Juan Lourenço
Alva Duo é o nome do pré-amplificador de phono da Cambridge Audio. Além de trazer no mesmo gabinete duas entradas, uma para cápsulas MM e outra para cápsulas MC, a Cambridge conseguiu adicionar um amplificador para fone de ouvido poderoso, capaz de empurrar até mesmo fones grandes com baixa sensibilidade.
O Alva Duo traz um pouco do design limpo e elegante da linha Edge, sendo assim seu design é extremamente minimalista e sofisticado. O acabamento é primoroso e a textura ao toque é macia e agradável. Desde a famosa pintura Lunar Grey até os botões brilhantes de liga/desliga e seleção de MM/MC faceados, rentes ao painel, e o knob levemente deslocado para a direita (para quem o olha de frente), e a saída de fones de 6.3 mm, comum em projetos de amplificadores de fone parrudos, tudo dá indícios de que a Cambridge não brincou em serviço. O efeito visual é simplesmente maravilhoso, parece um aparelho de 2 ou 3 mil dólares. Não se espera este nível de sofisticação de design em aparelhos nessa faixa de preço. Geralmente vemos o pretinho básico com chassi de aço texturizado.
O cuidado continua na parte traseira do pequeno Duo, lá temos as entradas RCA MM e MC, além da saída RCA que o conecta a um amplificador, o Duo também possui um controle de ganho para ajudar com cápsulas antigas que já perderam um pouco da eficiência em algum dos canais, esquerdo ou direito.
O Alva Duo segue o padrão RIAA e possui ganho máximo pré fixado em 60 dB (MC). O ajuste MM é de 47 kOhms com 39 dB de ganho, relação sinal/ruído >90 dB em MM, e 70 dB em MC, podendo aceitar cápsulas de 0,3 à 1 mV. O filtro subsônico atua e (-3 dB @12 Hz 6 dB /
oitava). O filtro poderia ser desligado, o que seria uma ótima já que dependendo da cápsula, em alguns casos, sem o filtro há ganhos bastante consistentes em timbres, naturalidade e arejamento.
Outro cuidado bacana que a Cambridge tem para com seus clientes é o espelhamento da grafia traseira de seus aparelhos, e no Alva Duo isto faz toda a diferença por conta de seu tamanho, pois as conexões são apertadas e, de cabeça pra baixo, lendo ao contrário, seria dose para leão. Outra coisa interessante no Alva Duo é que ele não usa fonte chaveada externa, ele possui entrada IEC no painel traseiro, o que nos possibilita dar uma temperada em sua sonoridade também com cabeamento de força.
Para o teste utilizamos os seguintes equipamentos, ligados ao pré-amplificador de phono Alva Duo. Fontes: toca-discos de vinil Rega P8 com as cápsulas Ortofon 2M Bronze MM, e Ortofon Quintet Black MC. Cabos de força: Transparent MM2 e Sunrise Lab Illusion MS. Cabos de interconexão: Sunrise Lab Illusion e Reference RCA. Cabos de caixa: Sunrise Lab Quintessence Magic Scope. Amplificador: Sunrise Lab V8 SS. Caixa acústica: Neat Ultimatum XL6. Fone de ouvido: Sennheiser HD700.
O Cambridge Alva Duo chegou lacrado em sua caixa de papelão reforçada. Após desembalar, já o colocamos na prateleira e ouvimos o disco da Jacintha – Here’s to Ben, inteiro. De cara gostamos da musicalidade e das texturas, que eram muito boas para um aparelho ligado há poucos minutos. Desligamos o TD e o deixamos amaciar com o nosso RCA mágico que inverte os ganhos de sinal de phono, possibilitando que o sinal de um CD-Player ou streamer digital seja utilizado como fonte para amaciamento do pré de phono, economizando horas preciosas da cápsula. De tempos em tempos ligávamos o TD para checar a evolução do Alva Duo e, a cada checagem, percebíamos uma melhora significativa em largura e altura de palco, arejamento e timbres – já muito bonitos desde o início.
Algo que não gostei foi do ganho do pré, que poderia ser um pouco mais alto, algo como dois ou dois-e-meio dB a mais, e assim judiar menos do volume do amplificador. O ganho mais baixo tem suas vantagens e a maior delas é não passar para as caixas os ruídos indesejados de rádios amadoras, campos magnéticos e RFI irradiados por cabos de alimentação e aparelhos eletrônicos. Mas não custava aumentar um pouco este ganho e contornar este problema, se houvesse, de outras maneiras.
Após 180 horas, o pré estabilizou e então separamos os discos para audição, começando pelo da Jacintha que tínhamos ouvido nos primeiros minutos do Alva Duo, além de Patricia Barber – Companion e Modern Cool, Dead Can Dance – Into the Labyrinth, e outros.
Primeiro nos concentramos em saber como o Alva Duo lidava com cápsula MM Ortofon 2M Bronze e, após passar todos estes discos citados acima, percebemos que ele consegue extrair uma clareza na região média muito interessante com boa definição de graves e boa extensão na outra ponta do extremo. Sua musicalidade e a capacidade de nos dar uma boa noção de palco ao vivo é uma delícia, sem fadigas ou aquela sensação de que as músicas soam pilhadas. Tudo bem que isto é inerente ao analógico, mas no patamar que ele briga se vê alguns prés indo para o lado da transparência excessiva quase que digitalizando o conforto auditivo do vinil.
Outra coisa boa neste pré é que ele responde bem a cabos de força e interligação. Se o amigo leitor souber exatamente o que busca em termos de sonoridade. não sendo muito exótico, pode extrair um bom caldo do Duo sem muito esforço. Você pode dar mais luz em cima ou um pouco mais de precisão embaixo sem precisar gastar demais, particularmente prefiro o equilíbrio entre os dois extremos – acho sempre bem-vindo. O que realmente importa é que ele permite que leve a sonoridade para onde quiser desde que não sacrifique o equilíbrio tonal.
Com o Alva Duo o conforto auditivo e o relaxamento estão lá, e com eles vêm uma apresentação mais musical e com mais harmônicos nos brindando com texturas que impressionam muito e nos fazem apreciar a arte.
Em discos como os da Patricia Barber e do Dead Can Dance, que exigem mais da precisão e do foco e recorte e, sobretudo, controle nos graves, o Alva Duo não chega a fazer feio, mas ali ele começa a mostrar suas limitações, sacrificando um pouco do foco e do recorte para nos dar um pouco de controle nos graves. O problema é que se o foco diminui em passagens complexas, e ficamos propensos a voltar nossa atenção para algum instrumento em particular, esquecendo um pouco da música como um todo. Já com a cápsula MC, o foco não fica tão comprometido assim e, de brinde, nos trouxe uma extensão de agudos e texturas que, em MM, não chega lá.
Um ótimo ponto positivo neste pré é ouvir vozes femininas ou masculinas. O nosso famoso voz e violão com Baden Powell ao vivo ficou uma maravilha! É de uma gostosura que não dá vontade de tirar o disco! O Duo se mostrou amigável com prensagens nacionais de anos 70 e 80, tirando um pouco da aspereza e da magreza, extraindo mais musicalidade de um terreno bem árido.
É interessante ouvir os discos de três maneiras bastante distintas, e poder entender como a Cambridge se balizou para desenvolver o projeto. Ouvir as duas topologias de cápsulas é uma coisa, pois o resultado final depende de muitos outros fatores, como amplificação cabos de caixa e caixa acústica. Já com fone de ouvido a ligação é direta e, deste modo, pudemos ouvir um pré de phono equilibrado, alinhado tonalmente entre as duas cápsulas e sua amplificação. No fone de ouvido Klipsch, mais modesto, a musicalidade fez com que o fone não cansasse tanto após um disco inteiro. A sensibilidade alta ajudou bastante a vida do amplificador, mas ficava nítido o controle do amp para com o fone. A surpresa veio com o Sennheiser HD 700, pois eu já estava preparando outro fone para audição por receio de o amp não ter fôlego, quando veio a grata surpresa: o Alva Duo deu conta de empurrar o HD 700 numa boa, com bons graves e texturas ricas em harmônicos. A apresentação é bastante musical, ponto alto deste pré, com bom palco e as vozes realmente cativantes, com certeza é um excelente opção para os amantes da dupla fone & vinil.
A Cambridge fez seu dever de casa, nos deu um pré de phono com excelente custo / benefício, completo e com todas as entradas que podemos sonhar, e sem a terrível fonte externa de telefone. A entrada para fone de ouvido maior mostra que o pequeno Alva Duo não está para brincadeira, e sua musicalidade explicita nos diz que ele leva a música muito à sério.
Nota: 68,0 | |
AVMAG #267 Mediagear (16) 3621.7699 R$ 3.371 |
Fernando Andrette
Ainda que a Pandemia tenha virado o mundo de cabeça para baixo, este foi o ano em que recebemos e testamos a maior quantidade de produtos Estado da Arte na história desta publicação! Está sendo um ano incrível por este ponto de vista.
E já na reta final, quando só faltam mais três edições para se fechar o ano, tivemos o prazer de receber o mais impressionante pré de phono que já testamos. É covardia tentar comparar este pré com qualquer outro que eu já tenha tido ou testado em minha vida.
E as possibilidades de ajustes e a tecnologia envolvida no projeto são tão extensos, que tenho sérias dúvidas se qualquer revisor crítico de áudio que tenha colocado as mãos nesta preciosidade, tenha tido a oportunidade de avaliar todas as possibilidades existentes neste produto (a CH Precision afirma serem mais de 500 possibilidades de ajuste). Isso pode ser uma dádiva ou um caos em mãos inábeis, acredite.
E certamente esse “arsenal” de possibilidades de ajuste fino justifica que muitos que escutaram o P1 não conseguiram extrair todo o seu gigantesco potencial. Quisera ter a oportunidade de ficar um ano com este produto, para ir contando em “capítulos” as descobertas do que este pré é capaz de nos proporcionar. Infelizmente, foram apenas seis semanas, já que o felizardo dono desta preciosidade estava ávido por escutá-lo.
Então não perdi um segundo desse rápido convívio, tentando ao menos entender suas “ferramentas” básicas para extrair o máximo dos dois setups que consegui ligar nele. O primeiro foi o nosso setup analógico constituído do toca-discos Acoustic Signature Storm, braço SME Series V, cápsula SoundSmith Hyperion 2 e cabos Sunrise Lab Quintessence de braço e interconect XLR. O segundo o toca-discos foi o Mark Levinson 515, com cápsula Ortofon Cadenza Bronze e cabos Feel Different FD-III (leia testes 2 e 4 na edição 266).
Felizmente esses dois setups se mostraram à altura do P1 para nos ajudar a desvendar ao menos parte de seu incrível poder de fazer o analógico soar de forma magistral!
O P1 é um projeto inteiramente baseado em transistor discreto puro Classe A, com uma seção digital apenas para o controle de análise de todos os parâmetros de ajuste, que são mostrados em seu painel e que podem ser acionados pelo seu belo controle remoto que, na verdade, é um tablet. Existem, no circuito analógico do sinal, resistores de filme de metal de alta tolerância, bem como capacitores de alta qualidade nas seções de filtragem. O P1 é alimentado por uma fonte linear massiva com vários circuitos de regulação local, todos independentes. Com o uso de dois transformadores toroidais, um maior e um segundo menor, para o uso no modo de espera quando o produto está em standby e para a economia de energia.
O P1 oferece três entradas em XLR ou RCA para cápsulas MC (entrada 1 e 2) e uma terceira entrada para cápsulas MM e MC. As entradas 1 e 2 trabalham exclusivamente no modo corrente, e a terceira no modo de tensão. As entradas de corrente apenas para cápsulas MC levam a corrente gerada pela cápsula e não a sua tensão. Segundo o fabricante, isso produz uma relação sinal/ruído superior e uma melhor imunidade em comparação à uma entrada de tensão convencional, e assim não existe necessidade de combinar impedância. Este processo é Plug & Play.
Já a terceira entrada, de modo de tensão, para cápsulas MM e MC, é usada para qualquer tipo de cápsula com uma entrada equipada com carga resistiva que varia entre 20 Ohms e 100 kOhms, permitindo ao usuário desta entrada a seleção dentre 500 valores disponíveis! As etapas vão de 5 em 5 Ohms, arrastando o botão giratório inferior para etapas grandes, ou o botão superior para pular etapas pequenas. No caso de etapas pequenas, o painel mostra: 250 Ohms, 255 Ohms, 260 Ohms, e assim por diante.
Fora todo este arsenal disponível ao audiófilo que deseja explorar ao máximo o potencial de sua cápsula, o P1 ainda disponibiliza um sistema de calibração automática que usa um “compacto simples” para produzir a melhor relação sinal/ruído e a resposta de frequência mais plana, medida em todo a cápsula que esteja tocando este compacto simples, nos seus dois lados! Este pequeno disco realiza mais de 20 procedimentos de curva de resposta de frequência da cápsula. Depois desses dados armazenados, você ainda poderá avaliar a opção de curva de resposta de sua cápsula que mais lhe agrada. Cada curva medida, também é apresentada no painel do P1, aí depois é só memorizar a melhor resposta.
Como disse um amigo amante do vinil, ao ver as possibilidades todas de calibração do P1: “Este é um pré que faz justiça ao século 21!”. Tenho que concordar integralmente com ele! O que me preocupa é se o audiófilo está preparado para um pré tão revolucionário. Pois vi em alguns fóruns ser discutido que o som do P1 é assustadoramente transparente, “dissecando” demasiadamente a beleza mais evidente do vinil: sua musicalidade. Vi até um participante mais alterado vociferando que quem escolhe ter um P1 não entende nada de vinil. Quando leio esses debates calorosos e à beira de uma ataque de nervos, sempre me pergunto o que ocorre com o ser humano? O que o leva a desdenhar da opinião do outro e achar que só seu ponto de vista é o correto? O que nos leva a ter a ilusão de que somos o centro do mundo? E que somos o guardião das verdades absolutas?
Vivemos tempos difíceis, em que as pessoas passam mais tempo em frente ao computador ou seu celular do que com as pessoas que construíram um lar e uma família. Mais tempo discutindo sobre áudio do que ouvindo seus sistemas e seus discos. E mais tempo defendendo seus valores e opiniões do que aprendendo com a experiência do outro.
O que diria a este audiófilo que afirma ser o P1 a antítese do prazer que o vinil proporciona?
ue ele certamente não ouviu um P1 ajustado corretamente, pois caso ouça, sua opinião mudará instantaneamente. Não tem como ficar imparcial ao escutar este P1 com pares dignos de sua beleza. Todas as suas crenças e verdades serão simplesmente pulverizadas.
Desde, é claro, que o P1 esteja ajustado corretamente. Do contrário, é uma catástrofe, exatamente como colocar um AK-47 na mão de um chimpanzé, ou pedir para alguém que não tenha a menor noção de como pousar um Boeing 747, fazê-lo!
E sei de demonstrações do P1 pelo mundo que foram totalmente pífias e que os que ouviram essas apresentações saíram se perguntando como algo tão mediano poderia custar tanto.
Novamente baterei na tecla: este é um pré com características e recursos tão inovadores que será preciso que até mesmo os mais experientes estudem e se debrucem nas suas possibilidades, antes de saírem mostrando seus recursos.
Eu não sou um expert em analógico – meus conhecimentos de ajuste e montagem de cápsula foram tudo que vi e aprendi com meu pai e, agora, com o Christian Pruks e com o André Maltese. Minha contribuição se reduz ao ajuste fino no momento de ouvir o resultado, então meus erros são muito mais constantes do que os dos especialistas. Tanto que cometi este erro ao ouvir o sistema nosso de referência com a cápsula Hyperion 2 no P1. Pois como havia começado o teste com o toca-discos 515 com a cápsula Cadenza ligado na entrada 1 com modo corrente, e o som ficou magistral em todos os quesitos de nossa Metodologia, julguei que o mesmo ocorreria com a Hyperion 2. Resultado: ficou um som sem vida, frio, analítico, com uma macrodinâmica engessada, e ritmo confuso. Como dizia meu pai: “quem tem pressa, come cru”.
E lá fui eu descobrir que diabos tinha feito de errado. Coloquei o compacto simples para tocar com a Hyperion, fiz todas as medidas, avaliei as curvas de resposta e nenhuma das opções me pareceu razoável, as três opções melhores tiravam parte da beleza desta cápsula, que é justamente a extensão nas duas pontas. Resolvi seguir minha audição, colocá-la na entrada 3, no modo de tensão. Escolhi um disco que conheço na palma das mãos e fui calibrando passo a passo, e quando achei que havia chegado ao ápice, o P1 ainda me deu a opção de ajustar o ganho ideal para a Hyperion 2! Meu amigo, o resultado foi tão avassalador, que eu tenho que reconhecer que os 106 pontos que demos para esta cápsula foram modestos demais! Ela merecia, em uma possível revisão, no mínimo 108 a 109 pontos!
Mas, fazer o que: ”o que não tem remédio, remediado está”.
Nos fóruns também existem discussões infindáveis entre os que possuem este P1, se é melhor colocar suas cápsulas em modo de tensão ou corrente. Os que defendem o modo tensão afirmam que o som fica mais orgânico, fluido e real. Já os que defendem o modo de corrente, alegam que o usam pelo grau de precisão no tempo, ritmo e andamento e, principalmente, pelo grau de detalhamento e equilíbrio tonal.
Leio tudo com enorme interesse, e me pergunto: se com apenas duas cápsulas eu cheguei à conclusão que de uma delas – Ortofon Cadenza Bronze – somente no modo corrente é possível se extrair todo seu potencial, e a SoundSmith Hyperion 2 somente em modo tensão, como querer defender que um modo é o correto e outro o errado?
O correto é ter a possibilidade de cada cápsula descobrir qual o melhor modo para ela. E feliz o audiófilo que possui este P1, para poder tirar o máximo do seu sistema analógico! Se tivesse um pré desta magnitude como nossa referência, a maior satisfação seria saber que os testes de cápsulas ganhariam um grau de precisão no fechamento de notas que nenhum outro pré existente no mercado pode nos fornecer! Este é o maior mérito deste P1, ser um pré que possibilita ao usuário o ajuste preciso de suas cápsulas de maneira que não haja dúvida de que cada centavo investido nele valeu! Ficar discutindo se o modo corrente possui vantagens em relação ao modo tensão, é discutir o “sexo dos anjos”!
Com um pré deste nível, a primeira coisa que eu me desfaria é de perder tempo em fóruns. Utilizaria todo o meu tempo livre para descobrir o que os meus discos têm de camadas “submersas” de informação, que pré de phono algum me deixou ouvir. Tudo neste pré se torna mais verossímil, tanto os erros como os acertos de todas as gravações. O que é belo se transforma em soberbo, o que é mediano em bom, e o que é péssimo em ruim.
Será que esta exímia qualidade é que faz alguns confundirem com transparência explicita excessivamente? Para um audiófilo rodado e familiarizado com as nuances do analógico, certamente que este “equívoco” não ocorrerá, pois ele irá se deparar exatamente com o que ele sempre sonhou no vinil: audições com corpo, energia e vivacidade que só o analógico permite (ainda).
Os bumbos se tornam viscerais, os órgãos de tubo na região grave parecem que irão derrubar as paredes, tamanha energia e deslocamento de ar. O coral no quarto movimento da Nona Sinfonia de Beethoven nos faz “ver” que estamos diante de uma centena de vozes, e não de um coral gregoriano. As texturas são inebriantes, não pelo majestoso equilíbrio tonal existente, mas por serem palpáveis e mostrarem os sutis detalhes das paletas de cores entre a qualidade e virtuosidade do primeiro e segundo violino de um quarteto de cordas.
Poderia escrever páginas e mais páginas sobre as virtudes avassaladoras do P1, mas terminarei falando de duas observações que fiz (e que sempre observei, mas sem tanta eloquência), a decadência de duas grandes estrelas do jazz: Billie Holiday e Chet Baker. No P1, as evidências da decadência de ambos são tão presentes, no seu triste final, que ficam impossíveis de se ouvir neste pré de phono. É literalmente “ver” o que ouvimos. Foi uma das experiências sensoriais/emocionais mais dolorosas que experienciei solitariamente em nossa sala de referência. Fiquei imaginando o constrangimento dos músicos que participaram dessas últimas sessões. Não estou falando de desafinação – falo da decadência explícita em cada nota em cada palavra. Nunca em setup analógico algum havia me atentado à este grau de melancolia e tensão. Será que é isso que os que não gostam do P1, dizem ser transparente demais?
Agora, amigo leitor, imagine o efeito oposto em uma gravação em que o artista esteja no ápice de sua carreira, como no disco Friday Night in San Francisco, com o Al di Meola, Paco de Lucia e John McLaughlin? Ouvi este LP nas versões 33 e 45 RPM, e interessante que sempre gostei mais da prensagem em 33 – o Christian Pruks é testemunha. Pois agora mudei integralmente de opinião (ao menos enquanto o P1 esteve conosco). Os três estavam inspirados, e foi realmente uma noite única e gloriosa. É impossível ouvir este disco e não prestar atenção do começo ao fim. É uma catarse literal! No P1 é possível ouvir o grau de tensão colocado nas cordas e a diferença de técnica e digitação dos três violonistas, e a qualidade de cada instrumento. Continua sendo, para mim, ainda hoje, uma das gravações mais “matadoras” para se avaliar um sistema analógico. Ela jamais “fará reféns”: ou o sistema passa com méritos, ou sucumbe. Nem a prensagem nacional, que é ruim, impede de ser um parâmetro seguro para avaliação. Cansei de ouvir este disco destruir reputações de cápsulas, toca-discos, pré de phono, pré de linha, powers e caixas. As masterizações para CD são sofríveis, e de streaming, então, é um caso de polícia. Feliz o leitor que possui um sistema analógico e este LP bem conservado. Foi uma noite mágica e única!
CONCLUSÃO
Pena que não exista uma versão do P1 para nós mortais. Como diz a música: “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é”. Vou parafrasear e dizer: quem não gosta do P1, não o ouviu corretamente ajustado. Pois não é possível não se “comover” com este produto.
Sim, é uma questão emocional o que este pré de phono nos permite. Ele está muito além da discussão do que é analítico ou musical, quente ou frio. Devidamente ajustado, o audiófilo terá extrema dificuldade em descrever como ele soa. Pois estará ouvindo pela primeira vez, como aquele disco que ele ama tanto deveria ter soado em todos os prés de phono que o tocaram. Só que isso não ocorreu, então suas referências são como memórias distantes que ainda estão presas à sua mente pelo valor emocional, e não pela realidade que já se foi.
Toda música que amamos nos diz algo, às vezes explicitamente e outras de forma tão subjetiva que nem sabemos as razões que nos levam a sempre querer escutá-las. O P1 consegue nos fazer rememorar as verdadeiras intenções por detrás de cada escolha. Foi exatamente o que ocorreu comigo, ao ouvir determinados discos: recordei de detalhes do motivo de ter escolhido aquele disco e não outro no momento da compra. Ou me remeteu à primeira audição do disco, assim que cheguei em casa com ele! Ou ainda, audições que fiz daquele disco em upgrades consistentes, e que notei diferenças que me deixaram satisfeitos como investimento feito.
Ele seria um “resgatador” de memórias e emoções perdidas na lembrança. Aquelas que nos fazem gostar ainda mais dos nossos discos, pois resgatam parte do que somos, pensamos e desejamos.
Ele tem a sublime capacidade de nos mostrar que cada música, cada disco que já ouvimos centenas de vezes, como uma obra inacabada, ainda tem muito a nos dizer e surpreender!
Nota: 110,0 | |
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