Quando criamos nossa Metodologia em 1999, todos os nossos colaboradores participaram das discussões, que foram bastante calorosas.
Lembro que definir os quesitos foi a parte mais difícil, e tivemos animadas discussões até chegarmos aos oito quesitos. A ordem e o peso de cada quesito, também foi uma questão levantada, e parte dos colaboradores achava que musicalidade deveria ter um peso maior que os outros quesitos. Afinal o que todos desejam é que seus sistemas sejam, ao final de todo esforço, o mais musical possível.
Outra questão relevante a este item, é que os colaboradores achavam que este quesito deveria ser o mais subjetivo e livre de “amarras” dos outros quesitos, tão presos à objetividade. E apesar de minha enfática posição de que havia muito pouco de subjetividade neste quesito, fui voto vencido.
Achei naquele momento que era muito mais fácil recuar, do que bater de frente com meus sócios e colaboradores. O que me apaziguou foi a certeza que, com os cursos e o dia a dia de testes, todos perceberiam que a musicalidade é a soma de todos os outros quesitos.
E se algum desses quesitos, fosse o elo fraco, a musicalidade fatalmente seria comprometida. Nada como a prática para corrigir teorias.
Dito e feito!
Todos os colaboradores rapidamente observaram, na prática, que uma textura pobre (pela incorreção no equilíbrio tonal), comprometia diretamente a musicalidade, o conforto auditivo e aquela vontade de ouvir sempre mais. Ou que transientes ruins tiravam o gosto de escutar determinados gêneros musicais, também comprometendo a musicalidade.
Nos cursos, para apresentar setups em que a musicalidade está comprometida, costumo sempre apresentar exemplos de voz (feminina, masculina e coral), e piano e violão. Apenas para facilitar o entendimento de todos os participantes. E mostro como o equilíbrio tonal interfere diretamente em musicalidade, se esse estiver incorreto.
Vozes são matadores, afinal é o que mais escutamos na vida!
Para a playlist deste mês, o meu primeiro disco é uma voz feminina. De uma cantora pouco conhecida e que tem uma técnica vocal impressionante, não pela extensão e sim pela colocação. Afinadíssima, canta sem o menor esforço. Em um sistema correto, você será seduzido instantaneamente. Falo de Indra Rios-Moore – ela recebeu este nome de sua mãe em homenagem à divindade hindu do céu e da chuva. É filha de uma assistente social porto riquenha Elizabeth, e de um pai americano baixista Donald Moore – que tocou com Archie Sheep, Elvin Jones, Sonny Rollins e Jackie McLean, entre outros.
Indra nos conta que passou sua infância em um mundo repleto de estilos musicais e vendo seu pai estudar e ensaiar na sala de estar, com todos os grandes músicos de jazz do cenário nova-iorquino. Aos 13 anos, ganhou uma bolsa de estudos no Mannes College of Music, onde desenvolveu sua voz soprano. Depois de formada, para manter-se viva fora do cenário musical, trabalhou como garçonete em um bar de vinhos e lá conheceu o saxofonista Benjamin Trærup, um saxofonista de jazz dinamarquês. Começaram a namorar e resolveram formar um trio com o amigo baixista Thomas Sejthen, e mudaram-se para a Dinamarca.
Em 2007 já haviam tocado em várias cidades em toda a Escandinávia, e conquistaram inúmeros seguidores. Não demorou para receberem propostas para gravarem um álbum e ampliarem suas turnês por toda a Europa. Em 2012, Indra ganhou o prêmio de
melhor álbum vocal na Dinamarca com o trabalho In Between. O sucesso foi tão grande, que a gravadora Impulse a contratou em 2015 e lhe deu carta branca para fazer o seu trabalho (sem restrição de repertório, ou empurrando goela abaixo standards para garantir o investimento). A estreia na Impulse foi com o disco Heartland – o que indico aqui para você amigo leitor. E ganhou excelentes críticas em todo mundo, além de ser escolhido o melhor álbum de jazz do ano pelo Sunday Times de Londres. E a revista de jazz Telerama, da França, fez uma entrevista com Indra, cujo título era: “Voz Celestial do Jazz”. Assino embaixo.
Apague a luz, tenha a certeza de que todos já foram dormir e aperte o play! Será uma audição inesquecível se seu sistema estiver à altura de Indra Rios-Moore. A sua versão de Money, do Pink Floyd (faixa 3), além de ser de extremo bom gosto, mostra o quanto sua formação musical foi eclética! Junto com a foto dela, na abertura deste artigo, coloquei um vídeo da faixa 1 deste disco, e fiquei decepcionado que somente 7900 visualizações haviam sido feitas. Como o mundo consome lixo, quando poderia estar conhecendo obras espetaculares.
Quando me dizem que a música nunca esteve em um nível tão sórdido, tenho que concordar, mas procurem e acharão preciosidades. Vamos aumentar o número de visualizações deste vídeo? Só depende de nós caro leitor, fazermos um mundo melhor para as próximas gerações. Somente de todos nós.
Outro disco delicioso para o teste de musicalidade é do Al Di Meola, All Your Life, só de composições dos Quatro Rapazes de Liverpool. Antes que você berre da cozinha que “ouvir versões dos Beatles não dá”, ouça! Pois os arranjos são muito bons mesmo! Al Di Meola valorizou as melodias com arranjos simples com ênfase nos violões, e brincou com o tempo e andamento. Levando a bom termo de que o “menos é mais”. Tenho tantas versões das músicas dos Beatles, das pirotécnicas com arranjos para big bands, às singelas – voz e violão. Poucas realmente me dão prazer em ouvir, pois como uma vez falei a um amigo músico, se for para tirar as letras, os arranjos precisam substituir a palavra sem nos fazer sentir falta da letra. E na minha humilde opinião, o Al Di Meola conseguiu este tamanho feito. Ouçam e por favor compartilhem suas opiniões.
O terceiro disco é uma gravação que nos coloca na terceira fila de frente para o palco, e nos permite ver literalmente o que estamos ouvindo. É um disco de blues, para aqueles que amam o estilo, mas ainda mais interessante para os que nunca pararam para ouvir na íntegra um belo disco de blues.
Dois excelentes músicos no palco com seus convidados. Apenas um duo dos guitarristas: Hans Theessink & Terry Evans, no disco Visions. Em um sistema com excelente musicalidade, o prazer auditivo será extremo. Você terá o desejo de, à cada nova faixa, aumentar um bocadinho mais o volume (só não ultrapasse o volume da gravação). No volume correto eles literalmente estarão ali na sua frente, a apenas três metros de distância!
A última gravação deste mês é do selo alemão ACT. Se você ainda não conhece este selo, está perdendo a oportunidade de ouvir excelentes músicos em gravações audiófilas de alto nível! O cast dessa gravadora é extenso e aborda diversos gêneros musicais. Escolhi, da ACT, a banda Echoes Of Swing, formada por quatro instrumentistas de jazz que fazem tributos à inúmeros músicos do cenário jazzístico mundial. Tenho em minha coleção o BIX, um tributo ao músico Bix Beiderbecke, um trompetista (nos anos 20 eram chamados de cornetistas) e pianista dos Estados Unidos. Ele também era compositor e arranjador, e morreu muito jovem, com apenas 27 anos de idade. Formou o grupo The Volverines e se tornou a sensação do cenário musical entre os anos de 1923 e 1924. Formou-se na Universidade de Iowa e estudou piano e composição na Academy Central High School. Apelidado de Bix pelos amigos, seu nome era Leon Bismark Beiderbecke.
Belo tributo, este disco. Seu sistema será colocado a prova, não nos quesitos macrodinâmica ou transientes, mas sim no equilíbrio tonal e texturas. Se tiver tudo ok, você terá uma musicalidade muito acima da média.
E mandem seus playlists, pois este compartilhamento nos lembra os bons tempos em que saíamos das lojas de discos direto para a casa do amigo com o melhor sistema, para ouvir nossas novas aquisições em grupos. Ainda que a pandemia nos impeça de realizar essa confraternização, certamente todos terão interesse em conhecer boas gravações que nunca ouvimos, não é verdade?
Deixo agora aos amigos leitores os seus playlists.
Desejo a todos boa sorte. Se cuidem, por favor.