Fernando Andrette
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Janine Jansen & Antonio Pappano – 12 Stradivari (Decca, 2021)
Antes que algum leitor com excelente memória, levante a ‘lebre’ de eu já ter indicado esse disco algumas edições atrás, quero justificar minha escolha em voltar ao tema, dedicando uma edição completa a esse trabalho – após assistir no canal Film & Arts dois documentários sobre a ‘odisseia’ que foi literalmente realizar esse lindo projeto. Aí me caiu a ficha, que valeria a pena compartilhar os incríveis detalhes que ocorreram da ideia original ao trabalho finalizado.
E por um outro fato importante: ouvir esse trabalho nas plataformas que o disponibilizam para streaming não faz jus a qualidade técnica e artística da obra. Então, meu amigo, se queres desfrutar integralmente desse trabalho, a única maneira será ter a mídia física. Aí sim será possível ouvir e compreender as diferenças de assinatura sônica dos 12 Stradivarius utilizados na gravação.
Importante salientar que nunca, em nenhum momento da história fonográfica, foi reunido em um único projeto 12 violinos Stradivarius, e que nem tão pouco esse trabalho inovador foi realizado por um virtuose tão dedicado e preparado para o desafio como a violinista holandesa Janine Jansen!
A idealização desse projeto foi iniciativa de Steven Smith, diretor administrativo da John & Arthur Beare, um especialista em
instrumentos Stradivarius, que decidiu reunir 12 dos melhores violinos do mestre de Cremona para mostrar sua sonoridade única, e suas diferenças.
E fazê-lo de forma a deixar para as futuras gerações o registro deste momento!
Para tornar viável seu projeto, ele procurou a gravadora Decca e a violinista Janine Jansen, e partiu para resolver os problemas logísticos de reunir por duas semanas os violinos em Londres, para que Janine pudesse conhecer os instrumentos se adaptar a eles e, junto com o maestro e pianista Antonio Pappano, montar o repertório perfeito para cada um dos instrumentos.
Janine explica no documentário como se sentiu ao receber o convite: “Quando Steven me abordou sobre este projeto, eu sabia que era uma oportunidade única na vida. Minha chance de experimentar a magia desses instrumentos famosos e explorar as diferenças entre eles, especialmente tendo em mente que alguns deles não eram tocados há muitos anos”.
O mais incrível desse projeto é saber que alguns dos 12 violinos não são tocados há muitas décadas, e possivelmente nunca foram gravados comercialmente. E outros pertenceram a violinistas virtuoses, como Fritz Kreisler, Nathan Milstein, Ida Haendel e Oscar Shumsky.
Para a escolha das 15 faixas, Janine e Pappano levaram duas semanas – o tempo em que ela precisou para conhecer o ‘caráter’ dos instrumentos (tirando o seu Stradivarius, que ela já toca há um bom tempo).
Até que o ‘imponderável’ resolveu surgir, e afastou por três semanas Janine Jansen do projeto, pois ela contraiu Covid. Foi preciso renegociar com os donos e fundações responsáveis pelos Stradivarius, para que a gravação acontecesse.
Recuperada do Covid, Jansen teve apenas uma semana para definir qual instrumento seria o ideal para cada obra escolhida. E mais duas semanas para gravar as 15 faixas. A grande dificuldade em um período tão curto, foi extrair todo o potencial de cada instrumento, pois é notório que alguns Stradivarius são muito exigentes com a escolha de arco, encordoamento e, claro, com a virtuosidade do violinista, principalmente os que estavam há décadas sem serem tocados!
Foi quase um trabalho sobre-humano de Jansen, o que ela extraiu de cada um dos instrumentos e como isso fica explícito na mídia física e passa batido no streamer.
E, ao ouvir a gravação tanto no Tidal Master quanto no QoBuz (finalmente agora no Brasil), e comparar com a mídia física, é que me dei conta que precisava compartilhar essa descoberta com todos vocês!
Os 12 violinos escolhidos cobrem um período de 1699 (Stradivarius Haendel) à 1734 (Kreisler).
Não vou fazer spoiler contando as diferenças entre cada um dos Stradivarius, pois seu sistema precisará estar à altura dessa gravação para o amigo desfrutar a riqueza harmônica de cada um desses violinos. Pois cada um tem sua própria identidade, e sim, é possível observar essas diferenças.
E para aqueles que buscam uma referência para os quesitos: equilíbrio tonal (é uma excelente gravação, graças a virtuosidade e qualidade de captação do piano de Antonio Pappano), textura e corpo harmônico – não conheço gravação recente mais apropriada!
Segundo a crítica musical Charlotte Gardner, da revista Gramophone: “É o violinista que faz o violino”.
Mas, em algumas gravações excepcionais como essa, arrisco dizer que se torna impossível separar ambos. Pois a simbiose é de tal magnitude, que o que ouvimos são as diferenças intencionais do violinista, sonoramente executada pelo instrumento, sendo impossível em nossa mente fazer correlações enquanto ouvimos atentamente.
E poder ouvir uma obra tão impecavelmente produzida (em todas as suas etapas), e apreciar esse trabalho em sistemas corretos, é uma ‘dádiva’, amigo leitor!
Para mim esse é um acontecimento que merece ser compartilhado com todos os que amam a música, e entendem que ela é a expressão mais sublime do homem!
E se você não tiver mais como reproduzir a mídia física, lamento muito por isso, pois só assim será possível apreciar integralmente esse trabalho.
Deixo aqui o link de um documentário, para que todos possam desfrutar, em detalhes, dessa gravação histórica.
Mês que vem voltaremos à normalidade, com as quatro indicações mensais.
Se cuidem!