Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Não sei se este fato realmente ocorreu, ou se não passa de uma lenda contada em algum seminário de auto-ajuda para descrever soluções que, de tão óbvias, não as utilizamos.
Conta-se que um grande avião foi montado em um hangar e que, na hora de colocá-lo em teste, a cauda não passava pela abertura do hangar. Desmontar o avião levaria tempo e um custo enorme. Todos os envolvidos no projeto buscaram soluções, como esvaziar os pneus para diminuir altura, quebrar o chão do hangar e cavar para que o avião passasse e nada era viável, devido à urgência do cronograma de testes.
As ideias foram se tornando cada vez mais malucas e todos falavam, e depois um enorme silêncio tomava conta do hangar. Até que o faxineiro, ouvindo toda aquela balbúrdia, parou de varrer, esperou que ficassem em silêncio, levantou a mão, pediu a palavra e falou; “Não seria mais fácil cortar a parte no alto do hangar que impede que a cauda passe?”.
Muitas vezes a solução está na nossa frente, mas como somos ‘treinados’ a usar sempre as ferramentas que julgamos mais propícias para resolver problemas, esquecemos que a simplicidade pode muitas vezes nos socorrer de maneira eficaz. No áudio, esta máxima de que menos é mais deveria ser levado muito em conta, pois ela nos permite economizar muito dinheiro, acreditem!
Não é de hoje que falo à plenos pulmões que 50% do acerto de um setup de áudio está na elétrica e acústica, e que ao sair com meio caminho resolvido a possibilidade de sucesso é muito mais segura.
Muitos dos nossos leitores, que participaram dos nossos Cursos de Percepção Auditiva que iniciamos em 1999 (com um total de mais de 2000 participantes), certamente compreenderam esta ‘máxima’ de trabalhar a acústica e elétrica, e hoje podem desfrutar o máximo de seus sistemas.
Mas muitos ainda não compreenderam e continuam gastando muito dinheiro no setup de seus equipamentos na esperança de que um novo componente possa fazer o ‘milagre’ de corrigir os defeitos de uma sala não tratada ou de uma elétrica não adequada para um sistema de áudio e vídeo hi-end.
Houve um tempo (enquanto eu estava na Audio News e no começo da nossa revista), em que os círculos audiófilos acreditavam que cabos podiam resolver os problemas de falta de agudo ou excesso de grave nos sistemas. Para os agudos, a solução era usar cabos de prata tanto na caixa acústica como nos cabos de interconexão e, para o excesso de grave, buscar um cabo que fosse ‘magro’ nos graves!
E acreditem senhores: está é uma prática ainda em vigência em alguns círculos audiófilos.
No nosso Curso de Percepção, sempre mostramos o que ocorre quando você altera o equilíbrio tonal do sistema. Ele passa imediatamente a acusar que algo está errado. E como isso ocorre? Na eliminação cada vez maior de discos que antes você escutava (apesar dos problemas acústicos), mas agora o problema se deslocou para outra região do espectro audível. Trata-se do famoso cobertor de pobre – puxa de um lado e descobre o outro lado.
Vamos a alguns exemplos, para a nova legião de leitores da revista: suponhamos que sua sala tenha um excesso de grave que, além de o deixar gordo e transbordando na sala, tudo nesta região soa como se fosse um grave de uma nota só. E, para agravar a situação, o espaço para as caixas é bastante limitado, o que impede de fazer algumas experiências com a mudança de posição das mesmas.
Aí, este cidadão já no desespero de causa, resolve ouvir aquele ‘experiente’ audiófilo e recorre à busca de um cabo magro na reprodução dos graves para contornar o problema. Um cabo magro na reprodução do corpo harmônico não altera apenas a primeira oitava do grave – todos os harmônicos acima também serão alterados. E quando temos fundamentais e harmônicos embaixo alterados, o que ocorre na região média, média-alta e agudos? Eles passam a se destacar, tornando as audições cada vez mais fatigantes.
O contrário também é verdade. Quando o sujeito está em um ambiente com muito amortecimento (tapete ou carpete grosso, cortinas pesadas, móveis com muita espuma, etc), e não tem como convencer sua cara-metade de mudar a ‘decoração’ do ambiente, ele recorre à solução de utilizar cabos de prata pura para resolver o problema. Aí temos o efeito inverso do problema, pois acentuamos as altas mas perdemos corpo dos médios para baixo.
Todas essas experiências já foram tentadas e testadas por todos os audiófilos do planeta, acredite. Pois na hora do desespero, tomamos até injeção na testa. Afinal não gastamos tanto no tão sonhado equipamento de áudio, para termos um resultado tão pífio!
Só que o homem é um ser estranho, pois ainda que ele esteja ciente da gravidade do problema, ele quer crer que a solução pode estar em uma ‘pílula milagrosa’.
A segunda tentativa é talvez a mais bizarra de todos, pois encontra-se nos ‘acessórios’ milagrosos, capazes de ajeitar qualquer sala com problemas acústicos. Vão de pastilhas para serem colocadas nas paredes, a acessórios anti-vibração que ‘secam’ apenas aonde é necessário. Levante a mão um audiófilo que nunca gastou seu tempo e dinheiro com algum acessório milagroso! Todos nós já fizemos isso! E basta olhar naquele nosso armário de quinquilharias para ver a quantidade de acessórios que já utilizamos em nossas salas e em nossos setups.
O importante é aprender com os erros, diria meu pai, mas será que realmente aprendemos ou apenas queremos acreditar que aprendemos?
Se você passou por essas duas fases, e tomou a decisão de colocar como prioridade arrumar a parte elétrica e a acústica antes de se aventurar a fazer um novo upgrade em seu sistema, você realmente aprendeu a lição. Agora, se você continuar a achar desculpas para adiar o inadiável, meu amigo, sua busca pela ‘pílula mágica’ o levará por muito tempo a gastar seu suado dinheiro, sem encontrar a solução.
A maioria das minhas consultorias mostra claramente uma resistência ferrenha das esposas em aceitar um tratamento acústico na sala de estar. Então vou direto ao ponto. Ou o meu cliente define um outro espaço para sua sala de áudio, ou convence sua esposa da necessidade do tratamento. Como a segunda hipótese está praticamente fora de cogitação, na maioria das vezes, a saída é colocar o áudio naquele minúsculo espaço que estava destinado ao quarto das bugigangas ou escritório. E se o cliente não aceitar, a única solução será fazer ajustes na configuração que atenuem os problemas acústicos.
Felizmente os dispositivos acústicos estão ficando mais bonitos e com designs mais atraentes, o que deverá com o tempo diminuir parte da resistência feminina. Mas, quando falamos de problemas nos graves, aí não existe solução de design ainda para armadilhas de graves. O que só pode ser contornado com o uso de uma caixa acústica que não excite o problema acústico da sala.
Já na parte elétrica, jamais tive nenhuma resistência em convencer as esposas. Afinal está tudo escondido em conduítes e tomadas de parede. E o que elas não vêem, não há problema!
Na parte elétrica o custo atualmente é tão baixo e com soluções tão práticas e eficazes, que acredito que nenhum audiófilo que deseje afinar seu sistema adie por muito tempo esta solução. O único problema para a parte elétrica está nos imóveis mais antigos, em que os conduítes não permitem a passagem de novos cabos, ou instalações muito antigas em que é impossível refazer o aterramento ou colocar uma chave seccionadora na caixa de entrada do imóvel.
Ainda assim, a chave seccionadora pode ser substituída por fusíveis de melhor qualidade do que aqueles velhos fusíveis de cerâmica de rosquear. Aí alguém levanta a lebre: “E em casa alugada, como faço a instalação elétrica?”. Se for um imóvel novo, o quadro de luz moderno utiliza conduítes maiores, o que possibilita a passagem de um cabo dedicado para o sistema e o uso dos modernos fusíveis dedicados ou até a colocação de uma chave seccionadora (se houver espaço no quadro). Agora, se for um imóvel antigo, e a cara metade não aceitar a passagem externa de um cabo de energia dedicado, a única solução é conviver com todas as limitações acústicas e elétricas do imóvel. E focar na compra da casa própria ou em mudar para um imóvel mais moderno em termos de instalação elétrica.
Um amigo meu viveu esta situação: saiu de um imóvel novo de aluguel para um apartamento maior e muito mais antigo. Seu sistema neste imóvel despencou, pois tanto a acústica como a elétrica eram muito piores. Solução: empacotou parte do sistema, comprou um pré de fone de qualidade e um fone, também de qualidade. Está satisfeito? Claro que não, mas abrir mão de seu hobby ele não abriu! Como diria minha vó: “Se não tem remédio, remediado está”.
Voltando: a parcela de leitores que possuem uma sala que pode ser tratada acusticamente (mesmo que haja alguma restrição da patroa), e que possa receber tratamento elétrico, e não definirem como prioridade esta solução, estarão perdendo tempo e um caminhão de dinheiro! Interessante que, em todas as minhas consultorias, a primeira ligação ou mensagem que recebo após finalizadas essas duas etapas é: “como o sistema subiu de patamar!”. E depois vêm a autocrítica: “como adiei tanto a solução final?”. Pois é!
Tive um professor de filosofia que sempre nos lembrava que a teimosia nos cega!
E quando os problemas acústicos são pontuais e contornáveis, por onde começo? Pelo mais simples: a parte elétrica. Aí você se anima de vez com os resultados e faz a segunda parte da lição de casa com a confiança lá em cima, já com os resultados alcançados com a correção da parte elétrica. Não vou entrar no labirinto do expert de qual a melhor solução elétrica para sistemas hi-end. Minha contribuição se restringe às experiências que fiz nas minhas salas (um antigo apartamento em que vivi por 15 anos, e minhas atuais salas de referência e de home).
Muitos falam em fio rígido e, de quanto maior a bitola melhor, para vir da caixa de entrada até a tomada do sistema. Fiz experiências com diversos fios de bitolas diferentes, geometria, construção, mas sempre de fio de cobre (OFC ou não). E os rígidos e com bitola maior, sempre soaram com transientes mais lentos, agudos mais sujos ou com extensão e decaimento comprometido e graves com muito corpo e com uma tendência a embolarem.
Os cabos de menor bitola, mais flexíveis e de cobre OFC, no Sistema de Referência sempre soaram muito mais equilibrados em todos os quesitos da metodologia. Sei a dificuldade de encontrar um bom fio de cobre OFC flexível e bem construído, mas se vale uma sugestão: este investimento será uma vez só para o resto de sua vida! Então vale a pena, e muito! As opções estão aumentando, e o número de fornecedores também. Estarei testando em breve uma opção de um cabo puro cobre OFC, que me pareceu ter uma enorme relação custo/performance. Irei comparar com o meu Furutech que vai da seccionadora dentro da sala de referência até a tomada (são 8 metros) este cabo custa menos de um terço do valor do Furutech. Se o resultado for promissor, conto para vocês em breve.
Outra polêmica são os fusíveis da chave seccionadora. Se você não quiser investir em fusíveis especiais, utilize os da Siemens de 25A que vêm com a chave também deste fabricante, e invista no melhor cabo de elétrica que seu sistema permitir.
Outra questão sempre levantada pelos nossos novos leitores: “Meu sistema é de entrada – um Ouro provavelmente – ainda assim vale a pena fazer este investimento?”. Sim, meu amigo, pois se você realmente ama ouvir música, não irá parar em seu sistema atual! Como digo: a instalação elétrica dedicada será permanente, o único investimento futuro será em fusíveis, se assim o desejar. Então vale a pena não adiar mais essa lição de casa.
A segunda etapa já é mais complicada, e se formos pedir ajuda para três profissionais gabaritados da área de acústica, teremos provavelmente três soluções distintas! Eu já passei por esta experiência como consumidor, recorri a três profissionais para resolver os problemas na minha antiga sala e cada um apresentou uma solução diferente. Às vezes temos que tentar ao menos compreender aonde está o problema, e se sua sala tiver espaço para mudar as caixas de lugar, sugiro que esta primeira etapa você mesmo tente entender o que ocorre. Agora, se sua sala não permite mudanças, aí será preciso a ajuda de um expert para fazer medições na sala e dar um diagnóstico preciso do problema. O custo dessas medições não é caro, e vale a pena todo investimento, acredite!
Mas vamos à hipótese de uma sala que permite mudanças na posição das caixas. Se o problema são os graves (90% são), coloque uma música que os graves transbordam e são inaudíveis. Coloque esta faixa no ‘repeat’ e comece por movimentar o corpo sentado no ponto de audição e observe se algo muda colocando a cabeça mais para a frente e mais para trás. Se houverem melhoras em alguma posição, ótimo! Marque esta posição e continue o teste. Com a mesma música, distancie as caixas tanto da parede às costas delas, como também da parede lateral. Sente e veja se houveram mudanças e se esta mudança foi mais significativa que a da cadeira. Se foi, continue tentando distanciar ainda mais as caixas das paredes.
Definido o novo ponto das caixas, agora ande pela sala, observe em que locais os graves ficam ainda mais reforçados e locais que ficam mais atenuados. Nos pontos em que os graves ficam mais atenuados: poderiam as caixas serem colocadas ali? Ou a cadeira de audição poderia ser colocada neste ponto?
Se ambas as respostas forem negativas, volte-se para encontrar os dois pontos em que a inteligibilidade dos graves melhoraram, colocando a cadeira neste novo local e mantendo as caixas também o mais distante das paredes. Sente e ouça novamente esta faixa. As melhoras foram audíveis (mesmo que não tenham sido ainda satisfatórias)? Se foram melhoras, ouça uma dezena de discos que tenham excesso de grave, mas que não eram tão acentuados como no exemplo usado. O que ocorreu? Essas outras gravações melhoraram, os graves ficaram mais controlados? Se a resposta for positiva, talvez você não precise de um tratamento acústico muito invasivo. As soluções podem estar todas a mão.
Os cantos atrás das caixas são sempre um problema. Uma solução que usei por dois anos no meu antigo apartamento, antes de colocar Tubetraps, foi utilizar duas estantes finas e altas com livros e as gavetas recheadas de espuma de travesseiro. Na época eu tinha as Matrix 802 da B&W e, meu amigo, a melhora foi tão incrível que vários amigos meus convenceram suas esposas a colocarem estantes iguais nos cantos das paredes. Acho que o lojista da casa de móveis na Rua Teodoro Sampaio nunca entendeu a razão de ter tanta demanda para aquela singela estante de livros com quatro gavetas, rs.
Agora, isto não representa a solução total, pois em algum momento resolvido ou atenuado o problema nos graves, você irá se animar e irá querer solucionar a pouca profundidade do palco, melhorar o foco, recorte, etc. Aí você não terá escolha, será preciso trabalhar a parede às costas das caixas com difusores acústicos. Aqui, o mercado está repleto de soluções das mais baratas (que podem ser compradas em uma Leroy Merlin da vida) até projetos feitos por especialistas. Os difusores são essenciais e algumas opções, por incrível que pareça, até agradam as esposas (eu disse algumas – não vá se animando muito não).
Agora os agudos. Para saber qual móvel está comendo os agudos, comece por tirar da sala um de cada vez: os móveis como sofás, cadeiras, etc. Deixe apenas uma cadeira de audição. Se os agudos não só aparecerem como quiserem começar a ficar muito proeminentes, bom sinal! A quantidade de elementos de absorção é pequena e poderá ser controlada com pequenos ajustes. Agora, se mesmo com a retirada de todos os sofás e cadeiras, o problema persistir, fatalmente as cortinas, quadros (se houverem) e tapetes podem ser o vilão.
Os agudos não só precisam aparecer, como também trazer com eles a ambiência das salas de gravação. Para notar a ambiência, o ideal são gravações em salas de concerto, com orquestras sinfônicas. Procure gravações em que haja passagens com a orquestra em silêncio e apenas um solista tocando, pois aí fica bem audível o tamanho da sala. Se, com a retirada dos móveis, os agudos aparecem e trazem de carona a ambiência, a solução também é simples. Mas, se além dos móveis, precisar retirar, tapetes e cortinas, ou você propõe uma redecorada em toda a sala para a sua esposa (que não vai custar barato), ou você terá que mudar de espaço – ou se não existir esta opção, é partir para um belo fone de ouvido!
Ainda que este seja seu caso, pense no lado positivo: você irá parar de gastar sua grana com cabos, acessórios milagrosos, ou mesmo trocando todo o setup na esperança de contornar o problema. Pois, definitivamente, terá consciência do que significa o elo mais fraco. E sem sanar o elo mais fraco, nunca seu sistema soará como o esperado. Nunca! Você pode espernear, me xingar, bater a cabeça na parede, que o elo mais fraco continuará lá, como uma sombra, sempre presente e nos lembrando que temos que fazer todo o dever de casa. Agora, quando feito, os benefícios são todos audíveis e muito saudáveis para o seu bolso. Pois muitas vezes nosso sistema atual estava apenas com o freio de mão puxado. E desfazer este nó se traduz em um audiófilo feliz e realizado!
Aprender com o erro dos outros nos permite pular muitas etapas.
Se este artigo conseguir convencer você da importância de ir diretamente aos 50% que impedem de extraímos o melhor de nossos sistemas, me darei por satisfeito. Pois desde 1999 que venho alertando de que não adianta investir todo nosso tempo e dinheiro no sistema e não preparar corretamente a sala de audição para receber este setup. Confesso que todo este esforço ainda não gerou o resultado que eu imaginava que iria ocorrer.
Mas, como sou um otimista incorrigível, continuarei tentando.