Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Na minha infância e adolescência – décadas de 70 e 80 – a audição de música como entretenimento nos lares era algo muito mais difundido do que hoje. Hoje tem internet, WhatsApp, memes, YouTube, Instagram, Netflix e afins – hoje é todo mundo ultra ‘multimídia’!
Aparelhos de som, a compra mensal de discos – e a audição profunda e séria dos mesmos – assim como a compra de livros, o eventual cinema, e um ou dois filmes por semana na TV, eram toda a diversão que havia. E adorávamos! E interagíamos mais uns com os outros!
A minha família incluía duas pianistas, uma violonista em estado embrionário, e dois fãs e entendidos de música clássica – e isso incluía, obviamente, dois audiófilos: meu avô, com seus valores audiófilos das décadas de 50 e 60 e seus valvulados, e meu pai, cujo sonho do equipamento de alta performance se concretizou na virada da década de 70 para 80.
Muitos dos valores audiófilos (e melômanos) que me foram passados pelo meu pai nesse período, eu carrego até hoje. Posicionamento de caixas, imutável depois de atingido, e marcado no chão. Uso de melhores cabos para melhor resultado sonoro. Sentar-se no ‘sweetspot’ para percepção do palco e da localização dos instrumentos. Aí que eu aprendi que os equipamentos de som não vinham com duas caixas por capricho, ou para custar mais caro – eles eram (e são!) estéreo, e a palavra ‘stereo’ significa ‘sólido’ em grego! Ou seja, é preciso de duas caixas para formação de uma ‘imagem sólida’ do acontecimento musical à frente do ouvinte!
Aprendi em casa, e carrego até hoje esses valores e conceitos e ideias – e alguns deles só fui ver e ouvir de novo em outros lugares, décadas depois!
Recentemente, conversei com o Fernando Andrette sobre as ideias errôneas do uso do equalizador – principalmente a de que o equalizador irá corrigir aspectos qualitativos, como a acústica da sala, ou achar que a adequação da curva de resposta de frequência de um setup ou de um fone de ouvido para o ‘gosto pessoal’ é algo válido (a famosa visão moderna de mundo onde o ‘mundo tem que se adequar’ à pessoa).
Nesse papo eu lembrei do equalizador que meu pai tinha, no sistema dele, em 1980. ‘Ó sacrilégio dos sacrilégios! Um equalizador?!? Queimem ele em praça pública!”… rs… O fato é que esse equalizador, um Micrologic (melhor marca nacional para esse tipo de aparelho, à época), nunca foi usado com uma curva tipo ‘sorriso’ – ele nunca foi usado ‘em vão’!
Explico: meu pai sempre foi um audiófilo muito consciencioso – e, como eu, sempre voltado a resultado e não a fazer pose. Cada componente do sistema foi escolhido à dedo, na época. Então, por que um equalizador?
Bom, para começar, eu nunca tinha visto um equalizador, então nem sabia o que ele fazia – e eu mesmo nunca tive um equalizador em meu sistema, e até hoje não tenho.
Meu pai, pacientemente, explicou como funcionava, e o porquê tê-lo: ele iria regular o mesmo milimetricamente, para tirar o melhor resultado do sistema para ouvir música clássica. Ele queria o resultado que mais se parecesse com a música clássica sendo ouvida em um teatro ou auditório, ou seja, ao vivo, em matéria do que hoje chamamos ‘equilíbrio tonal’. Ou seja, fazer pequenas correções, de dois ou três decibéis no máximo, em todas as frequências que aquele equalizador oferecia.
O ajuste do tal equalizador demorou algumas semanas – meu pai era dos que ouvia uma ou duas horas de música todos os dias, depois do jantar, e outras tantas nos fins de semana.
A curva resultante dava uma mínima ênfase em algumas frequências do médio-grave, uma acentuação maior em quase toda a área média e um pouco na média-aguda. As primeiras frequências do grave ficaram em flat (nossas caixas tinham mais de um metro de altura e dois woofers de 10 polegadas em cada caixa, então não precisavam de reforço nos graves), e não havia quase nenhuma ênfase nas frequências mais agudas, já que o sistema respondia bem, e os tweeters das caixas eram tipo ribbon, com uma resposta mais limpa e cristalina.
Trocando em miúdos: uma curva quase flat, com alguma ênfase nos médios. Um levíssimo ‘sorriso de cabeça para baixo’. E assim ficou, imutável, durante pouco mais de 10 anos. Meu pai anotou cada posição do equalizador, e amaldiçoou com as Sete Pragas do Egito Antigo quem quer que mexesse naquilo. Aquilo era o ajuste fino, a adequação daquele sistema e daquelas caixas à sala, feitas por um conhecedor, colecionador e especialista em música clássica, com décadas de concertos ao vivo registrados na memória e na experiência.
Seu uso de um equalizador é o mais criterioso que eu já tive notícia até hoje!
Critério & Conhecimento – baseados em estudo e experiência.
Eu usaria um equalizador hoje, mesmo usando essas ideias? Não. Simplesmente porque hoje existem uma série de outros recursos menos invasivos, e porque os equipamentos – inclusive as caixas – tem muito mais folga e equilíbrio que os de 40 anos atrás.
Mas a lição foi sábia. E aprendida.
1 Comment
Sr. Christian, entendo o teu ponto de vista. A pergunta que lhe faço é: os seus ouvidos ouvem hoje o que ouviam há 20 anos? Tua audição é imutável? Eu te respondo: evidentemente NÃO. Então, normalmente com o avanço da idade há uma perda auditiva principalmente na região das altas frequências. Sendo assim, para que continues a ouvir decentemente, há necessidade de incremento físico pelo aparelho dessas frequências mais altas. Somente isso. Simples assim. Além disso, cada pessoa tem uma acuidade auditiva (como a visual também) própria. Vocês da revista teimam em não aceitar essa realidade. Eu não falo pelos outros, falo por mim e sei das minhas deficiências auditivas, comprovada em mais de um exame audiométrico. Se não quiseres usar equalizador, decisão tua, mas estarás perdendo algo da música que estás ouvindo.