Opinião: REPRODUÇÃO ELETRÔNICA & AO VIVO – UMA DISTORÇÃO DE VALORES

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

O que é chegar perto da música ao vivo, com seu sistema de áudio?

Uma das minhas comidas preferidas é um bom hamburger. Anos atrás, em São Paulo, eu acompanhava os periódicos gourmet e afins, atrás de novos lugares para comer no fim de semana. Um dos periódicos tinha uma edição de Melhores do Ano, e naquele ano o Restaurante X tinha sido eleito o melhor hamburger da cidade. Puxa, eu já tinha comido lá… é bom… mas não é o melhor de São Paulo, nem de longe. Fui ler a letrinha miúda, atrás de explicações. Encontrei: “Restaurante X é o melhor hamburger de São Paulo porque o lugar é muito alto astral”. É o mesmo que escolher um amplificador pelo tamanho do botão de volume. É superficial ao extremo – e meio que uma distorção de valores…

Aí eu fico sempre olhando a quantidade de coisas que são analisadas ‘oficialmente’ através de pontos de vista que são distorção de valores – ou pelos menos expressam uma profunda falta de compreensão de uma série de coisas. E isso rola muito na audiófilia.
Um exemplo é a mais completamente desproposital ideia que eu já ouvi na audiófilia até hoje: que música ao vivo não é referência para sistemas de som.

(Abro aqui um parêntese para especificar que o que chamamos de “Música ao Vivo” é aquela ouvida acusticamente, sem amplificação, sem ter caixas acústicas e sistemas de som como intermediários, soando a partir de instrumentos acústicos. “Ah, mas eu gosto de rock, pop e blues amplificado – eu preciso dessa referência?”. Sim, meu amigo, precisa, porque essa referência é para educar o seu ouvido quanto à características sonoras das quais o som de um instrumento acústico é rico, e a maior parte dos instrumentos amplificados, eletrônicos e processados são pobres, e assim poder avaliar se está tirando qualidade sonora de seu equipamento ou não, não importa o gênero musical que estiver ouvindo. Educação é poder! Quando você se educa, por exemplo, sobre o sabor de várias carnes, sobre a qualidade de maciez e textura delas, você vai fazer uma comida melhor na sua casa, desde o hambúrguer caseiro no domingão na churrasqueira, até um picadinho ou uma carne moída, até um assado comemorativo, até a compreensão da qualidade do presunto que você compra para o misto quente no tostex. E Audiófilia é Qualidade, certo? Se há paixão por música, mas não há interesse em Qualidade, não é necessário se interessar por equipamentos de som de Qualidade, certo?).

Sim, caros leitores, vamos bater nessa tecla para sempre. Alguns que acham música ao vivo não é referência, e talvez sejam assim para se darem um conforto ao possuir um sistema que soa ‘sem pé nem cabeça’, ou para ouvirem música carregados de vícios auditivos acumulados por toda uma vida. Esses são os que não entendem a ideia de referência, que acham que geleia, calda, bala ou biscoito sabor morango não tenha que ter nada a ver com a fruta morango. Que um embutido não precise ter como referência de sabor e textura, a carne do qual é feito, ele pode ter saborizantes artificiais e ser feito de jornal velho e papelão, contanto que ele agrade a visão do comprador – que pode ser simplesmente alguém sem informação – o que acontece. Mas um audiófilo, fã de música em geral, e de música ao vivo, e de reprodução eletrônica, não é nem de longe um desinformado.

A justificação de muitos sobre a Referência em sistemas de som – no caso de dizer que não tem nada a ver com música ao vivo – é tão absurda, que as mães dessas pessoas deveriam dizer a eles: “Filho, você não tem vergonha de ter dito isso? Eu não te ensinei melhor?”.

Outra visão distorcida é a do audiófilo que prefere ouvir uma orquestra, ou grande conjunto de música instrumental, em seu sistema do que ao vivo – porque no sistema ele conseguiria perceber ‘mais detalhes’, ouvir o violino com mais clareza, por exemplo. Puxa, eu já fui à centenas de concertos ao vivo, e nunca tive dificuldade de perceber quaisquer detalhes que fossem vindos de um solista, seja de violino, de piano, etc. Além disso, uma obra orquestral, ou a apresentação de uma big band, de um conjunto acústico de qualquer tamanho que for, foram concebidas para serem ouvidas ‘como um todo’, como o conjunto de todos os instrumentistas, e qualquer artifício que se provoque em um sistema de áudio para trazer à tona mais ‘detalhes’ do que lá estão, quase sempre causam distorção de timbre, e certamente de equilíbrio tonal – como era o caso de um audiófilo que não gostava de sistemas cuja apresentação musical ficava ‘para trás das caixas’ (ele tinha acostumado com ter um sistemas frontal).

Acontece que, pela verdadeira natureza física de uma gravação, todo o acontecimento musical fica para trás das caixas, já que o que as caixas expressam é o ponto de vista dos microfones, e todos os instrumentos ficam ‘para lá’ dos microfones. Se o sistema frontaliza, traz instrumentos e solistas e afins para o espaço entre o ouvinte e a caixa, estão acontecendo distorções, alterações de timbre e de equilíbrio tonal – entre outras características de Qualidade de uma gravação (e, consequentemente, de um sistema de áudio). Claro que existirão acontecimentos musicais, apresentações feitas em locais de péssima acústica, às vezes com instrumentos de má qualidade, que não expressarão Qualidade Sonora. Mas, fiquem tranquilos porque a maior parte dos auditórios, teatros e outros ambientes acústicos, e a maioria dos intérpretes e conjuntos que lá se apresentam (especialmente orquestras), têm boa qualidade acústica, e boa qualidade de instrumentos e de instrumentistas. A inteligibilidade dos solistas – e do conjunto inteiro – é altíssima, e ninguém precisa ir para casa, pôr o CD para tocar, e colar o ouvido na caixa acústica, para perceber qualquer coisa que seja sobre aquela apresentação musical que já não tenha sido representada (de maneira melhor, aliás) ao vivo acusticamente.

Um outro exemplo do mesmo ‘absurdo’, da mesma distorção de valores, foi um acontecido em um clube de audiófilos – em um país de primeiro mundo, aliás. Eles receberam a visita de um engenheiro de gravação top, que com seu gravador digital profissional, e um par de microfones audiófilos, registrou um violão acústico sendo bem tocado em um ambiente de boa acústica viva. E com um grupo de algumas dezenas de audiófilos presentes como plateia. Na sequência, o engenheiro desplugou o gravador digital, e todos seguiram para uma sala ao lado, onde um sistema estava montado. Lá o gravador digital foi conectado ao sistema, e o mesmo público ouviu o registro, a gravação do que eles acabaram de ouvir ao vivo, acusticamente. Não vou entrar no mérito sobre a qualidade sonora desse sistema. Mas, o interessante foi que alguns audiófilos declararam que ali ouviram mais detalhes do que ao ouvir o violão ao vivo!

E por que isso é uma distorção enorme de valores, caro leitor? Porque não existe realidade ‘maior’ do que a realidade em si! A calda de morango não é mais ‘morangosa’ que o morango de verdade! A carne não tem uma textura e sabores mais ‘de carne’ do que a carne em si! Algo artificial não é ‘mais’ do que algo natural – então aí existem distorções sonoras, existe ênfase artificial em aspectos sonoros daquele instrumento, é algo visto pelo prisma do Quantitativo, não do Qualitativo!

A culpa é da gravação? Pode ocorrer ênfase, sim. A culpa é do sistema que estava reproduzindo? Bastante provável, já que existe uma ampla quantidade de sistemas de áudio soando ‘Mais Realistas do que o Rei’. Mas será que o volume de reprodução também estava correto? Ou será que houve uma ênfase por volume mais alto? Será que a acústica da sala de reprodução, do sistema, não estava dando ênfase a certas frequências, trazendo luz demais sobre detalhes os quais deveriam estar, obrigatoriamente sob a luz correta, e nada mais?

Por que será que alguns comentários, alguns audiófilos, acham que ouvir ‘mais’ do que a realidade é algo super legal, quando é óbvio que, se você está ouvindo ‘mais’ do que a realidade, você está claramente distorcendo-a, como uma fotografia com cores saturadas e iluminação estourada?

O dia que todos entenderem, meus amigos, é o dia em que teremos sistemas de som com resultados bem melhores.

Bom junho, e bom fim de outono!

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