Discos do Mês: ART-ROCK, TRILHA SONORA & JAZZ

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Em um dos longos papos que eu e o nosso audaz editor temos semanalmente, chegamos à conclusão que trafegamos, ambos, entre gêneros musicais, com a facilidade e rapidez que tem uma criança comendo brigadeiros em alguma festa de aniversário no condomínio.

Explico: podemos estar ouvindo um clássico, passar para um rock, pular para um tango, curtir um jazz e enveredar pela world music, e fechar com uma trilha sonora, tudo na sequência, tudo na mesma tarde de audição.

Algo que exemplifica esse ecletismo – ou o prova, não sei – é o fato de nenhum de nós dois jamais categorizou sua coleção, seja de vinis ou CDs ou streamings, nem por ordem alfabética, nem por gênero, nem por ano, nem por nada.

Penso que existe música boa e existe música ruim. E que, para mim, as Suites para Cello Solo do Bach de 1723, convivem
perfeitamente com um tango dos anos 1980, com um folk dos anos 2000, com um eletrônico dos anos 1970, com um jazz dos anos 1950. São todos Boa Música!

Hoje, o menu do ‘Restaurante Boa Música’ traz três discos díspares, cuja música tem alguma ligação entre si, seja pelos toques de jazz de uma trilha, ou pela elaboração quase jazzística de um cantor e compositor, ou mesmo pela obra de uma cantora cuja classificação só pode ser jazz! Primeiro, um disco de coletânea de rock alternativo, art-rock quase progressivo, de uma das melhores vozes do gênero. Segundo, temos uma das melhores e mais interessantes trilhas sonoras de todos os tempos, principalmente no gênero ficção científica. E, por último, mas não menos importante, um dos CDs mais bem gravados de todos os tempos, com uma grande cantora de jazz moderno!

Vamos à eles:

David Sylvian – Everything and Nothing (Virgin Records, 2000)

Nos idos da década de 80, e até começo de 90, eu frequentava mais lojas de discos do que qualquer outro lugar. E estava em uma fase de conhecer, consumir e assimilar um bocado de rock progressivo e relacionados. E existia toda uma comunidade de frequentadores dessas lojas, que se encontravam lá para falar dos artistas, bandas, instrumentistas, mitos e lendas – trocar informações que hoje se procura na Internet. Era certamente uma época melhor, nesse sentido…

Uma vez me disseram: “Como você não conhece a banda inglesa Japan?!? Você precisa conhecer! O David Sylvian é um dos melhores vocalistas de todos os tempos!”. Bom, eu até hoje acho que Sylvian é umas das melhores vozes do pop-rock de todos os tempos, rs…

O Japan era uma banda que iniciou-se no final da década de 70, mais como um expoente do new wave, do tecnopop, do glam rock, e era uma banda de visual andrógino e apelativo, cheio de maquiagens e cabelos – como foi o Duran Duran, o Spandau Ballet, e uma infinidade de outras bandas categorizadas como New Romantic, na mesma época. Mas, depois, seu som evoluiu tremendamente. Os discos da banda nunca saíram no Brasil, então, por isso eu não conhecia e tive uma certa dificuldade de conhecer. Mas um dia eu arrumei uma coletânea deles em vinil importado… mas isso já é outra história.

Dos seis discos que eles gravaram em estúdio, os três primeiros foram na década de 70 e foram muito pop para o meu gosto. Mas, a partir de 1980, os três discos seguintes são excelentes, elaborados, de instrumentação complexa e sempre extremamente bem cantados por David Sylvian. Um pé estava fincado firmemente no progressivo, no art-rock.

Com a separação da banda em 1982, David Sylvian partiu para uma carreira solo de quase 40 anos, 9 discos de estúdio, mais de 9 discos em colaboração com outros artistas, e um sem número de participações, tanto de estúdio quanto ao vivo. Ufa!

O disco em questão, Everything and Nothing, é uma coletânea bem nutrida e especial, sobre os primeiros vinte anos da carreira solo de Sylvian. É um disco especial porque traz um conteúdo que dá a melhor ideia possível sobre sua carreira, para quem quiser conhecer o nível de elaboração de seu trabalho. Além de ser extremamente bem gravado. A ideia de fazer compilações é mais velha que a indústria fonográfica, mas aqui Sylvian e as pessoas envolvidas tiveram a excelente iniciativa de trazer somente faixas que não foram lançadas, faixas menos conhecidas, regravações e versões raras.

Para quem é esse disco? Bom, é para todos os que continuaram, depois do período de ouro do rock progressivo, a seguir toda a sua evolução e maturação, é para quem continuou a ver o progressivo como art-rock, continuou a ver o que o King Crimson fez dos anos 80 para cá (que inclui um disco de Robert Fripp com David Sylvian, o qual chegou a ser convidado a ser membro permanente do King Crimson), que continuou a seguir o trabalho mais elaborado da carreira solo do Peter Gabriel, entre outros.

David Sylvian

Esta coletânea traz músicos como o guitarrista Bill Frisell (do time da gravadora de jazz ECM), o multi-instrumentista e compositor japonês Ryuichi Sakamoto, ex-membros do Japan como o baterista Steve Jansen (irmão de Sylvian) e o baixista fretless Mick Karn, o guitarrista David Torn, o trompetista Mark Isham, o baterista Jerry Marotta (dos primeiros discos do Peter Gabriel), o baterista Ged Lynch (Peter Gabriel), Holger Czukay (do grupo alemão Can), o baixista Trey Gunn, o guitarrista Robert Fripp e o baterista Pat Mastelotto – esses três últimos do King Crimson – entre muitos outros.

David Sylvian nasceu David Alan Batt, em 1958, no condado de Kent, próximo à Londres, na Inglaterra. No início dos anos 70, Sylvian conheceu na escola Anthony Michaelides (que depois passou a ser Mick Karn, o baixista do Japan) – e depois que ele ganhou um violão e o irmão uma bateria, os três começaram a tocar música juntos, um grupo que com a adição do tecladista Richard Barbieri, tornou-se logo o Japan, lançando seu primeiro disco em 1978.

Atenção especial deve ser dada às faixas Blackwater, e Heartbeat (Tainai Kaiki II) Returning to the Womb, entre outras. A verdade é que o conjunto da obra nesse disco é tão bom, que fica difícil escolher os destaques. Ouça tudo, e curta bastante!

Pode ser encontrado em: CD duplo / CD triplo / Serviços de Streaming selecionados. Tanto o CD como o streaming são ótimos, sempre gravados e masterizados com grande preocupação com qualidade sonora. Se for sua vontade se aventurar pela discografia de David Sylvian, muitos dos discos da década de 80 saíram também em LP à época. Assim como os discos do final da década de 90 para cá, alguns tiveram suas edições de 180g modernas.

OUÇA UM TRECHO DA FAIXA “BLACKWATER” NO YOUTUBE

Vangelis – Blade Runner – Original Soundtrack (East West / Atlantic, 1994)

No começo da década de 80, tanto o ator Harrison Ford já era um nome de primeiro time, com Star Wars e Indiana Jones, quanto o diretor Ridley Scott já tinha um certa fama com o filme Alien. Então quando apareceu outra obra de ficção científica dele, todos os fãs mais ferrenhos devem ter ido assistir. Eu não fui, e me arrependi tremendamente disso, principalmente depois de ter visto o filme em VHS algumas vezes. A distribuição cinematográfica de Blade Runner não foi das melhores, sendo que o filme foi considerado um fracasso nas bilheterias, mas se tornando um filme cult depois, em videocassete, DVD e afins.

O fato de não ter tido a oportunidade de ter visto Blade Runner no cinema à época foi, claro, retificado em 1992, quando fui assistir o Director’s Cut da obra – melhor, inclusive, que a versão original, que havia sido alterada pelos estúdios a contragosto do diretor.

Assistir Blade Runner na tela grande, com um som bom de cinema, é uma experiência única e muito marcante – acredito que seja um dos melhores filmes já feitos! Um detalhe de ver o filme com o som bom, é poder ouvir a trilha original composta e tocada pelo próprio Vangelis – algo que você só ouvia lá, no filme. Isso até 1994, quando saiu o CD aqui em questão.

Motivos nunca esclarecidos dão conta de desentendimentos do músico com a produção, portanto quando o filme foi lançado não havia planos de lançar em disco a trilha sonora original tocada pelo próprio Vangelis, a trilha que se ouve no filme. O fato é que a Warner decidiu gravar e lançar uma ‘interpretação’ da trilha com uma orquestra de estúdio de Hollywood, chamada New American
Orchestra, e lançar isso para o todo o mercado – que é o disco que todo mundo conhece e que é a ‘trilha’ do filme. É um disco que, aliás, vendeu muito no Brasil, mas que soa falso por motivos óbvios, e não tem nada que chegue perto da mesma qualidade musical e interpretativa.

Por motivos também nunca esclarecidos, Vangelis resolveu lançar em 1994, somente 12 anos depois do filme, a trilha oficial e original, composta e interpretada por ele – que é o disco aqui deste artigo. Muito bem gravado, e musicalmente muito relevante não só para o mundo das grandes trilhas sonoras de grandes filmes, mas também para a discografia do tecladista grego. Nesse meio tempo, em 1989, os fãs dele puderam ouvir toda a glória de uma faixa da trilha original, na coletânea Vangelis Themes (que tem em vinil nacional, e é muito bem gravado, sugiro a todos interessados).

Como curiosidade, a busca e o interesse, nesses 12 anos, pela trilha original do filme, era tão grande, que foram lançadas de maneira alternativa não menos do que 5 discos piratas, de várias fontes e com vários níveis de qualidade, sendo nenhum deles realmente ‘profissional’.

Vangelis

Para quem é esse disco? Para todos os fãs de música eletrônica da era do rock progressivo, para todos os fãs de boas trilhas sonoras, para todos que, como eu, assistem Blade Runner maravilhados e, claro, para todos os fãs do trabalho do Vangelis.

Em 1981, o diretor inglês de cinema e comerciais de TV, Ridley Scott, contratou Vangelis – com quem já havia trabalhado antes em um comercial de TV para o perfume Chanel No.5 – para fazer a trilha de seu novo filme. E essa trilha é hoje considerada entre os melhores trabalhos do tecladista grego, assim como uma das obras mais influentes da música eletrônica. Com uma tonalidade de jazz em alguns momentos, e toques de música do oriente médio, a gravação tem a participação do saxofonista de jazz inglês Dick Morrissey, assim como do célebre Demis Roussos nos vocais. Todos os elementos de percussão e bateria, como gamelão, sinos, gongo, caixa, tímpano e carrilhão, são tocados pelo próprio Vangelis.

Evángelos Odysséas Papathanassíou nasceu em Agria, na Grécia, em 1943, e começou cedo na música, aos 4 anos de idade, brincando com um piano e as panelas da cozinha. Não se adaptando a aulas de música, preferiu ser autodidata. Dividindo-se entre percussão e piano, ele descobriu o jazz e o rock, adquiriu um órgão Hammond B3 e começou a formar bandas no colégio, como a The Forminx, e começou trabalhar como produtor de outros músicos e bandas gregos. Em 1967 exilou-se em Paris, onde formou a banda de rock progressivo Aphrodite’s Child com o amigo (e hoje célebre) Demis Roussos, e gravaram vários discos. Após o fim da banda, passou a dedicar-se à sua carreira solo, que ocorre até hoje! Em meados da década de 70, já com vários discos e várias trilhas sonoras, Vangelis estabeleceu-se em Londres, onde produziu seus mais famosos discos solo, trilhas premiadas e parcerias com músicos famosos.

Quando Vangelis se mudou para Londres em 75, ele montou seu próprio estúdio, de nome Nemo Studios, onde praticamente era só ele, e um técnico e operador de mesa. O estúdio era tremendamente bem equipado, com todo seu arsenal de teclados e sintetizadores, a sua maioria analógicos da era de ouro, como o hoje raro Yamaha CS-80 (responsável por muitos dos sons associados a Blade Runner), além de um grand piano Steinway e uma série de elementos de bateria e percussão, captados usualmente com microfones omnidirecionais da AKG. Tudo isso era ligado à uma mesa de 32 canais Quad Eight Pacifica, que registrava tudo em um gravador de rolo analógico de fita magnética de 2 polegadas Lyrec TR-532, também de 32 canais. Os trabalhos normais do Vangelis eram mixados no próprio estúdio para um gravador analógico de master de 4 pistas / 2 canais, sendo que para a entrega da trilha ao diretor Ridley Scott – que estava em Londres fazendo a edição do filme – Vangelis alugou um gravador de 4 pistas / 4 canais, cujas fitas continham os quatro canais de áudio utilizados em cinema – os precursores do ‘surround’.

Destaque para as faixas Main Titles, e Tales of the Future – muito boas, mas o resto do disco também é climático e sensacional.

Pode ser encontrado em: CD / Serviços de streaming selecionados / Vinil. É um disco que foi muito bem gravado, e a transferência e masterização para o lançamento oficial 12 anos depois da gravação, foram extremamente bem feitos – em todos os formatos digitais. Sou louco para ouvir o vinil de 180g recente que foi lançado em 2013!

OUÇA UM TRECHO DA FAIXA “MAIN TITLES” NO YOUTUBE

Patricia Barber – Modern Cool (Premonition Records, 1998)

Fui conhecer o trabalho da pianista e cantora de jazz americana Patricia Barber, somente na década seguinte ao lançamento deste disco – quando rolou uma certa fúria pelos audiófilos na busca de cantoras de jazz. Por um tempo, parecia até que era só isso que a comunidade audiófila ouvia. Algumas cantoras de jazz realmente boas, com obras realmente boas, sobreviveram a isso nas prateleiras e no mercado – e esse é um disco realmente bom!

Nosso editor, Fernando “Caro Leitor” Andrette costuma dizer que Modern Cool, da Patricia Barber, é um dos poucos CDs que tem corpo harmônico realmente bom. E é efetivamente um dos meus CDs de jazz preferidos – sim, sim, eu sei que muitos acreditam que eu preciso dizer que as boas obras de jazz são discos como Kind of Blue, Time Out e A Love Supreme, entre outros. E são – claro! – grandes obras eternas e imortais, mas eu sou ‘do contra’, e gosto de achar que o mundo continua girando, que boa música continua sendo feita, e por isso valorizo (e sugiro!) obras de todas as eras, principalmente as que são evolução de cada gênero.

Enfim, os discos da Patricia Barber têm uma elaboração e requinte musical, com uma identidade só dela nos arranjos, versões e interpretações, com um instrumental bem complexo e mais moderno – e isso tanto nas faixas de sua autoria, como nos poucos covers que toca, como Light My Fire (do The Doors) e She’s a Lady (do Paul Anka, mas imortalizada por Tom Jones). Patricia Barber, com sua voz escura e ligeiramente rouca, e seus arranjos bem feitos e diferenciados, soa inconfundivelmente como: Patricia Barber!

Para os amantes das catalogações e etiquetagens, a música de Patricia é referida em vários lugares como: jazz, blues, piano blues, cool jazz, jazz contemporâneo, straight-ahead jazz, post-bop, cabaret song, e avant-garde. Uau!

Patricia Barber

Para quem é esse disco? Para todos que gostem de jazz bem feito, bem tocado e bem gravado e que continue a evoluir. Para todos que gostem de cantoras com voz encorpada e cheia de personalidade. Como disse um crítico: esse disco não é para o gosto de todos.
Modern Cool foi gravado no Studio 5 da Chicago Recording Company, em 1998, com Jim Anderson como engenheiro de gravação e mixagem – um ‘rapaz’ que tem uma longa carreira, 10 prêmios Grammy, e uma lista de créditos técnicos em mais de 600 discos, lista a qual eu vou digerir devagarinho. Patricia Barber é acompanhada por seus músicos mais frequentes: o trompetista Dave Douglas, o guitarrista John McLean, o baixista Michael Arnopol, e o baterista e percussionista Mark Walker. O disco ainda traz, como convidados, Jeff Stitely tocando udu, e o côro Choral Thunder Vocal Choir, de Chicago, em Let it Rain.

Com uma discografia de mais de 13 discos, em uma carreira que já está ultrapassando 30 anos, Patricia Barber nasceu em Chicago, nos EUA, em 1955, filha do saxofonista Floyd Barber, que chegou a tocar com nomes como Glenn Miller e com o também bandleader Bud Freeman. Patricia chegou até a aprender saxofone em sua infância, além do piano, mas passou a dedicar-se apenas ao piano a partir da década de 70, quando começou a se apresentar em bares e clubes de jazz em Chicago.

À título de curiosidade, algo que eu nem ia mencionar, a não ser pelo posicionamento dela mesma: Barber é gay e isso é sabido abertamente. Mas eu gostei de seu posicionamento, que dá conta que ela acha cansativo o interesse das pessoas em sua sexualidade e no que isso contribui para sua fama. Ou seja, o que é importante é a música, sempre!

O destaque especial vai para as faixas Touch of Trash, e Love Put On Your Faces, e Constantinople, e Company, e… quase tudo!

Pode ser encontrado em: CD / SACD / Vinil. Por algum motivo que eu não consigo nem começar a entender, esse disco é difícil de achar em streaming. Em CD e SACD tem até no Mercado Livre… Mas no Tidal, por exemplo, que tem praticamente todos os discos da Patricia Barber, não achei Modern Cool. Em compensação, algumas versões em vinil ‘180 barras de ouro’, oops, 180 gramas, foram lançadas ao longo dos anos, tanto em 33 quanto em 45 RPM. Em matéria de qualidade sonora superior, é uma compra certa!

OUÇA UM TRECHO DE “TOUCH OF TRASH” NO YOUTUBE

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