Outro dia minha filha me perguntou como eram os fones de ouvidos quando eu tinha a sua idade. Respondi que eram indecentes, pois eram pesados, incomodavam, e de materiais rígidos e grosseiros. Sem contar a qualidade do som, que era abaixo de qualquer crítica. Sim, meus amigos, nos anos 60 e início dos anos 70 os fones para consumo eram além de limitados por estas bandas, caros e difícil de achar algo razoável. E, para piorar a situação, em 1974 veio a famigerada reserva de mercado, o que levou o mercado nacional a ser atendido por uma única empresa, chamada Leson, que além de péssimos fones, também tinha o monopólio das cápsulas e agulhas para toca-discos (sofríveis e caras). Então, conseguir um bom fone japonês ou americano, só indo a Zona Franca de Manaus ou ao exterior. Meu pai tinha um fone da Koss que um amigo piloto trouxe para ele, de uma viagem aos Estados Unidos. Aquele fone foi a salvação da família Andrette por muitos e muitos anos. Lembro até de minha mãe, tão avessa a sentar para ouvir música, tricotando ao lado do gravador de rolo Akai 2000 SD, ouvindo suas óperas por horas a fio. Felizmente a indústria de áudio teve um engenheiro holandês, Lou Ottens, que trabalhou toda a sua vida na Philips e foi o criador da Fita Cassete, e participou também ativamente do desenvolvimento do CD-Player na cooperação entre a Philips e a Sony. Lou Ottens morreu no último dia 6 de março, aos 94 anos de idade. Ottens entrou na Philips em 1952, e tinha como objetivo desenvolver uma maneira de carregar música em um objeto que coubesse no bolso do seu paletó. O engenheiro usou um pequeno bloco de madeira para fazer o primeiro protótipo, do que ele imaginava ser o ideal para a configuração final do produto. Em 1963, a primeira fita cassete foi apresentada em uma feira de eletrônicos em Berlim. O impacto foi restrito, apesar da curiosidade do mercado em saber como soava a fita K7. Então, Ottens conseguiu convencer a Philips que, para o projeto vingar, o melhor seria compartilhar a fita K7 com todo o mercado de eletrônicos (inclusive os concorrentes japoneses, que já eram uma ameaça a Philips) – para que o formato se tornasse um padrão da indústria de entretenimento. O desfecho dessa incrível ideia todos nós com mais de 40 anos conhecemos. Em 1970, Ottens participou mais uma vez ativamente do desenvolvimento do CD, projeto que levou mais de uma década desde os primeiros esboços até o lançamento em 1983. Depois de ser protagonista em duas fases revolucionárias da indústria do áudio, ele se aposentou em 1986. Seus feitos se estendem muito além da fita K7 ou do CD-Player, pois graças à sua visão de que a mobilidade seria o grande fator de consumo dos anos 70, ele impulsionou o desenvolvimento de fones cada vez melhores para se ouvir música fora de casa.
Lembro do meu primeiro Walkman da Sony, vermelho, que pesava quase como um tijolo, que levava sempre comigo e mais uma dúzia de cassetes de 90 minutos na mochila. Com este Walkman, tive pelo menos uma dezena de fones até achar um que fosse confortável o suficiente e que não vazasse o som para não incomodar as pessoas ao meu lado no metrô. Foram idas e mais idas à Galeria Pagé, na busca de um fone que fosse algo melhor que os famigerados Leson que tínhamos.
Hoje, ao andar na rua e ver a diversidade de fones na cabeça das pessoas, e o tamanho deste mercado que cresce, com crise ou sem crise, dois dígitos a cada ano, entendo perfeitamente que o trabalho deste engenheiro holandês visionário atingiu proporções que nem ele mesmo jamais imaginou. E todos nós, que amamos ouvir música enquanto realizamos diversas atividades no nosso dia a dia, e com fones cada vez melhores e mais seguros, deveríamos reverenciar este homem pela suas brilhantes ideias!