Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Desculpem sair do roteiro combinado, de apresentar mensalmente gravações que possam ajudar no ajuste fino de seus sistemas, mas recebemos alguns artigos interessantes neste final de ano e também um enorme número de mensagens do CD que apresentamos na edição de dezembro – por isso precisei abrir mão do combinado e escrever esta Opinião mais uma vez abordando o tema da importância de se aprender a ouvir corretamente.
Sei que para muitos de vocês que nos acompanham a mais tempo, voltar este tema pode ser enfadonho e até ‘insinuar’ que me tornei ‘obsessivo’ em martelar na mesma tecla, mas acreditem: fatos novos no domínio da objetividade começam a colocar luz diretamente sobre o tema, de maneira sólida e irrefutável! O que certamente desagradará aos ‘ortodoxos’ objetivistas, mas que não podem negar ou virar as costas quando a ciência avança e nos mostra que ouvir corretamente é algo que podemos e devemos aprender, se quisermos fazer escolhas seguras e corretas.
Mas antes de falar a respeito do artigo da AES, e da entrevista com o CEO da Fink Audio Consulting (uma das empresas de alto-falantes mais conceituadas do mercado hi-end), deixem-me compartilhar com vocês as inúmeras mensagens que recebemos dos leitores falando de suas experiências com o CD que disponibilizamos na edição de dezembro.
Surpreendente foi o número de novos leitores que baixaram o CD para escolher seus novos fones de ouvido! Muitos desses leitores no contaram que o CD foi essencial para se definir a compra, e observar como produtos similares em preço e proposta soaram completamente distintos ao ouvir as faixas de equilíbrio tonal.
Alguns chegaram a desistir dos fones com cancelamento de ruído, ao notarem que o mesmo possuía desequilíbrios audíveis nas altas-frequências. E outros revisaram seu orçamento para adquirirem fones de melhor qualidade, já que os mais baratos se mostraram inadequados em termos de equilíbrio tonal e dinâmica.
Os que estão usando este CD para a avaliação de seus sistemas, disseram ser este CD peça essencial para análise e ajuste fino. E que levar à casa dos amigos ajudou-os a entender o que apreciavam nesses sistemas, ou detestavam.
Todos os discos produzidos pela Cavi Records sempre tiveram este objetivo: ajudar nossos leitores a entenderem o nível que seus sistemas estão e o que pode ser melhorado. Não queremos impor a verdade e sim ajudá-los a entender o quão complexa é a reprodução eletrônica e o quanto precisamos ampliar nossa percepção auditiva para entender o que estamos escutando.
Os que acreditam que apenas ouvir é o suficiente, caem no mesmo erro dos objetivistas que acreditam que as medições são a única maneira de separar o joio do trigo. Até existe a piada que diz que se medições determinassem a qualidade de um equipamento de áudio, os produtos japoneses seriam imbatíveis! Claro que elas são um ‘norte’ com o qual podemos entender determinados comportamentos, mas basear-se apenas nas medições é como confiar no seu par de orelhas não treinados.
O que quero dizer com um par de orelhas não treinados? O cidadão que deseja aventurar-se a montar um sistema hi-end, e não sabe distinguir um corne inglês de um oboé, ou confunde a viola com o violino. Ou um violão de corda de nylon de um violão de corda de aço (para dar um exemplo menos ‘elitista’). E acreditem, inúmeros audiófilos teimam em dar seus ‘pitacos’ sem saber o básico.
A sorte, é que todos podemos aprender e aperfeiçoar nossa percepção auditiva, a ponto não só de reconhecermos todos os instrumentos acústicos existentes, como também ampliar esta percepção e ouvir as diferentes assinaturas sônicas dos equipamentos de áudio. E a prova de que podemos está no testemunho desses leitores (novos e mais antigos), que com humildade e determinação baixaram o CD e o estão usando para definirem seus novos upgrades.
Meu amigo, como sempre escrevo: não existe almoço grátis. Trata-se de um hobby caro, dispendioso e que exigirá muito de você antes de poder sentar para ouvir seus discos preferidos.
E com um agravante: não existe ‘colinha feita’ em que você copia o sistema do amigo e coloca na sua sala. Pois não irá soar como na casa do amigo (a não ser que tenha uma sala idêntica em tamanho, elétrica e mobília). E ainda assim, se o seu gosto for distinto do dele, e o volume que você aprecia ouvir for outro, o sistema irá ter outro comportamento.
Então esqueça os truques e comece a educar seu sistema auditivo, para que sua escolha seja segura e o resultado prazeroso. E você não pode reclamar que não teve ajuda, pois as ferramentas estão aí ao seu dispor: discos de teste, gravações com qualidade, acessórios acústicos para a correção da sala, dicas de como fazer a instalação elétrica dedicada, etc. Então se deseja realmente ter um sistema ou um fone de qualidade: mãos à obra!
Talvez você jamais tenha ouvido falar da Fink Audio Consulting. Trata-se de uma empresa alemã com mais de 30 anos de mercado, responsável pelo projeto de inúmeras caixas acústicas que apreciamos e foram ganhadoras de inúmeros prêmios internacionais. Ela presta serviço para mais de uma dúzia de fabricantes de caixas Hi-End, porém muitos fabricantes pedem para este trabalho não ser divulgado. Entre as que possuem esta parceria aberta, estão: Tannoy, Mission e Q Acoustics.
Em uma entrevista feita com o CEO da Fink, Karl Heinz Fink, ele contou inúmeras facetas de sua empresa e também mostrou sua mais recente criação: uma caixa com a marca Finkteam batizada de WM4 e que custa 50 mil libras o par, e será apresentada na próxima feira de Munique.
Na entrevista ele fala que sua preocupação desde que iniciou as consultorias foi disponibilizar aos seus clientes falantes distintos, para não correr o risco de 20 empresas com os mesmos falantes. E esta diversidade o levou à um grau de expertise que, quando se fala no futuro dos alto-falantes, sempre a Fink é consultada.
Ele nos conta que o primeiro trabalho com cada novo cliente é entender a empresa, sua filosofia e expectativas. Entendido o perfil, a parceria começa. A Fink ajuda desde o posicionamento de mercado, até a criação do design das caixas. E não apenas em fornecer os falantes e crossover. Diz ele: “Antigamente, você media as unidades escolhidas e fazia um gabinete com um volume adequado para os falantes funcionarem corretamente dentro dos parâmetros especificados. Hoje o processo é inverso: desenvolvemos primeiro do gabinete e só depois escolhemos os falantes e crossover adequados àquele gabinete”.
E continua: “Os falantes e crossovers evoluíram muito – o difícil hoje é fazer drivers ruins. Mas as distorções e distúrbios que você recebe do gabinete são relativamente muito grandes e muito mais difíceis de lidar. Quando propusemos isso para os nossos primeiros parceiros, muitos estranharam – mas com os excelentes resultados obtidos, hoje eles nem questionam mais”.
E o que isto têm a ver com o escopo deste Opinião? Calma que já chego lá.
Mais adiante, na entrevista, o jornalista pergunta: “Fiação. O que você pode nos dizer sobre sua importância?”
Fink: “Se você tivesse me feito esta pergunta há seis meses, eu diria que a fiação não era tão relevante e a fiação única para alto falantes de preços intermediários ainda é a melhor. Mas acima desta classe intermediária, um cabo superior faz todo sentido. Pois agora podemos medir o efeito”.
Pena que o jornalista não seguiu nesta direção, mudando de assunto e perguntando sobre caixas ativas ou passivas. Mas o que é relevante para nós é o fato de um dos maiores fabricantes de caixas acústicas do mundo ter mudado de opinião em relação a qualidade de cabos, e afirmar que agora os ‘resultados’ podem ser medidos.
Fato que também ocorreu em uma das últimas reuniões anuais da Sociedade de Engenharia de Áudio (AES), quando os membros discutiram uma pesquisa levada a campo com centenas de ouvintes e constatou-se que foi possível ouvir diferenças entre arquivos digitais (streamer) e CD. E que os resultados, além de consistentes pelo amplo número de participantes da pesquisa, demonstrou que mesmo ouvidos não treinados observaram as diferenças entre as duas fontes. O que põe por terra abaixo os que defendem curvas personalizadas de audição para cada indivíduo, ou saber se o cidadão é sintético ou analítico. Pois assim como no vídeo, se o indivíduo não é daltônico, todos sabemos distinguir o verde do vermelho – no áudio, se não possuímos nenhuma deficiência grave, conseguimos ir muito além de ouvir as frequências e aprendemos a reconhecer o timbre de qualquer instrumento.
Há muito tempo que afirmo que chegará o dia que, por meio de imagem de tomografia, poderemos entender como ouvimos, como sentimos o que ouvimos e como, à medida que educamos nossa percepção auditiva, as áreas do cérebro expostas à audição se acendem com maior intensidade. Mostrando definitivamente que ainda que tenhamos audições distintas um dos outros, o que percebemos e o que define cada instrumento é absolutamente comum à todos. E se é comum à todos, as diferenças sutis que possam existir (por exemplo, de na última oitava do violino os decaimentos das notas serem mais rápido para mim do que para você), as observações sobre um determinado sistema poderão ser compartilhadas por todos que o estão escutando.
Caindo por terra, todas essas ‘teorias objetivistas’ criadas para criar uma cortina de fumaça em relação a reprodução eletrônica. Pois uma coisa que está torta ou errada, será observada por todos que tenham uma referência do correto.
Como digo, não há mistério ou obstáculos que impeçam a todos de ouvirem o correto e o errado. E para saber o que é correto, o indivíduo só precisa levantar da cadeira e ir escutar música ao vivo não amplificada, ou desfrutar de saraus na casa de amigos ou pequenos recintos.
Agora, se o audiófilo não consegue em seu sistema distinguir um violão de corda de nylon ou de aço, ou um piano real de um sampler, me desculpe, mas seu hobby está errado! Se o audiófilo insiste em dizer que gosto não se discute e que tudo é subjetivo, ele age como um ‘terraplanista’ – apesar de todas as evidências diárias. Então não haverá o que se discutir com esta pessoa. Pois seu caso é de divã, não de argumentos racionais.
O salutar de todos estes avanços é que o avanço tecnológico ocorre tão acelerado e em tantas áreas simultaneamente, que a sensação é que aquilo que estava ‘escondido’ emergiu, possibilitando aos poucos vermos todos os seus contornos e formas antes ocultos.
Oxalá todos estejamos aqui quando equipamentos de medições serão capazes de nos mostrar as diferenças entre equipamentos similares e cabos, de forma tão simples como o uso de um voltímetro. Este dia não está tão longe, meu amigo, assim como também não está longe o dia que a neurociência irá mostrar como o indivíduo se comporta ao ouvir música em um sistema mid-fi e as alterações que ocorrem com ele ao escutar esta mesma música em um sistema hi-end.
Não duvidem! Pois caminhamos a passos largos nesta direção!
Mas, enquanto este dia não chega, lembro a todos que desejarem ampliar sua percepção auditiva, que inúmeras ferramentas estão aí para ajudá-lo a caminhar com suas próprias pernas e sem depender mais do ouvido alheio.
Este é o primeiro e mais significativo passo a ser dado!