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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Tenho enorme admiração por pessoas públicas que se expõem, e assumem que suas antigas convicções não lhe servem mais!

O mundo seria muito mais rico, multiforme e interessante se mais pessoas conseguissem ter essa coragem. Falo do articulista Gilles Laferrière que tem usado sua mídia online, PMA Magazine, para escrever como se deu o processo que começou em não acreditar nas diferenças ’audíveis’ de cabos, para se tornar um defensor de que as diferenças existem e que podem ser observadas auditivamente.

Imagine, amigo leitor, a ‘ira’ que eclodiu com seus pares objetivistas, que antes o tinham como um ‘guardião das trincheiras’ de que cabos hi-end não passam de ‘puro óleo de cobra’, para um revisor que reconhece publicamente que estava equivocado, e que existem sim importantes diferenças e que merecem ser exploradas por todos que desejam ‘refinar’ seus sistemas.

Como todo o seu processo foi longo e penoso, Laferrière dividiu em vários artigos sua saga – e li todos os 4 artigos até aqui publicados, com enorme interesse, pois sabemos o quanto é raro acontecimentos como esse ocorrerem.

Na primeira parte, ele nos conta o quanto se sentia incomodado quando um vendedor oferecia algum cabo de mais de 200 dólares para ele escutar. E quantas vezes ele foi até mesmo ríspido com o vendedor, afirmando que cabos não tinham diferenças desde que bem construídos e com fios de boa qualidade.

Até que, no segundo artigo, ele nos conta como ocorreu o ‘abalo’ de suas convicções ao notar, em um sistema mais bem ajustado, como um set de cabos de preço mediano (mas muito acima dos seus cabos de referência), trouxeram nuances e riquezas de detalhes que antes não havia notado, em gravações que ele escuta frequentemente.

Mas ainda assim, ao final deste primeiro impacto, como ele disse: ’A razão falou mais alto’ e ele achou que o investimento era acima do que ele acharia sensato gastar com aquele setup.

No entanto, a partir daquele primeiro ‘contato’ com uma realidade que ele se negava a aceitar, sua resistência a ouvir cabos emprestados por lojistas e amigos, se transformou em interesse em experimentar, pois como ele mesmo escreveu: “não havia nada a perder em explorar novas possibilidades”.

O que eu achei mais legal, nos dois primeiros artigos, foi o fato da sua mudança de atitude, ao reconhecer que ele poderia não notar as diferenças, mas se tantos davam seu testemunho de que ouvem diferenças, elas de fato poderiam existir. E aí entramos em uma questão muito relevante: a capacidade de respeitarmos as observações do outro, que como eu, também é apaixonado por música, ainda que suas observações sejam antagônicas a minha.

Só o radical não pode aceitar que o outro possa ter razão, e usa de suas convicções para desdenhar do outro, como se sua percepção baseada em medições sejam o suficiente para desqualificar qualquer opinião contrária. Já escrevi centenas de vezes que acredito que um dia haverá uma ponte entre as duas vertentes, e que ambas trabalharão em conjunto para aprimorar ainda mais o já alcançado! Pois as medições em qualquer projeto sério de áudio hi-end, são essenciais para o desenvolvimento de um produto confiável.

Mas, se basear apenas nas melhores medidas possíveis, não significa que teremos sempre como resultado produtos excelentes!
A história do áudio hi end tem centenas de exemplos mal sucedidos para provar que confiar puramente em medições, para dizer se a performance de um produto é boa ou ruim, é um equívoco retumbante!

Os objetivistas não podem jogar essa realidade para debaixo do tapete, ou na privada e puxar a descarga. Pois milhares de audiófilos e melômanos não tem nenhuma razão para mentir, quando afirmam ouvir diferenças, e apontar onde essas diferenças estão.

Qualquer objetivista ‘ortodoxo’ que participe dos nossos Cursos, perceberá que os exemplos mostrados soam diferentes em sistemas diferentes, e não precisa ter um ‘ouvido de ouro’ para perceber essas diferenças. Já tivemos objetivistas que, no meio de um exemplo de diferenças de cabos digitais, levantou e bradou aos berros, que rasgaria seu diploma de engenheiro, caso eu mostrasse diferenças audíveis! Tenho mais de 50 testemunhas de que este fato ocorreu, e felizmente o objetivista ouviu as diferenças, mas como era algo muito ‘impactante’ para ele, saiu ao final da apresentação com a convicção que o cabo que teve ‘problemas’ na resposta de transientes, certamente era mal construído. Pois afinal, estávamos falando de zeros e uns, e não poderia haver essa diferença de maneira tão audível.

Eles foram se interessando em participar em maior número – e lembro que nas redes sociais eles conversavam entre eles, para ficarem atentos se o Andrette não faria ‘truques ilícitos’ como variar o volume, ou algo do gênero, para fazer as diferenças ficarem audíveis! E se chocaram ao perceber que os exemplos que utilizamos eram coisas simples de se notar sem esforço adicional, como por exemplo ouvir quantas vezes um prato de condução soava em um canal, e como, à medida que o sistema era mais simples, menos ondas eram escutadas. Ou o piano que, em determinada nota nos agudos, soa como vidro, e à medida que ajustamos o sistema e subimos de escala em termos de performance, esse mesmo piano, agora ‘tem feltro’ entre o martelo e a corda! Ou as percussões que parecem indolentes, descompromissadas, que se tornam precisas em sistemas e cabos corretos.

E muitos objetivistas finalmente aceitaram que havia algo que a percepção auditiva nota, que as medições não.

Eu, ao final do Curso com o engenheiro que disse que rasgaria seu diploma, emprestei os dois cabos coaxiais e pedi para ele medir, e ver se o que soou errado tinha algo que pudesse ser detectado nas suas medições. E ele não achou nada – ao contrário, achou que o cabo errado teve melhores resultados! Resumo deste fato: nos tornamos amigos até seu falecimento, alguns anos atrás!

No artigo 4, Laferrière entrou numa ‘praia’ em que me sinto confortável em fazer comentários, e compartilhar com vocês todos (sejam objetivistas ou subjetivistas).

Ele fala do argumento mais repetido pelos objetivistas (como um mantra), de que todos estúdios de gravação usam em sua esmagadora maioria cabos marca Mogami ou Canare, e como o audiófilo pode achar que se pode melhorar a gravação usando seus cabos audiófilos? E Laferrière utiliza de um argumento para responder a esse questionamento que eu respeito, mas acho que não será o suficiente para os objetivistas.

Diz ele: “Em primeiro lugar, os engenheiros de gravação não são todos iguais. Aqueles que se sobressaem neste campo são poucos. Menos ainda são os engenheiros perfeccionistas que usam a qualidade de som para aumentar o impacto emocional da música”.

E cita como exemplo de ‘perfeccionismo’ Steve Hoffman, engenheiro de masterização de renome mundial que disse em uma entrevista que havia, em determinado momento de sua carreira em ascensão, decidido não seguir ordens cegamente produzindo CDs ultrajantemente compactados – porque isso era que a indústria exigia. Hoffman só trabalha com selos que querem um produto de alta qualidade com ótima dinâmica, que soará impressionante bem em um sistema hi-end de alta qualidade.

Outro exemplo utilizado por ele é o de Bernie Grundman, considerado um dos melhores engenheiros de masterização, assim como o foi o falecido Stan Ricker. E lembra, em seu artigo, que ambos escolheram cabeamento Cardas para os seus estúdios. E lembra do que ocorreu no estúdio de Bob Ludwig, que depois de substituir toda a fiação do seu estúdio por cabos Transparent, seus clientes ficaram deslumbrados com a melhora em todas as etapas de gravação, fazendo com que Bob rapidamente entendesse que aquele investimento tinha sido o mais importante para alavancar seu estúdio como referência em padrão de qualidade!

E ele encerra a defesa de seus argumentos, neste quarto artigo, lembrando do estúdio do guitarrista David Gilmour, o Astoria Studio, que instalou 23 km de cabeamento van den Hul, e do East Side Studio, de Nova York, que utiliza cabeamento Nordost desde 2018!

Eu acho o argumento do nobre colega válido, mas pouco convincente, pois sabemos que a realidade da maioria dos estúdios, que ainda sobrevivem a esse mercado fonográfico em profunda transformação, não tem sequer um setup de microfones de ponta, o que dirá então investir em quilômetros de cabos de maior qualidade que Canare e Mogami – seria inviável.

Então, quero bater em uma outra frente, que seria muito mais interessante para os objetivistas responderem.

OK, um cabo Mogami ou Canare é a referência que vocês acham a melhor opção para se gravar, certo? Eu os levaria para assistir uma sessão de gravação da Cavi Records, em que usaríamos no mesmo microfone: Mogami, Canare, van den Hul e Transparent. Mesmo tamanho, mesma distância, mesmo pré de microfone, etc.

E depois deixaria a situação ainda mais interessante, propondo que mudássemos o microfone para um top de linha, como um B&K 4006, e repetiríamos a gravação.

E antes que ouvissem o resultado, faria o seguinte questionamento:

1- Você acha que haverá diferenças entre os cabos com o primeiro microfone?

2- Se houver essas alterações, serão audíveis?

3- E se forem audíveis, serão passíveis de serem medidas para descobrir o motivo da diferença?

E, na segunda rodada, com um microfone mais top (hi- end), minhas perguntas seriam:

1- Você acha que haverá diferenças significativas entre a captação dos dois microfones?

2- Você acha possível que as diferenças desse segundo microfone, faça com que as diferenças entre os cabos sejam ainda mais evidentes?

3- Você acha que, ao reproduzir essas gravações feitas com o microfone mais hi-end, em um sistema hi-end perfeitamente ajustado e correto, ouviremos ainda mais as diferenças entre os cabos?

Seria muito bom, poder oferecer este desafio – que, para mim, seria uma oportunidade de mostrar aos objetivistas que as diferenças existem e são audíveis.

Cansei, em nossas gravações, de oferecer aos músicos que tinham instrumentos como guitarra, contrabaixo elétrico, órgão, cabos da van den Hul, para eles gravarem se sentissem melhoras significativas na timbragem do seu instrumento. Meu amigo, um músico profissional conhece seu instrumento melhor que conhece sua esposa, acreditem! E eles não são audiófilos que se enganam facilmente (como os objetivistas desdenham). Pergunte se algum deles quis usar seu cabo depois de experimentar um cabo melhor? Muitos compraram o cabo, tamanha a diferença que ouviram e as melhoras significativas que ocorreram.

Os objetivistas enchem o pulmão para dizer que todas as diferenças que os audiófilos falam que escutam, caem por terra em testes cegos AxB. Seria interessante eles se sujeitarem ao teste aqui proposto, pois certamente alguns seriam abalados em suas convicções e, quem sabe, poderíamos iniciar essa tão necessária ponte entre ambos os lados. E acabar com essa discussão que é tão enfadonha quanto discutir o sexo dos anjos.

Todos têm sua contribuição a dar, basta escolher os argumentos e os exemplos corretos.

Nós fizemos essa escolha em 1999, e não temos do que nos arrepender!

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