Fernando Andrette
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Nossos leitores de pelo menos uma década, sabem de minha admiração pelo músico André Mehmari e nossa amizade que se iniciou lá atrás, no Genuinamente Brasileiro volume 2, quando ele participou do disco com a faixa piano solo de Passarim.
Lembro ainda hoje quando ele chegou ao Teatro Alfa com uma partitura debaixo do braço, sentou ao piano, tocou um trecho para eu ajeitar a posição dos microfones e fez apenas dois takes, tão maravilhosos que eu e o Duda, que foi o engenheiro de gravação do disco e produtor artístico, tivemos que ouvir as duas versões uma dezena de vezes para escolher a que iria para o disco.
Quando ainda hoje escuto essa faixa, ou apresento nos Cursos de Percepção, me surpreendo com a beleza e a capacidade do Mehmari de dar sua “assinatura” tão intensa, mesmo em obras consagradas que não são suas. Mas, que depois de tocá-las, parecem que ele foi o coautor de todas elas.
Mas sua genialidade atualmente não está mais em suas obras, suas composições, arranjos e sua impressionante virtuosidade. Ela tem hoje mais um componente que lhe rendeu o que mais desejam todos os grandes músicos: liberdade e autonomia plena, para só fazer o que deseja e da maneira que julga o certo.
Sou testemunha ocular do quanto suas gravações feitas em seu maravilhoso estúdio, totalmente concebido por ele, com múltiplos instrumentos à sua disposição e uma legião de grandes talentos nacionais e internacionais que permanentemente o procuram, o colocaram em uma posição privilegiada em um universo cada vez mais pobre e medíocre artisticamente.
Sua determinação e capacidade de produzir obras cada vez mais belas, nos dá um alento de que nem tudo está perdido.
Nossos leitores reclamam que pouca coisa de qualidade está sendo produzida na atualidade e eu não só discordo, como todos os meses em nossa seção Playlist mostro inúmeros trabalhos que merecem ser conhecidos. Outra reclamação (essa muito mais antiga), é que gravações audiófilas, com exceção de música clássica, muitas vezes tem uma qualidade artística muito aquém da qualidade técnica. O que concordo plenamente, e falo e escrevo isso há muitos anos!
Pois bem, a safra de discos produzidos no Estúdio do André Mehmari, todos sobre sua supervisão, estão cada vez mais hi-end.
Já comentei do disco Tributo ao Milton Nascimento, O disco solo do Noel Rosa, e agora gostaria de falar desta obra prima chamada Um Outro Adeus, em dupla com o jovem virtuose cellista Rafael Cesário.
Quando o Mehmari me trouxe uma cópia do disco, recém mixado, em CDR para escutar, fiquei muito impressionado com a qualidade de captação dos instrumentos. E o que mais me chamou a atenção é como soou bem até em sistemas de entrada. Ou agora, no streamer, já que você pode ouvi-lo em várias plataformas.
Ouvindo o disco todo, quando entrou a faixa 7, Cuitelinho, para cravo e cello, percebi que a captação do Cravo não era apenas estupenda, mas superior as gravações deste instrumento que ouvi nos melhores selos como o Harmonia Mundi, que tenho como referência na gravação de Cravo.
O corpo harmônico, a sustentação das notas – que neste instrumento em que as cordas são pinçadas, o decaimento é quase instantâneo – se ouve com um grau de inteligibilidade absurdo!
O mesmo ocorre na faixa 8, na Sonata em Lá menor- 1 -Largo. O cello também está como uma sonoridade espetacular (claro que pela qualidade do músico e do instrumento), possibilitando ouvir as nuances e a impressionante técnica de Rafael Cesário.
O disco possui um repertório que reúne: Vivaldi, Nazareth, e composições do próprio
Mehmari.
Também é a estreia de Rafael Cesário em gravações, já que como disse é um jovem e promissor talento que desponta como um dos melhores desta nova geração.
O disco foi inteiramente produzido e gravado no Estúdio Monteverdi, que na minha opinião é hoje o melhor estúdio de toda a América Latina, concebido para se atingir a maior fidelidade possível em todas as etapas de gravação (da captação feita com os melhores microfones existentes no mercado, à mixagem e masterização).
Diria que este disco mostra que André Mehmari atingiu o domínio pleno de sua arte, e que este trabalho o coloca em um patamar em que muitos poucos selos independentes no mundo alcançaram: de serem primorosos na qualidade artística e técnica.
A todos os nossos leitores que reclamam que não existe na atualidade excelentes gravações artísticas e técnicas, ouçam Um Outro Adeus e garanto que mudarão de opinião imediatamente.