Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Eu sempre estou fuçando novos artistas, nova música, na Internet. E é uma tarefa um tanto hercúlea, já que o que recebe destaque é apenas o mais popular, promovido pela mídia mainstream. Ou seja, o que dá mais dinheiro, que é mais popular, é o que hoje é oco e superficial, destinado a quem consome música como pano de fundo, ou tem que observar as modernidades e o mundo dos descolados – leia-se: a moda.
OK, está certo que é assim fazem anos e anos, que o intuito das empresas é ganhar dinheiro na alta quantidade vendida de música, que é focada na juventude (engraçado que, em um termo geral, eu não consigo me considerar ‘velho’, a não ser pelas dores em tudo quanto é lugar – então deve ter algo de diferente com a minha cultura).
Antes que eu ache que a minha cultura é diferenciada porque eu sou algum tipo de ovelha desgarrada estranha, eu olho à minha volta e vejo uma enorme produção alternativa, de gente que acaba cuidando de sua própria promoção, que começa gravando praticamente em casa, e dando a cara para bater ao se apresentar no circuito de bares e em locais pequenos, como o baixista israelense Adam Ben Ezra – que começou a aparecer na Internet e no cenário musical há pouco mais de uma década. Ou pequenos grupos de grandes instrumentistas jovens argentinos, com suas belas versões modernizadas do tango, como é o Será Una Noche – que ganharam notoriedade audiófila por terem sido gravados (duas vezes!) por um selo de alta qualidade sonora, também no século 21!
Desta vez, na lista do Tio Christian de indicações de alta qualidade musical e sonora, temos os seguintes. Primeiro um jazz moderno com toques de worldmusic, por parte de um contrabaixista acústico israelense. E, segundo, temos uma das grandes e mais malucas cabeças do rock, e um de seus poucos discos em formato clássico erudito, sendo este, a bem da verdade, seu último disco antes de seu falecimento. E, para finalizar, um disco audiófilo por excelência, mostrando a grande qualidade artística de um grupo moderno de tango.
Vamos à eles:
Este é mais um artista cujo trabalho eu conheci pela Internet, mas não me lembro precisamente como. O que eu posso dizer é que foi através de redes sociais ou mesmo por fuçar no maior ‘armazém’ moderno de grandes músicos: o site Bandcamp. Muitas vezes a gente descobre alguma música interessante, vai ver quem são os músicos envolvidos, e descobre que alguns deles a gente conhece (como músicos de estúdio ou mesmo participantes de bandas conhecidas), ou simplesmente é algo novo feito por alguém novo.
O fato que Adam Ben Ezra toca contrabaixo acústico, e baixo sempre foi um de meus instrumentos preferidos. E, justamente, o primeiro trabalho de Adam que eu ouvi foi a faixa Can’t Stop Running, que foi usada em um clipe caseiro justamente para divulgação do músico, ainda antes do álbum ser lançado – isso eu lembro claramente.
Can’t Stop Running impressiona logo de cara, porque Adam usa ocasionalmente pedal de loop – para ‘sequenciar’ partes do que ele toca – e ele tanto toca nas cordas do instrumento, quanto batuca no corpo do mesmo. E isso resulta, além da sonoridade rica, e de um toque de modernidade (quando bem feito), um trabalho que sempre põe o contrabaixo em primeiro plano. É um espetáculo interessante de se assistir, especialmente em videoclipe – nem imagino como são os shows, que obviamente foram os maiores impulsionadores da carreira de Adam. Aliás, é engraçado que ele já está no quarto ou quinto disco, desde esse primeiro de 2015, e são todos lançados de forma independente, todos promovidos graças à Internet e seus shows, e dois deles existem em vinil! Isso prova o quanto mudou a maneira de um músico de promover e viver disso.
O disco Can’t Stop Running é o primeiro álbum completo de Adam – com músicos acompanhando, o chamado Adam Ben Ezra Trio. Foi precedido por alguns singles que ajudaram a fama do músico, que incluem versões interessantes da música Billie Jean (de
Michael Jackson), e dos temas dos seriados Dexter, Mad Men e South Park, além de um disco, também independente, de baixo solo (que traz a primeira versão da faixa Can’t Stop Running, para baixo solo). O Adam Ben Ezra Trio é Adam na voz, piano, clarinete e contrabaixo, Gilad Dobrecky na percussão, e Adam Ben Amitai na guitarra elétrica e clássica. Além disso, há uma participação de Chen Shenhar, no violino e viola, em duas faixas. Can’t Stop Running foi financiado pelos fãs, em esquema de ‘crowdfunding’ através da Internet.
Para quem é esse disco? Para todos os fãs de contrabaixo, acústico ou não, para os fãs de jazz moderno, de música instrumental bem tocada, de bons e interessantes arranjos – aqueles que podem ser ouvidos de maneira mais superficial, assim como podem, se o ouvinte prestar bem a atenção, se mostrarem mais complexos do que à primeira vista.
Adam Ben Ezra nasceu em 1982, em Tel-Aviv, no Estado de Israel. A história dá conta de que ele foi, em sua maioria, autodidata, começando com o violino aos 5 anos de idade, e a guitarra aos nove. Aos 16 anos, apaixonou-se pelo baixo que, primeiro, foi o elétrico e, pouco tempo depois, o contrabaixo acústico – que é seu instrumento principal até hoje. Mas Adam toca também guitarra, piano, oud, cajón, clarinete e flauta.
Adam começou sua carreira em jazz clubs e cafés, e tocando com diversos grupos e formações, além de tocar em uma faixa do disco ‘Chimes Of Freedom: The Songs Of Bob Dylan’, uma compilação para caridade, feita pela Anistia Internacional. A partir de 2013 suas apresentações ao vivo cresceram para a Europa e EUA, além de participações em festivais e em trabalhos de outros artistas.
E, para os fãs da categorizações, não podem faltar aqui as da música de Adam Ben Ezra, que incluem jazz, modern jazz, worldmusic, rock, folk e country. Volto a dizer: apesar de eu não gostar da criação e uso indiscriminado de categorizações, de ‘rótulos’ musicais, acho interessante listá-las, para que possam ter uma ideia melhor das nuances e influências dos trabalhos de cada músico ou grupo.
Atenção especial deve ser dada às faixas Can’t Stop Running, e Prayer, entre outras. Sensacional disco de estréia de um artista de grande musicalidade. Ouça muito!
Pode ser encontrado em: CD / Download / Vinil / Serviços de Streaming selecionados. Além dos streamings, o trabalho de Adam Ben Ezra pode ser comprado diretamente em seu site e no Bandcamp – tanto para download como em CD. Porém, o vinil está com a tiragem esgotada, então este somente no mercado alternativo.
Não sou nem o mais fanático e nem o mais assíduo ouvinte de Frank Zappa – acho que a minha primeira lembrança dele é o clipe da faixa You Are What You Is, de 1981, que mostrava bem a irreverência dele, assim como um monte de críticas políticas e sociais, o que Zappa sabia fazer muito bem, de maneira inteligente.
Tanto que a segunda lembrança que eu tenho dele é de ir em lojas de discos e ficar olhando os nomes das músicas, e rindo muito. Alguns dos nomes são: Harder Than Your Husband (Mais Duro que Seu Marido), Sinister Footwear (Calçados Sinistros), Truck Driver Divorce (Divórcio de Caminhoneiro), e Easy Meat (Carne Fácil), entre muitas e muitas outras, já que a discografia de Frank é composta de não menos que 55 álbuns, ao longo de pouco mais 20 anos. Alguns poucos deles, claro, são lançamentos póstumos, mas a maioria foi em vida.
Zappa foi, por vezes, acusado de ser mais comediante do que músico – o que ocasionou, diz a lenda, a feitura de um disco triplo, em uma resposta enviesada ao crítico, chamado Shut Up And Play Your Guitar (Cale-se e Toque Sua Guitarra).
Estava completamente ciente de que ele passou seus últimos anos dedicado a compor trabalhos para orquestras – nada muito fácil de digerir, já que um dos maiores ídolos de Frank foi o francês Edgar Varèse, um compositor de música erudita, ativo na primeira metade do século XX, que quis romper com a estética vigente (a do passado), e acabou por dar ênfase à percussão, uso de ruídos eletrônicos (tanto que acabou sendo chamado de “Pai da Música Eletrônica”). Varèse dizia que as pessoas consideravam como barulho toda a música nova. Vou me abster de dar opinião sobre essa afirmativa… Zappa chegou até a receber uma carta do compositor, mas não chegou a conhecê-lo pessoalmente, já que Varèse faleceu em 1965.
Mas é claro que a música de Varèse não é nem um pouco fácil de ouvir (para dizer o mínimo), então as incursões de Frank Zappa fora de seu metiê de rock, folk, pop, fusion, não são fáceis de ouvir também. E esse é o caso do disco The Yellow Shark, um disco ao vivo que coleta de várias apresentações do grupo Ensemble Modern, sendo que quatro das faixas foram regidas pelo próprio Zappa, poucos meses antes de falecer, em 1993, de câncer (e foi sua saúde que o impediu de reger todas as faixas). Zappa, que chegou a ter sua regência ovacionada por mais 20 minutos, depois declarou que The Yellow Shark foi uma das melhores experiências da vida dele, e a interpretação de suas obras por um conjunto ou orquestra que mais fez jus à elas.
Eu já havia desistido de tentar apreciar as obras orquestrais de Zappa, até que o meio audiófilo trouxe à baila The Yellow Shark. Por três motivos: a música é muitas vezes bem interessante, apesar de difícil de ouvir e apreciar, e porque é estupidamente bem tocada pelo Ensemble Modern, e porque é uma gravação de fenomenal qualidade sonora – entre as melhores que eu já ouvi.
Para quem é esse disco? Fãs do Frank Zappa, fãs de música concreta do século XX, e de música moderna, pessoas que queiram apreciar o que consegue fazer um conjunto acústico como o Ensemble Modern. E, claro, para os que queiram ouvir como seus sistemas respondem a ótimas dinâmicas naturais, fortes e rápidos transientes, e as belas texturas que só os instrumentos acústicos tem – destaque especial aqui para metais e percussões.
Frank Vincent Zappa nasceu em 1940 em Baltimore, nos EUA. O mais velho de quatro irmãos, é filho de um siciliano com uma descendente de italianos. Seu pai foi um químico e matemático que trabalhava para a indústria de Defesa norte-americana. Zappa sofreu de problemas respiratórios na infância – que ele atribui à proximidade da fábrica de Gás Mostarda, onde seu pai trabalhava – e que chegaram a ser tratados com radiação. Apesar de não haver uma conexão confirmada por estudos, esse tratamento pode ter levado à morte de Zappa por câncer em 1993.
Polêmico, crítico à drogas, governo, política, censura e religião, ele foi muitas vezes crasso, mas frequentemente inteligente. A obra extensa de Zappa sempre foi muito elaborada, e ele cercou-se de numerosos músicos de alta qualidade. A música dele é amada por muitos, e incompreendida por outros tantos. É um gosto adquirido!
O Ensemble Modern, o grupo instrumental que toca as obras de Zappa nesse disco, nasceu em Frankfurt, na Alemanha, mas dentre seus mais de 20 membros, estão músicos de várias nacionalidades. O ensemble, dedicado à obra de compositores modernos e contemporâneos, traz cordas, metais, sopros e piano, além de bateria e percussão.
Destaque para as faixas G-Spot Tornado, e Dog Breath Variations – de um disco complexo e um bocado difícil de ouvir, mas extremamente bem tocado e bem gravado.
Pode ser encontrado em: CD / Serviços de streaming selecionados. O CD tem um som melhor, mas eu ouvi o streaming com muito prazer – então é uma das boas transferências digitais feitas para essa mídia.
Outro disco que apareceu através do meio audiófilo. É um disco audiófilo por excelência, mas com excelente qualidade musical (sim, foi isso mesmo que eu quis dizer… rs). Usei algumas faixas dele, e do primeiro disco do mesmo grupo, como referência para testes e ajustes, durante muitos anos.
Todos os valores audiófilos estão aqui: gravação quase sem compressão, ambiência absurda que quase faz parte da obra, microfonação minimalista, equipamento de gravação minimalista e de altíssima qualidade, e um engenheiro de gravação que é sempre lembrado e muito bem vindo no meio audiófilo, que se preocupa com a prensagem dos CDs, com os arquivos para download em hi-res, e com o vinil de ‘180 Tios-Patinhas’.
E, ainda assim, traz música de primeira qualidade, bem tocada tecnicamente, tocada com alma (até porque é tango!). Tirando o pó de cima do ‘Dicionário de Categorizações Musicais da Internet e da Crítica’ (obra não existente), consegui achar o trabalho do Será Una Noche sendo chamado de: tango, latino, folk, worldmusic e country.
O projeto Será Una Noche foi encabeçado pelo percussionista Santiago Vázquez (que também atua como co-produtor) que, junto com o produtor, tiveram a ideia de um grupo que misturasse o tango tradicional milongueiro com outras influências folk argentinas, com um toque moderno. A escolha do repertório, assim como os arranjos, ficaram totalmente por parte dos músicos. Além de Vázquez, completam o grupo: Lidia Borda (voz), Marcelo Moguilevsky (clarinete, clarone, flautas, harmônica e assobio), Edgardo Cardozo (guitarras e voz), Martin lannaccone (cello e voz), e Gabriel Rivano (bandoneon).
Para quem é esse disco? Bom, todos os fãs da música que Piazzolla fez chamando-a de Tango Nuevo, que modernizava o tango e trazia influências de outros gêneros, especialmente o jazz e o clássico. É para todos que gostem de música acústica de boa qualidade. E é para todos os audiófilos, claro – tanto os que têm longa estrada e deixaram este disco escapar, quanto os mais novos que estão entrando no hobby agora.
O produtor, o americano Todd Garfinkle, é uma figurinha carimbada no meio audiófilo. Apesar de ter fundado a gravadora MA
Recordings no Japão em 1988, e ser o produtor e o engenheiro de gravação de todos seus discos, desde então, Garfinkle também é quem recebe as pessoas em seu stand nas feiras de áudio internacionais, e é ele mesmo que vende cada um dos CD e LPs, no mesmo stand. Provavelmente é ele também quem endereça os envelopes com CDs vendidos pelo seu site, e os leva ao correio.
No começo da década de 90, quando a maioria moderna procurava gravar em 20-bit/44.1 kHz, ou mesmo 24-bit/44.1 kHz,
Garfinkle já se dedicava a gravar em 96 kHz – hi-res – graças ao uso de um protótipo do gravador DAT da Pioneer modelo D-07, com várias modificações internas, principalmente na fonte de alimentação e na filtragem digital, além de entradas XLR. A filosofia de microfonação de Garfinkle – que ele usa até hoje – é extremamente simples: apenas um par de microfones omnidirecionais espaçados, que usam cápsulas B&K (hoje DPA, entre as melhores do mercado), mas que têm sua própria alimentação feita por baterias, com pré-amplificadores internos em cada microfone, soltando sinal de linha. O sinal trafegava, então, por um cabo de 10 metros Cardas Golden Cross, indo direto para a entrada XLR do DAT Pioneer.
Assim foi gravado o primeiro disco do Será Una Noche, em 1999. Já em 2003, o grupo voltou ao mesmo local, para gravar o La
Segunda – e, segundo consta, os microfones e os cabos permaneceram inalterados. Garfinkle, claro, várias vezes alterou seu gravador de uso, de acordo com novas tecnologias de gravação, ou quando as mesmas tornavam-se disponíveis – como o uso, atualmente, de um gravador DSD da Korg modelo MR-2000S, também com upgrades. No caso específico do La Segunda, o site da MA Recordings vende o download das faixas em hi-res 24-bit/176.4 kHz (segundo Garfinkle, o master original), para o deleite dos audiófilos!
O local escolhido para a gravação de ambos discos foi um Monastério, construído na década de 1930, próximo à cidade de Buenos Aires, na Argentina, no pequeno pueblo de Gándara – o qual era mantido pela empresa de laticínios Gándara, cuja fábrica era próxima. Infelizmente, em 2008, a Gándara faliu, deixando de manter o vilarejo e o monastério – e ambos estão abandonados e se tornando ruínas, há 13 anos.
A escolha do Monastério Gândara combina muito com a filosofia de Garfinkle de sempre gravar em ambientes grandes e de reverberação muito viva, como igrejas e galpões – e deles resultam sempre gravações com ambiência enorme e natural, e que nunca passam por nenhuma edição ou processamento, nenhuma alteração daquilo que foi captado pelo par de microfones. E essa é sua receita de altíssima qualidade sonora. Garfinkle também declarou que o Monastério Gándara foi ideal pois, por causa de seu isolamento, não havia ruídos de fundo de automóveis, assim como as interferências de RF e de rede elétrica eram mínimas.
O destaque especial vai para as faixas Betinotti, e Gricel, e quase todo o disco!
Pode ser encontrado em: CD / SACD / Vinil / Download / Streamings selecionados. No streaming está ótimo, até porque veio das mãos de uma gravadora pequena, então não passou por processos de remasterização nocivos. O CD e o SACD são realmente excelentes, porque são gravações feitas originalmente em digital – e até porque Garfinkle supervisionou ele mesmo a transferência para máster de CD e para SACD. E o vinil… bom, o vinil é de 180 ‘diamantes’, digo, ‘gramas’, e é um dos ‘Santos Graals’ da audiofilia – em matéria de qualidade sonora – todos os vinis da MA Recordings o são. O LP de La Segunda foi masterizado em DSD a partir dos arquivos originais PCM 24-bit/176.4 kHz, exclusivamente para a prensagem dos vinis. E, respondendo a pergunta de alguns: sim, existem muitos excelentes vinis tirados de máster digital.