Fernando Andrette
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Essa frase foi dita por Albert Einstein, quando ele se debruçava sobre alguns preceitos teóricos da física quântica.
E ela voltou à minha mente quando decidi escrever esse Opinião, sobre o velho e surrado tema do que ‘medimos’ e do que ‘ouvimos’, e se podemos extrair respostas seguras dessa soma de esforços.
Pessoalmente essa pergunta está mais do que respondida há décadas – mas, e para você nosso leitor, bombardeado diariamente por essas duas ‘escolas’ tão antagônicas, com argumentos que muitas vezes beiram a virulência de um lado e o mais banal esoterismo do outro?
Como você codifica toda essa informação, e como isso o ajuda a determinar suas escolhas? Você confia mais nas medições plenamente, ou no que seu ouvido lhe diz?
Se você está iniciando essa jornada, com o espírito ainda livre de ‘pré-conceitos’ ditados pelos mais velhos, meu primeiro conselho é: mantenha esse frescor de querer apenas aprender, e descubra que só o tempo irá moldar suas preferências.
Gosto muito de lembrar aos participantes do nosso nível básico do Curso de Percepção Auditiva, que essa será uma jornada de muitas idas e vindas, inúmeros questionamentos, dúvidas, decepções e alegrias.
Não se trata de um hobby fechado, em que o objetivo seja chegar o mais longe possível com seus recursos financeiros e suas ambições pessoais.
Assim como nossos valores, ideais e sonhos mudam à medida que ganhamos maior maturidade e experiência, nosso gosto e objetivo dentro desse hobby, também se alteram.
E digo a todos eles, só existe uma questão que não pode ser alterada em nenhuma fase desse trajeto: a música! Todo esforço, todo gasto, todo conhecimento têm como único objetivo fazer com que a música que você aprecia soe cada vez mais real, viva, pulsante e emocionante. Esquecer esse objetivo será fatal e irá custar muito, muito caro!
Minha segunda dica: ouça todos os sistemas que estiverem ao seu alcance, do primeiro ao último dia dessa jornada. Não se furte a escutar sistemas simples, despretensiosos, antigos, modernos, caros, caríssimos. Mas crie um método para essas audições, tenha sempre suas referências pessoais e as leve consigo sempre.
E quando seu gosto musical ficar mais refinado com a idade, crie uma nova Playlist e sempre escute cada sistema com essas músicas.
Seguindo esses dois conselhos, sua busca pelo seu sistema pessoal ficará muito mais rica e interessante.
E aí vem minha terceira dica, e a mais enigmática de todas: o imponderável! Aquela situação que foge ao nosso controle racional, e nos causa impressões que nos acompanharão para sempre.
Geralmente o imponderável surge justamente onde menos imaginamos que possa ocorrer algo que nos surpreenda.
Pode ser em um sistema que já conhecemos e não nos agradou muito, mas que por algum motivo agora nos soa muito bem (e com os nossos discos), ou uma sala que aparentemente deveria ter vários problemas acústicos, no entanto parece não ser um elo fraco. Ou ainda um sistema de um amigo que conhecemos tão bem, como o nosso próprio sistema, mas que naquele dia específico soou divinamente!
O que terá ocorrido? Será nosso grau de atenção redobrado, nosso estado de espírito naquele dia? Será alguma mudança não revelada pelo anfitrião? Alguma pegadinha?
Nesses momentos, buscamos sempre uma resposta para poder trazer sentido ao que acabamos de ouvir. E, às vezes, as respostas são mais simples do que elucubramos.
Um simples ajuste fino na posição das caixas, um upgrade em algum elo fraco, um novo tapete, uma limpeza rigorosa nos plugs dos cabos, um reposicionamento naquele emaranhado de cabos que pareciam um novelo de lã esquecido em uma gaveta.
E quando esses pequenos ajustes alteram nossos sistemas de maneira tão audível, o que você acha que os objetivistas nos dirão? Ou quando a troca de um único cabo digital permite que aquele borramento em passagens complexas musicais se desfaça, e tudo fique mais inteligível e confortável – como eles responderão a essa mágica?
Eles não responderão meu amigo, apenas darão de ombros e repetirão o mantra de que tudo está no seu ouvido ou em sua mente. Os mais radicais irão mais longe, afirmando que se trata de puro placebo. E se você estiver apenas iniciando sua jornada, certamente ficará duvidando se sua avaliação foi realmente correta, ou se foi sua mente lhe pregando uma peça.
Depois de descrever tudo isso a quem realiza nosso nível básico do Curso de Percepção Auditiva, eu começo a explicar como temos que nos comportar frente a tantas dúvidas que iremos enfrentar nessa jornada. E como realizar experimentos práticos e não apenas teóricos, para confirmar que o que estamos ouvindo realmente está ocorrendo à nossa frente. Explico aos participantes que precisamos saber ‘minuciosamente’ o que precisamos ouvir para confirmar nossas impressões sensoriais, e a única forma de comprovar que estamos no caminho correto, é poder reproduzir o ‘fenômeno auditivo’ ad infinitum!
Por isso a necessidade de carregarmos em nossas audições pelo mundo, exemplos musicais que sabemos como soam quando em sistemas corretos, e como soam quando em sistemas incorretos.
Pois, como Einstein descreveu: “Não podemos resolver nossos problemas com o mesmo pensamento (dúvida) que usamos quando os criamos (se não sabemos o que procurar, como resolver o problema e obter respostas)”. Então, a única maneira é sabermos como nossos exemplos musicais soam em um sistema de referência, e como irão soar errado em um sistema desajustado.
E aí apresento uma série de trinta e duas faixas para os oito quesitos da Metodologia, e os reproduzo em um sistema Ouro, um sistema Diamante e um sistema Estado da Arte. E vou pontuando o que eles precisam memorizar no hipocampo, e observar como cada exemplo soa distinto em cada um dos três sistemas.
Já relatei, por diversas vezes, como os objetivistas que fizeram nossos cursos reagem ao ouvir a abordagem que criamos para apresentar nossa Metodologia. Alguns reagem com bastante ceticismo à princípio, mas se tornam mais maleáveis à medida que entendem a lógica da Metodologia e como é uma ferramenta prática e fácil de ser utilizada.
Geralmente a resistência desvanece ao ouvirem que as ondas do prato de condução do disco da Shirley Horn, logo no começo da música, se transformam em apenas 12 ondas no setup Ouro, 13 no Diamante e 15 no Estado da Arte.
Ou então, no exemplo de pianos em que a última oitava da mão direita do pianista soa como ‘vidro’ no setup Ouro, ‘vidro’ com uma mistura de feltro no sistema Diamante, e martelo de piano com feltro no Estado da Arte.
A partir daí, as tensões acabam e conseguimos não só a atenção dos objetivistas, como até sua amizade, em casos especiais, rs!
Quando então, finalmente, chegamos aos exemplos de transientes, corpo harmônico e macrodinâmica, temos uma turma extremamente coesa, interessada e participativa.
Ao longo de todos esses anos, com mais de 25 turmas, percebi que o que falta ao audiófilo que não virou um mero ‘aparelhófilo’, é saber o que observar em suas audições. Entender que a avaliação de um sistema não é simplesmente avaliar graves, médios e agudos e apreciar se o sistema tem ou não um bonito ‘palco sonoro’. Um sistema hi-end precisa ir muito além desses quesitos, para fazer jus ao preço e ao nome!
Um sistema hi-end precisa enganar nosso cérebro, fazer-nos acreditar que os músicos estão ali ao alcance de nossos olhos e mãos. E, os melhores, precisam materializar a intencionalidade do que os músicos executaram, nos levar aos meandros da complexidade que criaram e registraram. E os sistemas superlativos, permitirem ‘ver’ o que estamos ouvindo!
E o audiófilo experiente, não se deixa seduzir com jargões e slogans batidos, e muito menos por especificações técnicas impressionantes! Ele precisa ouvir e sentir com todo seu sistema auditivo, seu corpo e sua alma, para definir se aquele sistema cumpre com o que promete, ou é apenas propaganda bem feita.
O objetivista se contenta em avaliar gráficos e, com isso, define o que é ‘bom’ do que não é. A única coisa que aprecio nessa maneira de escolher um equipamento, é que eles viverão felizes se os gráficos forem excelentes. E caso seus ouvidos não concordem, sua racionalidade superior sempre dará um jeito de calar a insatisfação ou dúvida.
O subjetivista em tempo integral, também se dará por satisfeito em saber que seus novos cabos utilizam um metal hiper raro só existente em um meteoro que caiu na Patagônia. Ou que seu rack passa por um processo ‘remolecular’ de metais, feito por um ex-engenheiro da Nasa em um laboratório na antiga Cortina de Ferro.
E nós, meros mortais, que nos negamos a cair nos extremos das possibilidades? Como devemos agir para manter o prazer de buscar aprimorar nossos sistemas por toda nossa existência?
O melhor conselho que posso lhe dar, meu amigo, é: faça tudo com os critérios aqui sugeridos e com prazer. Não faça dessa busca uma obrigação ou obsessão, jamais. Escolha gravações de qualidade artística e técnica suficientes para lhe ajudar a entender como soam divinas em sistemas corretos, e como podem soar ‘estranhas’ em sistemas tortos. E guarde para si suas observações, afinal você sabe o quanto o audiófilo se sente melindrado quando suas expectativas não são correspondidas.
Mas, seja honesto na escolha dessas gravações, pois você jamais irá tirar conclusões corretas com gravações ruins tecnicamente. Utilize muitas faixas com vozes masculinas e femininas bem produzidas, pianos, violinos, saxofone, trompete, pequenos grupos de câmara, obras sinfônicas, big bands, e você terá uma margem de segurança muito maior para avaliar qualquer sistema ou produto.
E, por fim, uma última dica. Ao chegar em casa, tome um banho, relaxe, e só depois vá ouvir essas mesmas faixas no seu sistema, para fechar suas observações. E se, por acaso, tiver a sorte de ter ouvido sistemas mais bem ajustados que o seu, faça anotações, crie seu ‘diário de bordo’, e coloque minuciosamente tudo que observou e achou de mais relevante.
Esse diário, com o passar dos anos, será seu guia para lembrar de dados importantes, inusitados, e dos raros e imponderáveis!
Quando eu releio hoje os meus 23 diários de bordo já preenchidos, me surpreendo com determinados detalhes que minha memória já apagou. Algumas anotações são tão detalhadas, que me surpreendo que eu as tenha escrito.
Principalmente as que foram relatos dos primeiros 10 anos da revista. Tinham um frescor e um encantamento por novas descobertas, que só quem é mais jovem se permite escrever daquela maneira. Sendo notório observar como os valores das especificações técnicas tinham uma enorme influência nas expectativas iniciais de minhas observações, e que na conclusão final na maioria das vezes era carregada de desapontamentos quanto ao resultado auditivo. Tanto que não demorou para minhas frases finais começarem a realçar o conceito do ‘menos é mais’.
Se a vida vai moldando e questionando nossos valores, ao reler esses diários de bordo fica claro que o mesmo processo também ocorreu na lapidação tanto da Metodologia, como da maneira de avaliar auditivamente os produtos enviados para teste.
E fica claro, na passagem do século, meu incômodo com a busca obsessiva dos projetistas pela macrodinâmica, deixando em segundo plano o conforto auditivo.
Conto tudo isso, para que o amigo se anime em criar seu diário de bordo pessoal, pois irá ajudá-lo muito em observar a dinâmica tanto do mercado como sua própria mudança pessoal de valores e desejos.
Se você fizer sua trajetória com esse critério, seriedade, prazer e boas referências auditivas, te asseguro que será uma linda jornada, repleta de descobertas e aprendizado.
A nós, meu amigo, ficou o lado mais prazeroso e reconfortante dessa jornada. Acredite, pois somente homens sem ‘pré-conceitos’ estabelecidos, são capazes de fazer essa travessia, dispostos a reconhecer os erros e saudar os acertos, sem nunca esmorecer ou jogar a toalha.
E se tivermos à nossa disposição as ferramentas corretas para o uso no dia a dia, e para o aprimoramento de nossa percepção auditiva, posso lhe garantir que não haverá nenhum risco.
Com referências seguras, esse ainda é um excelente hobby ao corpo e à alma!