Espaço Aberto: QUANTIFICANDO A ESTUPIDEZ DAS REDES SOCIAIS

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Todos agimos estupidamente em vários momentos de nossa existência. Afinal temos crenças, ideias, desejos, expectativas e idiossincrasias constantes e, além disso, somos humanos.

Então, não leiam esse texto como uma ofensa aos que vestirem a carapuça, e sim como uma constatação de como as redes sociais podem agir de forma estúpida e rasteira muito frequentemente.

O Grammy para mim é como o Oscar: só tem valor aos que recebem o prêmio, e as produtoras e gravadoras que verão a venda do produto exponencialmente ser ampliada. Então são eventos que raramente acompanho, me limitando apenas a assistir as repercussões pós premiação.

E já vivi tempo suficiente para saber que as escolhas dos jurados inúmeras vezes não batem com as expectativas das mídias e do público. Porém, que me lembre, jamais havia assistido tamanha desfaçatez como o que ocorreu com a cantora Samara Joy, ganhadora de dois Grammy como Melhor Álbum de Jazz Vocal, e Artista Revelação.

Estou totalmente à vontade para escrever sobre a Samara, pois já falei dessa maravilhosa cantora por duas vezes na seção Playlist. Na sua estreia, em 2021, eu escrevi que ela será provavelmente a cantora mais completa do cenário musical por muitas décadas, pois seu talento, assim como sua formação musical e técnica, é simplesmente magistral.

Nos seus 23 anos, Samara Joy é uma cantora ‘lapidada’ e com uma bagagem musical impressionante, afinal cresceu no Bronx e vem de uma família de músicos do grupo de gospel The Savettes, da Philadelphia. Cresceu ouvindo gospel, rap, hip-hop, blues e jazz. Seu timbre de voz é angelical, tem uma afinação de ouvido absoluto, faz improvisos de voz como se fosse um instrumento de sopro (sketches), está rodeada de músicos talentosos e tem o dom de cantar os clássicos do jazz com composições mais modernas – e o faz com um grau de personalidade e segurança que só as grandes cantoras no seu auge atingiram!

A diretora de cinema Regina King, ao ouvir seu primeiro disco, escreveu: “Joy canta como se Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald vivessem em seu corpo”. Os que acompanham minha trajetória há muito tempo, sabem de um artigo que escrevi no começo do século 21 em que eu disse que, se tivesse que ir com um disco apenas para uma ilha deserta, eu levaria o Pure Ella, hoje eu teria que dar um jeito de também levar o primeiro disco de Samara Joy!

Então, foi com enorme tristeza que li nas mídias que a repercussão dos dois prêmios outorgados a Samara Joy, foi atacada pelos ‘fãs’ da Anitta, que também concorria ao prêmio revelação.

Insanidades como: “A Anitta é mundial e você não é”, “Devolve o prêmio de Anitta”, além de emojis de vômito, roubo e várias frases como: “O Brasil te odeia”. Como brasileiro, me sinto triste por tamanha falta de respeito de todos aqueles que não conseguem assimilar e conviver com o contrário e a derrota, partindo para a agressão verbal e, por muitas vezes, até física.

Acho que este tipo de reação está se tornando alarmante, e todos que clamam pela liberdade de expressão e respeito ao próximo, de maneira ‘responsável’, necessitam se posicionar e deixar claro que não compartilham desse comportamento.

Pois, se não o fizermos, parecerá ser cada vez mais comum e ‘natural’ agredir a tudo que não concordamos.
Isso não é liberdade de expressão, isso é falta de educação, e ausência de empatia ao outro.

Mas, assim como você não convence um terraplanista ou um negacionista, de que suas ideias são inconsistentes apenas com argumentos, o mesmo ocorre com a estupidez que está sendo disseminada nas redes sociais.

Acompanho inúmeros artigos escritos no Scientific American, e tenho visto inúmeros podcast e artigos a respeito da teoria do apego que, nos anos 80, estudou o comportamento e como as pessoas reagiam a perdas amorosas de forma tão distintas, e atualmente essa teoria está sendo reavaliada no contexto dos grupos que se formam nas redes sociais.

O que se tem visto é que a teoria do apego individual se transformou em ‘orientação do apego coletivo’.

O que os pesquisadores perceberam é que uma parcela pequena (talvez de apenas 25%), consigam ao longo de suas vidas mudar seus estilos de apego e de grupos. E que os 75% restantes não (isso será que coloca uma luz na resistência argumentativa em relação aos terraplanistas e negacionistas?).

Segundo o psicólogo Steve Rathje, da Universidade de Nova York, na Internet as pessoas coletivamente adoram se categorizar para poderem ‘justificar’ terem determinados comportamentos e valores.

E, à medida que se identificam com os valores daquele grupo ao qual se sentem apegados e valorizados, suas personalidades vão sendo moldadas por aquele discurso e comportamento.

OK! Você deve estar se perguntando, mas o que isso muda ou abre uma brecha para fazermos essas pessoas saberem o quanto estão sendo estúpidas? Não tenho essa resposta, meu amigo, e acredito que nem os profissionais de comunicação o tenham.

Mas, se for fato que 25% desses indivíduos ainda possuem ‘maleabilidade’ para serem trabalhados, para voltarem a ter discernimento suficiente do que significa respeito ao próximo, acredito que devemos nos esforçar para criar uma ponte ao menos com esses.

Você não acha?

Tenho dois filhos, com uma diferença de idade entre eles de uma década, e eles me ajudam muito a tentar entender como é o universo de cada um deles e de suas gerações. E com eles, o que sempre trabalhamos foi a importância de se entender a essência do Qualitativo do Quantitativo. Sabendo diferenciar, o mundo se torna um pouco menos complexo e conflituoso.

Se as pessoas que agrediram a Samara Joy, entrando em sua página no Instagram para enviar tamanhos impropérios, soubessem a diferença entre Qualidade e Quantidade, não fariam isso.

Pois comparar Samara Joy com Anitta é tão estúpido quanto achar que a Terra é plana.

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