Opinião: SEM EQUILÍBRIO TONAL, NÃO HÁ SAÍDA

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HI-END PELO MUNDO
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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Achei, sinceramente, que seria apedrejado após o Opinião do mês passado. Por enquanto, do outro lado das linhas inimigas, silêncio absoluto. Não sei se isto é bom ou não.

Já deste lado da fronteira, muitos leitores (principalmente os mais novos e jovens), agradeceram os esclarecimentos e muitos nos contaram suas experiências com equalizadores, desde o som automotivo, como com seus sistemas microsystems herdados dos pais e irmãos mais velhos.

Interessante que estes leitores manifestaram que, à medida que escutam sistemas “melhores”, percebem que não existe a
necessidade de se equalizar ou corrigir nada. O que faz caírem por terra os que defendem que cada um escuta de uma maneira e então é impossível falar em certo ou errado.

Um grande amigo e excelente músico, ao ler o artigo do mês passado me lembrou que em um singelo rádio de pilha (aqueles de bolso que nossos avós ficavam a ouvir a partida de futebol nos domingos, sentados na varanda), são capazes de nos mostrar a diferença de um violino e um cello, ou uma voz soprano e contralto, então como defender a necessidade de equalização pessoal para se extrair todo o potencial de um sistema?

Agora o que um rádio de pilha ou um modesto três-em-um não consegue fazer? Nos mostrar a diferença entre um piano Steinway e um Bosendorfer, ou um violino de estudante e um Stradivarius. Ou as sutis diferenças entre a técnica de um virtuose e um esforçado músico.

Aí que se justifica a busca por sistemas cada vez melhores em termos de performance, para que se possa observar e se “deliciar” com os detalhes. E para os que não querem nada disso e se contentam apenas em ouvir sua música enquanto fazem outras atividades, não percam tempo nem dinheiro investindo em algo que não necessita e nem dá valor.

Mas, imagino que todos que nos leem têm algum interesse em realizar upgrades e ir melhorando passo-a-passo seu sistema, para que os momentos ouvindo sua música sejam cada vez mais prazerosos.

A todos vocês, existe uma questão que não tem como negligenciar e muito menos achar que existe alguma maneira de burlar e, ainda assim, ter um sistema correto.

Essa “pedra no sapato” de todo audiófilo chama-se: Equilíbrio Tonal!

Quanto antes você entender que o Equilíbrio Tonal é o “alicerce” de todo e qualquer sistema hi-end, menos erros você irá cometer e muito menos dinheiro irá perder. Pois sem essa bússola, este mapa, você fatalmente entrará por caminhos muito tortuosos e frustrantes, capazes de fazer sua decepção chegar a um tal limite, que você acaba desistindo deste hobby para sempre.

Conheço centenas de leitores e amigos do meu pai que chegaram a esta encruzilhada e ficaram tão decepcionados, que se desfizeram de seus sistemas e perderam todo o encanto em ouvir música.

Outros não desistem, porém se tornam “dependentes” de uma dúzia de discos ou faixas que seu sistema consegue tocar, expurgando muitas vezes centenas de gravações, sempre com o argumento que são gravações tecnicamente sofríveis e não dignas de serem ouvidas em seu “mega” sistema hi-end.

Conheço uma história verídica (e muitos audiófilos com a minha idade ou mais velhos também conhecem), de um audiófilo do interior de São Paulo que, tão desapontado por décadas buscando o setup ideal, desistiu e enterrou todo o sistema em uma aterro na cidade em que vivia.

Isto é fato, também convivi com um audiófilo que, no final da vida, escutava 12 trechos de 12 músicas apenas, de uma coleção de mais de 7.000 discos, em um sistema de mais de um milhão de dólares (essa cifra no final dos anos 90), pois era na sua opinião as únicas faixas que soavam como ele imaginava ser o correto (e nem eram tão corretas assim).

Outros (muitos outros), ainda que saibam dos erros e desequilíbrios do sistema e da sala, se refugiam no famoso “gosto pessoal”, mas que não se sustenta, à medida que discos que eles expurgaram, mas adorariam continuar ouvindo se o sistema tocasse, escutam com enorme prazer nos sistemas de amigos ou nos nossos Cursos de Percepção Auditiva.

Os leitores que fizeram nossos cursos sempre levaram seus discos mais “problemáticos” para ouvir em nossos Sistemas de Referência, e muitos têm a expectativa que o nosso Sistema fizesse milagres com gravações tecnicamente limitadas. Não entendem (ou não querem compreender), que uma gravação tecnicamente limitada não irá, por um passe de mágica, tocar magistral. Mas em um setup com um exímio Equilíbrio Tonal e no volume correto da gravação, não irá soar sofrível a ponto de não conseguirmos escutar.
E aí entra outra questão: ouvimos nossa música para saber o patamar de um sistema hi-end, ou temos um sistema hi-end para ouvir com maior prazer nossos discos?

Pois são posturas e propostas distintas.

E quando nossa busca é, primeiramente, pelo melhor Equilíbrio Tonal possível, ambas as propostas serão beneficiadas. Este é o pulo do gato!

Quando aprimoramos o Equilíbrio Tonal de nosso sistema e de nossa sala, o número de discos que temos para avaliar o sistema cresce, e os discos que amamos para “justificar” todo o esforço e investimento, também cresce.

Então por que ainda muitos audiófilos não entenderam que a porta de entrada correta para sermos assertivos e bem sucedidos na montagem do sistema dos nossos sonhos é o Equilíbrio Tonal?

E a resposta é tão óbvia que até parece ridícula!

A maioria dos audiófilos possuem enorme dificuldade em reconhecer o Equilíbrio Tonal certo do errado. Muitos acham que saber o que é grave, médio ou agudo, lhes dá o passaporte e livre trânsito para correr o mundo atrás do sistema dos sonhos.

E quanto menos referência de música ao vivo não amplificada ele tiver, menos apto a reconhecer o Equilíbrio Tonal ele está.
Vejo nos cursos que muitos confundem brilho com melhor agudo, coloração nos graves com mais grave, maior transparência com melhores médios.

E estes se assustam quando percebem que à medida que um sistema possui melhor Equilíbrio Tonal, instrumentos que ele achava difícil ouvir em seus sistemas, como flautim, violino, trompete com surdina – pois eram excessivamente agudos – perdem este brilho excessivo, essa dureza.

Tenho inúmeros exemplos para contar, de audiófilos que se negavam a ouvir flautim e violinos, por sempre soarem agressivos em seus sistemas. E sempre ressaltei que o primeiro sinal de que o sistema está errado no Equilíbrio Tonal, é quando toda e qualquer gravação de determinado instrumento fica inaudível! Seja pelo setup ou setup+sala.

E se o audiófilo for persistente e gostar de obras que tenham este instrumento, o que ele faz?

Busca maneiras de contornar o problema – e a primeira “grande” ideia são cabos! Cabos que tirem o brilho e a aspereza nas altas – ainda que ele saiba que sua sala de piso frio, gesso no teto e uma janela ocupando toda uma parede pode ser o causador de todo este desequilíbrio nas altas, até mais do que o sistema.

Mas, afinal, tentar corrigir a acústica demandará tempo, dinheiro e uma negociação com a cara-metade, que não vale a pena! Aí ele começa a peregrinação pelo cabo ou cabos que atenuem o problema, ainda que a compra deste cabo seja, às vezes, mais onerosa que a correção da acústica da sala.

E aí este audiófilo entra em um labirinto que ninguém sabe como vai acabar – mas eu sei. Vai acabar em jogar o problema para debaixo do tapete e aparecer um maior no lugar. Pois quando usamos cabos como “equalizadores”, iremos atenuar as altas e mudar o ponto de equilíbrio de toda a região média. Mas no primeiro instante, ao ver “resolvido” os agudos, ele se dá por satisfeito e acha que expulsou o “monstro” da sala. Exultante, convida os amigos e mostra como “corrigiu” o problema.

Ele esquece que todos nós temos uma memória auditiva de longo prazo, e que com o passar dos dias, ao escutarmos discos que não sofriam com o brilho nas altas, não soam mais da mesma maneira. Os agudos que eram tão agradáveis naquela gravação, agora parecem ter um lençol à frente. Aquele respiro na média-alta, que nas vozes femininas era tão presente, recuou.

Cadê o decaimento do sax tenor?

Ou a oitava mais alta do cello?

É sua memória de longo prazo, lhe cobrando o serviço mal feito, diria meu pai!

Levante a mão quantas vezes você já ficou animado com o uso de um acessório para extrair o excesso de graves, que dias ou semanas depois volta ao que era antes, pois o “acessório” já não pareceu mais tão maravilhoso?

Você certamente sabe o quanto o audiófilo é impulsivo e sem paciência, e aí vamos para o segundo problema que, de tão óbvio, também parece ridículo! Em todos os procedimentos para correção de setup, o audiófilo elege dois ou três exemplos que julga serem
suficientes para avaliações e correções de sistemas. Este é o erro mais frequente que vi em toda minha vida neste universo hi-end (alguns vão ainda mais longe neste erro, usando apenas “um” exemplo ou trecho de uma única música).

Meu amigo, fazer este procedimento é como bater a cara na parede. Pois ajustar um sistema hi-end e corrigir uma sala com problemas acústicos, não é como analisar uma onda senoidal com um ruído rosa!

A música é feita de fundamentais e harmônicos, de variações dinâmicas, de mudança de tempo e andamento, ou seja, de uma complexidade muito maior que sinais puros.

Por isso que uma sala tratada acusticamente pode ter uma resolução linda no analisador de espectro, e soar horrível ao se escutar música.

No final, é preciso o ser humano para escutar música naquela sala e um cérebro para dizer se chegamos lá ou não! E usar uma única música como referência, é cometer o mesmo erro de um sinal puro. Aí quando você se animar e começar a ouvir outros discos, outras faixas, o problema continuará lá. Pode ter até mudado de lugar, mas estará lá!

Então, fugir de enfrentar de cara a questão do Equilíbrio Tonal é inútil, dispendioso e muito caro! Pois, então, enfrente-o desde o começo. E para isso, o que mais precisamos são muitas gravações de diferentes estilos, épocas, e qualidades técnicas. Pois aí saberemos com segurança se estamos ou não caminhando na direção certa.

E eu garanto que o primeiro sinal consistente de que está caminhando, é conseguir ouvir gravações que antes eram inaudíveis!
Não estou dizendo que o Equilíbrio Tonal irá deixar bom o “ruim”. O que afirmo é que: quanto melhor o Equilíbrio Tonal, maior folga (e consequentemente, maior condescendência) seu sistema terá!

É uma equação simples e audível!

Outra dica, nada de música eletrônica turbinada e comprimida – use apenas gravações de instrumentos acústicos para essa busca do Equilíbrio Tonal.

Se tiver amigos que você julgue estarem em um estágio acima do seu, neste quesito, peça para ouvir as faixas dos discos que você escolheu para avaliação no sistema do seu amigo. Anote tudo que achar importante, não tenha vergonha de ir à campo fazer essas audições. E não se esqueça de um detalhe crucial: lembre-se que a maior referência para sua memória de longo prazo, é ouvir música ao vivo não amplificada.

Você irá se surpreender como nosso cérebro aprende rápido e como é importante que você memorize os timbres e as diferenças de um violino para uma viola, de um fagote para um oboé ou um corne inglês.

Parecem coisas sem muito sentido para os que acham que o fato de termos um sistema auditivo funcionando sem problemas, é mais do que suficiente para avaliarmos equipamentos – e não é!

Quanto mais ouvirmos e aprendermos a distinguir que instrumentos estamos ouvindo em nossos discos preferidos, mais poderemos ajustar com segurança o Equilíbrio Tonal de nossos sistemas. Pois muitas vezes o audiófilo se passa por “entendido” e experiente, e comete “gafes” homéricas!

Vou citar duas que ocorreram em dois dos nossos Cursos, com mais de 50 participantes. E com dois discos que nós gravamos.
O primeiro se deu quando estávamos mostrando a faixa 11 – Saudade do Brasil, do Tom Jobim, e ao término da faixa, abrindo a discussão para as impressões dos participantes, um deles se levantou e disse que no seu sistema o violino desta faixa era ainda mais sem extensão nos agudos que nos Sistema de Referência usados no Curso.

Deixei-o acabar de fazer suas considerações e perguntei se ele havia lido o encarte do disco. Ele prontamente disse que sim. Peguei o encarte e pedi para um participante ler os instrumentos que tocam nesta faixa: temos o piano no canal direito, uma viola ao centro e um violão no canal direito.

Ou seja, não tem um violino!

Mas, para muitos, viola e violino é “tudo a mesma coisa”. Assim como fagote e contrafagote, ou todos saxofones são só saxofones, etc. Este é um erro que nenhum audiófilo deveria jamais cometer, a não ser que ele tenha o objetivo de ouvir a sonoridade de equipamentos e não música nesses equipamentos. Pois só assim se comete o erro de achar que viola e violino é “tudo a mesma coisa”.

Este participante saiu para o coffee break, e não voltou mais para a segunda parte do curso.

O outro fato ocorreu com o Genuinamente Brasileiro Volume 1, faixa 10, em que o participante também achou a sonoridade do “contrabaixo” com arco pobre e com pouco corpo e quis saber se o instrumento era ruim, o músico, ou se a captação foi feita de longa distância?

Novamente fiz a mesma pergunta se ele havia lido o encarte, e novamente pedi para um participante na primeira fila ler o encarte: trata-se de um duo de um cello e um piano. Não tem contrabaixo – quem está sendo tocado com arco é o cello!

Para este audiófilo, que usa a música apenas para ouvir equipamento e não ao contrário, cello e contrabaixo também é “tudo a mesma coisa”.

E não pense, amigo leitor, que estes dois casos sejam exceção à regra, pois não são. Todos nós conhecemos audiófilos que subvertem a razão da audiófilia, deixando de investir em um sistema para melhorar a audição de seus discos, para usar alguns poucos discos para ouvir sistemas. Estes jamais entenderão que o primeiro passo, e o mais importante de todos, é buscar o Equilíbrio Tonal.

E o mais irônico, é que esses audiófilos também seriam favorecidos com esta busca, pois separariam com maior nível de segurança os produtos mais corretos, neste quesito, dos tortos. Mas como eles negam essa necessidade, suas conclusões também são tortas, assim como suas escolhas.

Sei que essa série de artigos pode estar sendo dura com muitos de vocês, mas como dizia minha avó: “Melhor um remédio amargo que cura, que um doce que não sara”.

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