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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Este mês, em vez de cinco discos, falarei de dois pianistas que admiro e acompanho há muitos anos, e de seus trabalhos.

O primeiro é o pianista Chick Corea, que nos deixou no dia 9 de fevereiro aos 79 anos de idade, vítima de um tipo raro de câncer que só foi descoberto seis meses antes dele vir a óbito. A primeira vez que ouvi o Chick Corea foi em 1971, na casa de um cliente do meu pai que tinha os belos Marantz 9 e um par de JBL Jubal. Foi o álbum duplo do Miles Davis, Bitches Brew, lançado em 1969.

Nunca senti meu pai tão incomodado e eu tão petrificado com algo que sequer imaginava existir – pedi para ver a capa e fiquei devorando a ficha técnica do disco.

Saímos de lá e a primeira frase dele ao abrir o carro foi: “Como acham que isso é música?”.

E eu com os meus botões: “Uau! Que fusão de rock e jazz maravilhosa!”

Ali se deu o nosso distanciamento musical, mas o respeito permaneceu por tudo que ele me ensinou e representou em minha vida.

A carreira solo de Chick Corea iniciou-se paralelamente às turnês com o Miles, com a banda de fusion Return To Forever e, logo, se tornou um dos ícones de referência do fusion no mundo. Filho de músico (seu pai era trompetista), logo se interessou por dois instrumentos: piano e bateria.

Em 1966 gravou seu primeiro disco – Tones For Joan’s Bones – e quando Miles estava procurando um novo tecladista para o seu álbum Bitches Brew, o produtor mostrou uma fita com Chick Corea tocando piano elétrico e Miles gostou daquela “digitação”, que tinha um tempo na mão esquerda muito preciso.

Depois de quase dois anos de estrada com Miles Davis, Chick Corea conheceu Anthony Braxton e um jovem e promissor baixista Dave Holland, e começaram a trabalhar em um projeto musical de jazz acústico, mas com uma linguagem vanguardista. Este período durou pouco, pois mais uma vez Corea ouviu dois talentos que começavam a despontar no cenário musical de Nova York, e ficou fascinado quando os ouviu no Village Vanguard. Estamos falando do guitarrista Al Di Meola e do baixista Stanley Clarke.

O Return to Forever durou uma década, e rendeu três Grammys e vários Discos de Ouro.

No final dos anos 70, novamente Chick Corea deu uma guinada ao conhecer o também pianista Herbie Hancock e o vibrafonista Gary Burton. Simultaneamente a esses dois músicos, também tocou e gravou excelentes álbuns com Miroslav Vitous, Michael Brecker e Roy Haynes.

No meio dos anos 80, paralelamente a todos esses trabalhos, montou a Elektric Band, e a Chick Corea Akoustic Band – trabalhos que foram lançados pela gravadora GRP.

No início deste século, fez alguns discos solo e em 2007 um excelente disco (que eu recomendo) em duo com o virtuose do banjo Béla Fleck.

Neste mesmo ano (2007) juntou-se ao guitarrista John McLaughlin (que havia também participado do disco do Miles Davis), e fizeram algumas turnês. Em 2008 com a pianista japonesa Hiromi, gravaram o álbum Duet (que também recomendo uma audição).

Entre 2009 e 2012, gravou e fez apresentações mais esporádicas – até que em 2016 formou uma nova banda, The Vigil, quando celebrou 75 anos, e fez uma série de apresentações em Nova York no clube Blue Note ao lado de inúmeros amigos, como: Herbie Hancock, Wynton Marsalis, John McLaughlin, Stanley Clarke, etc.

Sempre incansável, em 2019 reuniu um octeto de novos talentos para fazer um trabalho de fusão da música flamenca com a música latina. Trabalho que deu o nome de Spanish Heart Band.

Seu último trabalho gravado foi Antidote, lançado em 2019 com a Spanish Heart Band. Este trabalho derradeiro resume de maneira exemplar, e sintetiza magistralmente, a grandeza deste pianista para o jazz e todas as suas vertentes. É um disco que, em 11 faixas, nos dá uma ideia de como Chick Corea era um músico sem preconceitos e que sempre buscou conciliar estilos e gêneros musicais que aparentemente eram antagônicos.

Sua versatilidade em trabalhar o tradicional com as fusões nos dão a dimensão exata de sua importância para o jazz do final dos anos sessenta. Mas, como por trás de todo grande artista existe o homem, termino minha homenagem com um trecho de sua carta testamento lida por seus familiares no comunicado de sua morte: “Quero agradecer a todos aqueles que, ao longo do meu percurso, ajudaram a manter a chama da música incandescente. É minha esperança que todos os que têm uma intuição e inclinação para tocar, compor e atuar, ou qualquer outra coisa, o façam. Se não o fizerem por vocês, façam pelo resto de nós. Não só o mundo precisa de mais artistas, como também é mesmo muito divertido.”

A outra pianista que muito admiro é cubana, e se chama Marialy Pacheco. Nascida em Havana em 1983, Marialy veio de uma família musical e começou a estudar piano com apenas 6 anos de idade. Seu talento logo foi notado e ela conseguiu uma bolsa no disputado conservatório musical Alejandro Garcia Caturla.

Com 15 anos, frequentou a Escola Nacional de Artes, seguidos de três anos de composição com o maestro Tulio Perrano no Instituto Superior de Artes de Havana.

Em 2002, ela ganhou o concurso cubano Jo-Jazz, em que o principal juiz do evento era o também pianista Chucho Valdés, que ficou impressionado com a técnica e a criatividade de Marialy. Dois anos depois, ainda em Cuba, gravou seu primeiro disco: Bendiciones.
Cuba ficou pequena para o seu enorme talento, e em 2004 depois de cinco meses de turnê pela Europa e críticas excelentes tanto em suas apresentações solos, como com seu trio, mudou-se para a Alemanha. E lá praticamente construiu toda a sua carreira.

Em 2013 ela foi convidada para se apresentar, no jubileu de 185 anos da Bosendorfer, como a única pianista de jazz para o evento que reuniu dezena de pianistas de música clássica, e sua apresentação teve tamanha repercussão que, em 2014, Marialy foi anunciada como a primeira pianista de jazz em todo o mundo a ser uma artista Bosendorfer oficial!

Ainda querendo ampliar seus horizontes musicais, em 2014 ela estreou como pianista clássica realizando concertos de Bach com a Orquestra Sinfônica de Brisbane, na Austrália, regida pelo maestro Gustavo Gimeno.

Em 2016, Marialy lançou o projeto mais ambicioso de sua carreira: o Danzon Cubano junto com a Orquestra WDR Funkhaus, em shows no evento Beethovenfest, em Bonn. E em 2017, foi reapresentado com a Filarmônica de Koln e no Viersen International Jazz Festival.
Ainda em 2017, lançou seu novo trabalho Duets, um álbum com amigos queridos que ela fez ao longo dos últimos dez anos. Entre eles, Hamilton de Holanda, Omar Sosa, Joo Kraus, Rhani Krija, Miguel Zenón e Max Mutzke.

Dois anos depois, em 2019, ela lançou a versão ao vivo do Danzon Cubano (uma das três gravações que aqui indico). Em termos técnicos e artísticos, é o seu melhor trabalho até o momento – em minha humilde opinião.

Junto com ele indico na Playlist deste mês o disco Introducing, um trabalho de 2014, com seu novo grupo, formado por músicos jovens colombianos (todos excelentes). Eu sugiro que o amigo leitor comece a audição deste trabalho mais intimista de Marialy pela faixa cinco – Cuban Suite (Danzón), que em sua introdução nos remete aos impressionistas franceses e nos dá uma pista dos futuros passos desta exuberante pianista, que começa a fazer uma síntese da pianista de jazz e a pianista clássica, que certamente nos brindará com discos ainda mais belos e singelos no futuro!

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