Christian Pruks
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Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio
O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar algo antigo.
Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!
Seja em vitrine de lojas, casas de amigos abonados, ou fotos em revistas, todos temos brinquedos nos quais nunca pudemos nem encostar nossas mãos – às vezes nem em sonho! A maior parte de nós cresce, e passa a pensar em outras coisas, e outros são colecionadores – um amigo de 60 anos de idade, por exemplo, tem um quarto em casa com todos os brinquedos que não pôde ter quando era criança.
MADE IN JAPAN
Na segunda metade da década de 60, quase todas as marcas japonesas de equipamentos de áudio ‘consumer’ estavam aderindo ao transistor: barato, estável e potente. E o mercado mundial começava a ser tomado de assalto pelos equipamentos ‘Made in Japan’ – e consumiram tanto que esses equipamentos se tornaram o padrão mundial, no mínimo pelas duas décadas e meia seguintes!
Claro que o mercado de áudio consumer acabou virando micro-systems e, depois, home-theater in-a-box, portáteis, fones de ouvido e soundbars.
Mas o grupo que mais reclamou desses aparelhos geralmente japoneses e seus conceitos – hoje chamados de ‘vintage’ devido à sua idade – foram os audiófilos, que não gostam de sua baixa qualidade sonora. Mas será que todos vintage têm mesmo um som ruim para os padrões atuais de qualidade e os padrões audiófilos? A maioria é bem fraquinha, sim. Infelizmente. Por inúmeros motivos, que incluem maus projetos, baixa preocupação e entendimento do que é qualidade sonora, filosofias ruim – e, claro, tocavam pior ainda devido à sua má utilização: zero preocupação com cabos, com posicionamento correto, e até com o correto ajuste (que inclui o uso da porcaria do controle tonal e do botão de Loudness, para não falar de aparelhos que vinham com um equalizador).
No extremo oposto, tem alguma coisa sobre a qual os fãs de Vintage estão certos, e os audiófilos estão errados? Em matéria de qualidade de som: nada! Existem outros fatores, e existem aparelhos antigos que são belíssimos, obras de arte em matéria de design – mas aí a finalidade é outra, e é melhor nos atermos, aqui, à qualidade sonora. Nunca vou entender como alguém que gosta de música e de aparelhos de som pode ter outras prioridades acima da qualidade sonora…
Mas será que existem alguns aparelhos vintage que tocam decentemente e até surpreendem? A resposta é: sim!
O AMPLIFICADOR INTEGRADO SANSUI AU-999
Em 1970, uma das mais célebres e sérias empresas de áudio japonesas lançou seu primeiro integrado topo de linha transistorizado, o AU-999, provendo 50W por canal em 8 ohms (70W em 4 ohms), oferecendo duas entradas Phono (ambas Moving Magnet), duas entradas de linha, entrada para dois Tapes (com monitoração e dubbing), filtros de graves e de agudos (que ninguém nunca usou!), saídas para três sistemas de caixas acústicas, e um controle tonal bastante complexo e configurável.
E, para felicidade geral de todo o universo que queria – e quer – melhor qualidade sonora: os controles tonais podem ser desligados! E nem tem botão de Loudness! rs…
E toca bem? Sim!
O AU-999 é bonito (me agrada bastante), com um design mais anos 60 do que 70, e é construído como se fosse um tanque de guerra. Quem mexer com um AU-999 tem certeza que depois do fim do mundo, sobrarão eles, e as baratas! Basta operar alguma das chaves do painel, e você terá certeza que os AU-999 perdurarão além das baratas. A própria construção interna dele (veja foto) é superior à maioria dos amplificadores da época.
MODELOS SEMELHANTES
Achar aparelhos antigos que tocam bem, é uma dificuldade grande – muito maior do que se pensa, porque raramente os ouvimos, na época, em sistemas que contribuíssem ou, muito menos, revelassem essa qualidade geral chamada de: Equilíbrio Tonal!
Mas eu tive a oportunidade de ouvir alguns poucos amplificadores Sansui, o suficiente para passar a ficar atento a esses aparelhos, positivamente surpreso por eles. E aí descobri que existem verdadeiras comunidades de aficionados. Portanto, entre ouvir um aqui e ali, e ler depoimentos de várias pessoas, posso citar modelos que são muito considerados pela comunidade, quase todos sem Loudness, todos bem parrudos, e todos com botão para desligar o controle tonal e ouvir em ‘flat’!
O modelo AU-9500 é o sucessor do 999, feito a partir de 1973, com 80W por canal (ainda não tinha chegado a Guerra da Potência da década de 80), e é considerado por muitos o melhor Sansui já feito – mesmo sendo o 999 mais Equilibrado entre clareza e graves.
Já o AU-919 tem 100W por canal e com Phono MC, e é um pouquinho mais seco, menos ‘quente’ e mais refinado que o 999, com uma sessão de pré com JFET, provendo menor ruído e maior dinâmica. Mas não é tão equilibrado.
O belo AU-D707X Decade, já da década de 80, com 130W por canal e phono MC, é considerado tão bom em médios e agudos quanto o AU-999, mas sem o mesmo grave, sem o som mais ‘quente’. E essa é uma típica assinatura sônica da década 80.
A marca fez muitos amplificadores integrados entre os anos 70 e 80, todos fortes, energéticos, alguns mais equilibrados do que outros, e alguns mais ‘apropriados’ para as caixas acústicas da época: um faroeste de desequilíbrio tonal e divisores mal feitos com drivers de má qualidade todos ‘desencaixados’ entre si.
Porém, entre os mais conhecidos em bem falados Sansui, estão AU-717, AU-D11 II, AU-7700, AU-10000, 9090DB, AU-X1, AU-D101, AU-D33, e muitos, mas realmente muitos outros – nessas duas décadas de ouro. Um bom passatempo – que eu gostaria de poder fazer na prática – seria comprar todos os integrados mais fortes e de linha mais alta que a Sansui já fez, revisar todos, e avaliá-los em um sistema audiófilo de entrada honesto, com um par de torres decentes e usando um bom streamer de fonte, com cabos de boa qualidade, tudo bem equilibrado e posicionado. Diversão por um bom tempo, e para uma longa conta bancária!
COMO TOCA O SANSUI AU-999
As pessoas que ouviram o AU-999 na década de 70, 80 e 90, cada um o fez com um tipo e padrão de caixa acústica diferente: as caixas de cada uma dessas épocas! A maioria com tendências sonoras diferentes umas das outras, e sem pé nem cabeça.
A ideia de caixas acústicas ‘equilibradas & corretas’ é bem mais recente que isso, sendo que caixas bookshelf com graves decentes é praticamente algo da última década.
Eu já ouvi vários integrados vintage com books da última década, e com pequenas torres das duas últimas décadas – em condições boas, em ‘flat’, e com bons LPs e CDs tocando. Entre esses, o Sansui AU-999.
Por algum motivo, para o padrão atual – de equilíbrio e som quente – o AU-999 é excelente, e já o vi tocar melhor que muita amplificação da década de 90 e começo dos anos 2000.
A melhor definição que eu vi sobre ele é que ele “Soa Moderno” – que eu leio como “Soa Atual”. É suficientemente ‘quente’, equilibrado e surpreendentemente detalhado, principalmente para um amplificador de 1970 e um dos primeiros transístores de uma marca que demorou alguns anos a mais que concorrentes como Sony, a deixar a válvula e aderir ao transistor.
SOBRE A SANSUI
A palavra ‘Sansui’ significa “Montanha e Água”. A empresa nasceu em 1947, em Tóquio, pelas mãos de Kosaku Kikuchi, que resolveu fabricar componentes de melhor qualidade para rádios e, na década seguinte, amplificação valvulada em kits – sendo que seu primeiro conjunto de pré e power estéreo nasceu em 1958.
Com a reputação de amplificação e tuners valvulados solidificada na década de 60, a Sansui fincou seus pés no mercado com transistorizados, em 1970, destacando-se mundialmente nas duas décadas seguintes, com linhas completas de eletrônicos de áudio, de caixas à fones de ouvido, de toca-discos de vinil à tape-decks. Principalmente seus amplificadores, seguiram um constante avanço em suas tecnologias de circuito, ao longo das décadas.
O declínio da popularidade de seus produtos seguiu-se, ao final da década de 90, pelo fechamento de fábricas e encerramento de atividades. Hoje o nome Sansui pertence, no Japão, à fabricante de eletrônicos de consumo Doshisha, e no resto do mundo é uma marca da Nimble Holdings, sediada em Hong Kong, na China.