital alguma!
Havia algo de novo a ser descoberto, graves com precisão, corpo, velocidade, escala dinâmica melhor e maior que em qualquer outro CD que já havia escutado. O único ‘pênalti’ era, como sempre, os agudos, principalmente nos saxofones, que soavam um pouco estridentes e duros.

Mas o avanço nos outros quesitos já era tão substancial que, por minha conta, no sábado sai à caça de outros CDs deste selo. Não achei muita coisa, a não ser um Chick Corea com seu novo quinteto e uma menina na capa de vestido cor de rosa (não consegui achar entre os mais de 8.000 CDs que tenho hoje na minha sala – quando achar eu escrevo sobre ele) e um do Gary Burton, Reunion, em que os agudos soavam como brocas de dentista no tímpano!

Mas percebi que os engenheiros da GRP tinham achado um caminho interessante para tornar o disquinho prateado mais palatável aos nossos ouvidos. Pois bem, desde 1993 este disco, a cada novo ajuste no sistema de referência ou dos amigos mais queridos e próximos, sempre dou um jeito de escutar de duas a três faixas. Ele se tornou uma bússola, pois sua gravação não permite concessão nenhuma em termos de equilíbrio tonal (principalmente nas duas pontas), escala dinâmica do forte para o fortíssimo, corpo harmônico (se o sistema for pobre de corpo harmônico, ele acusa na hora), transientes e textura, que em um sistema também pobre neste quesito, os instrumentos de sopro e os pianos soam artificiais (ainda que o equilíbrio tonal esteja ‘aparentemente’ correto).

E nessas minhas andanças de três décadas, este CD me ajudou a escapar de vários obstáculos, daqueles que você acha no primeiro momento estar no caminho certo, mas pouco depois desemboca em uma encruzilhada. E, como diria meu pai, as encruzilhadas são a maior tortura para todo audiófilo, pois a incerteza nos faz perder a confiança e muitas vezes jogar tudo para cima e recomeçar do zero!

Ter uma bússola assim é sempre bem-vinda, principalmente se você está pisando em terreno totalmente desconhecido, como mudança de topologia ou saltos significativos no valor dos upgrades. E o mais legal de tudo é que no patamar que o nosso Sistema de Referência se encontra, é audível perceber o que os engenheiros fizeram naqueles primeiros anos, tentando corrigir limitações do disquinho prateado que hoje foram completamente resolvidas.

Comparar essas gravações da GRP dos anos 80 e 90 com as gravações de hoje de selos como Verve, Blue Note ou Reference Recordings, nos dá bem uma ideia de como esses engenheiros, que receberam a ‘batata quente’ na mão, resolveram problemas aparentemente intransponíveis!

Os timbres dos discos da GRP, em excelentes sistemas, mostram falta de maior extensão e decaimento mais correto, tendem a soar mais duros (como se a fundamental sempre predominasse em relação ao invólucro harmônico) e não possuem a mesma vivacidade das gravações da Telarc neste mesmo período. Mas foram pioneiros e ajudaram as gerações de engenheiros de gravação competentes que vieram posteriormente a já saber o que evitar para se conseguir uma qualidade técnica decente.

Acredito que vocês também tenham uma dezena de gravações que os acompanham há muitos anos. Então nada do que escrevi aqui deva ser novidade! E gostaria muito de que vocês se manifestassem e contassem um pouco dos seus discos de cabeceira e a razão (além da qualidade artística), de serem tão importantes nos ajustes de seus sistemas.

Ouça o álbum Like a river – Yellow jackets no Spotify

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