Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Eu sei que para muitos de vocês a espera é longa, e pode parecer que não nos empenhamos o suficiente para atendê-los.
A questão é muito mais complexa, pois o que norteia nossa linha editorial é apresentar apenas teste de produtos oficialmente representados no país, e o segundo quesito é com um patamar de qualidade e performance digno de ser testado. Sem esses dois critérios, não testamos. Não publicamos testes de produtos que estão disponíveis no Mercado Livre via Paraguai ou diretamente da Ásia para o consumidor.
O mesmo procedimento temos com a escolha do teste de fones de ouvido, mesmo sabendo que muitos de vocês preferem arriscar a não ter garantia ou assistência técnica, caso o produto necessite de manutenção. São escolhas que cada um deve tomar, e arcar com riscos e benesses.
O mercado mundial está repleto de excelentes opções de DACs baratos, e toda vez que somos procurados pelos fabricantes para ajudá-los a encontrar um representante no País, nos empenhamos ao máximo.
Porém, fechar essa parceria não depende de nós, então o máximo que podemos é passar nossas impressões e como a marca se posiciona no mercado externo, e ficar torcendo para que o acordo se concretize.
O que posso adiantar a vocês é que está bem encaminhada a chegada ao Brasil de duas grandes marcas europeias de DACs e amplificadores de fones – e assim que se tornar oficial, estaremos apresentando testes desses produtos a vocês.
Mas, hoje tenho o prazer de apresentar um DAC que nos surpreendeu pela versatilidade, facilidade de uso e performance. E creio que irá atender a muitos de vocês leitores que desejam um DAC atualizado a um preço acessível.
A Cambridge Audio tem uma história com DACs baratos de muito tempo, o que a coloca em uma posição privilegiada em relação à concorrência, cada vez que sua equipe de engenheiros se propõe a dar um passo à frente. Seu primeiro DAC foi apresentado ao mercado em 1990, e tinha como objetivo melhorar a performance de CD-Players de entrada que possuíam uma saída digital coaxial.
As revistas inglesas, na época, saudaram essa iniciativa como ‘uma lufada de esperança’ na melhoria da reprodução dos disquinhos prateados!
O Dac Magic 200M é a mais recente aposta para todos que necessitam atualizar suas fontes digitais, sem precisar assaltar um banco ou hipotecar a casa. Porém, se engana quem pensa que o 200M seja um DAC simples, minimalista, que apenas fez algumas melhorias pontuais da última versão para se manter no mercado.
Para manter-se firme como uma das referências neste mercado de entrada, os engenheiros da Cambridge Audio pegaram o novo chip DAC ES9028Q2M da ESS, da Califórnia. Trata-se de uma versão que aceita PCM com taxa de amostragem de até 768 kHz, e também decodificação DSD e MQA. Ou seja, o usuário não se sentirá tolhido em suas buscas pela melhor conversão possível de suas fontes digitais.
Para tal existem pares de entradas coaxiais, óticas, para quem ainda possui mídia física via CD-Player, consoles de jogos e, claro, leitores de Blu Ray. Tem entrada USB tipo B para a conexão com um PC ou tablet, e tem Bluetooth aptX.
Além disso, tem saídas tanto RCA quanto XLR, para um power, um pré de linha ou um integrado. E uma saída de 6,3 mm no painel frontal, para ouvir sua música em seu fone de ouvido.
Incrível como couberam todos esses recursos em um gabinete tão minúsculo, que cabe na palma da mão.
Muito antes de ouvir as saídas do 200M, eu acabei tendo o primeiro contato ouvindo o fone Liric da Meze Audio, e gostei muito da apresentação limpa e equilibrada, mostrando a qualidade do amplificador de fone interno Classe AB, com uma nova placa que, segundo o fabricante, oferece maior potência e menor distorção que o modelo da geração anterior.
Voltando ao DAC, o USB tipo B permite até 32-bits/768 kHz e DSD512, e a entrada ótica até 24-bits/96 kHz, e a coaxial 24-bits/192 kHz.
E ainda que o MQA, no atual momento, esteja hibernando, é possível através do Tidal Masters com codificação MQA, usufruir dessas gravações feitas em sua maioria em 24-bits/96 kHz.
O 200M oferece visualização no painel frontal, através de vários LEDs, para apresentar a taxa de amostragem que está sendo lida, tanto para CD como MQA e DSD. O 200M também oferece três opções de filtros: Fast, Slow e Short Delay.
Para o teste, utilizamos o power Gold Note PA-10 (com o Cambridge ligado a ele via cabo XLR), integrado Line Magnetic LM-805iA (leia Teste 1 nesta edição), streamer Innuos ZENmini Mk3 com fonte externa, pré de linha Mark Levinson Nº5206 (leia teste na edição setembro), nosso Sistema de Referência, e as seguintes caixas: Harbeth 30.2 xd, Boenicke W5 e MoFi SourcePoint 10. Os cabos coaxiais digitais e USB foram inúmeros: Chord, QED, Virtual Reality, Dynamique Audio e Sunrise Lab.
Uma observação sobre o uso de tantos cabos digitais: só tomo esse procedimento quando percebo que o potencial do DAC é alto e possibilita tentarmos descobrir o seu teto em termos de performance, e ver seu grau de compatibilidade e o quanto o cabo pode influenciar ou não sua assinatura sonora.
Cabos de força: utilizei um Transparent Powerlink MM2 – com excelente resultado! Os anos passam e continuo me surpreendendo o quanto esse cabo é versátil e bom!
O produto veio lacrado, então o ritual foi o mesmo de todo produto: ouvi por três dias ele como amplificador de fone, e o deixei em repeat por 10 dias. Quando ele foi para a bancada de teste, estava ultra amaciado.
A boa notícia é que ele pode ser usado zerado sem nos constranger nas primeiras 24 horas, ou nos deixar em dúvida se fizemos a escolha certa.
O 200M segue a linha da série top do fabricante, a Edge, e me lembrou muito como ele resolve a complexidade na variação dinâmica de obras sinfônicas grandiosas sem se eximir de responsabilidades, ou dar a cara a tapa.
Traduza essa frase Andrette!!!!!
Muitos DACs de entrada, quando colocados à prova em situações extremas, ou tentam manter a ‘pose’ colocando tudo à frente das caixas, endurecendo o sinal e fazendo com que instintivamente você baixe o volume – ou seja, tentando dizer que o problema não foi deles e sim da gravação – ou procuram uma saída honrosa, que é não endurecer o sinal, mas buscar enfatizar a região média, já que nessa faixa se concentra muita informação. Essa é uma saída mais digna, pois nos passa a sensação de que o DAC se esforçou em manter seu padrão de fidelidade ao limite de sua capacidade. E, auditivamente, percebemos que muita coisa foi ‘jogada ao mar’, como extensão nas altas, corpo harmônico, micro detalhe, textura, organicidade – mas o som não se tornou fatigante!
O DacMagic 200M, se tiver uma fonte e gravações minimamente decentes tecnicamente, nunca terá que fazer uma dessas escolhas, o que já o coloca em uma posição de destaque em relação aos seus concorrentes nessa faixa de preço!
Gostei muito de seu equilíbrio tonal, pois não pretende ser mais do que pode realmente entregar. E o que ele propõe é extremamente atraente e, o melhor: convincente. Seus graves são honestos, com bom corpo, energia e precisão. A região média possui boa transparência e um grau de naturalidade que nos chama a atenção desde o primeiro momento.
Para os apaixonados por gêneros musicais predominantemente com instrumentos acústicos, irão saborear a maneira com que o 200M nos apresenta as obras. Nada de brilho onde não existe, ou uma ênfase acima do correto na reprodução de toda a região média.
E os agudos, se não possuem a extensão final dos DACs mais sofisticados, não pecam por ceifar ou soarem acanhados nas altas. O que significa que ouviremos menos o tamanho da sala de gravação ou a quantidade de reverb digital colocada pelo engenheiro, mas não teremos a sensação claustrofóbica de tudo soar em minúsculas salas ou ‘câmaras anecoicas’.
E isso se dá graças aos agudos terem um decaimento suave e não abrupto.
O soundstage é excelente em foco e recorte. E um pouco menos em profundidade dos planos. Que são ligeiramente compensados pela largura e altura do palco!
O que é preciso entender de uma vez por todas, é que a relação de profundidade de planos, principalmente em obras de música clássica, é profundamente dependente da qualidade e extensão dos agudos no equilíbrio tonal. Maior extensão e decaimento, mais suave e natural, irão determinar a qualidade da reprodução de ambiência no soundstage. Entendeu?
Pense na construção de uma parede: o equilíbrio tonal é que dará o tamanho final desse muro!
Quando explico e mostro exemplos em nossos Cursos de Percepção, muitos respondem que não são apreciadores de música clássica, então ter mais ou menos ambiência e planos não fazem diferença. Gosto de guardar ‘cartas na manga’ para os que pensam ser fácil contornar essa questão. Aí coloco a famosa gravação de um solo de bateria tocado em uma quadra de basquete de uma escola em Londres. Primeiro mostro essa gravação em um DAC ou CD-Player que não tenha muita extensão nas altas, e que seu decaimento seja bem rápido. E peço a essa pessoa para descrever o tamanho do local em que essa bateria foi gravada. A pessoa se esforça e diz que provavelmente em um salão mais vivo, talvez!
Aí reproduzo essa mesma faixa em uma fonte que possua o decaimento correto, e a sala vem abaixo meu amigo, literalmente! Pois aí fica explícito que o baterista se encontra no meio da quadra com o ginásio completamente vazio, sendo possível as peças da bateria reverberarem por todo o ginásio, e voltarem ao ponto inicial.
Com esse exemplo, eu explico que mesmo que se esteja ouvindo um trio ou um quinteto, a gravação para soar e ‘respirar’, e nos passar aquela sensação de veracidade, necessita da melhor fonte possível!
O Cambridge possui uma apresentação de texturas muito correta e bonita, e como já disse: pessoas que gostam de gêneros com instrumentos acústicos, irão se deleitar com a apresentação da paleta de cores, do mais tênue ao mais intenso.
Os transientes foram outra grata surpresa do 200M, e me fazem pensar o quanto os DACs atuais evoluíram nesse sentido. Lembro da dificuldade que era, nos anos 90 e na primeira década do século 21, conseguir bons DACs de entrada que conseguissem uma reprodução correta deste quesito. Tudo nesses produtos soava mais letárgico, displicente, como se os músicos não estivessem muito empenhados em fazer uma tomada correta!
Hoje isso não é mais problema, pois DACs mais simples possuem uma qualidade surpreendente na marcação de tempo e ritmo.
O Cambridge é preciso, e nos faz gostar de ouvi-lo sem perder a atenção ou o interesse no que está acontecendo à nossa frente.
Quando as pessoas nos dizem que têm dificuldade de entender esse quesito (leia a seção Opinião desse mês pois lá eu descrevo vários exemplos para a memorização de transientes), eu falo que mais que entender é preciso ouvir a importância dos transientes, para nos manter atentos e motivados a continuar apreciando o que estamos ouvindo.
Em um sistema pobre em transientes, a precisão de ritmo e tempo se perde, e consequentemente nosso interesse se desfaz.
Outro fenômeno que também ocorre, é que nosso cérebro não consegue acompanhar a variação de andamento, seja de um único instrumento ou de diversos instrumentos. O importante é conhecermos primeiro a causa para, na prática, ouvirmos as consequências.
Voltando ao Cambridge, este não sofre de indolência. Ele nos permite acompanhar o ritmo e o tempo com enorme facilidade e prazer!
Sobre a dinâmica, eu cantei a bola lá atrás: se a macro não é perfeita (e não dá para ser nessa faixa de preço, mesmo que muitos queiram te vender que DACs baratos conseguem a façanha de resolver a macro como DACs superlativos), ainda assim ele passou com méritos no exemplo ‘encardido’ do Bolero de Ravel, sem termos que ajustar o volume para baixo no fortíssimo do final. E a micro é boa o suficiente, para não termos que aumentar o volume nos primeiros 20 compassos dessa mesma obra.
Então, aqui vai mais uma dica preciosa e de graça! Quer testar a dinâmica de seu sistema? Bolero de Ravel, escolha uma gravação decente bem captada, e determine o volume correto para não perder nenhuma nota dos primeiros 20 compassos – que realmente são tocados em pianíssimo e depois vão crescendo gradativamente. E se, do meio para o final, você não tiver que baixar o volume para ouvir até o fim, e ao final o som não distorcer ou clipar, meus parabéns! Seu sistema passou no exemplo do quesito Dinâmica!
O Cambridge passou também – o que nos fez vê-lo e apreciá-lo com outros olhos, após o término desse teste.
O corpo harmônico é bom, mas não é excelente! Aqui, como na dinâmica, é difícil em um DAC de entrada um corpo harmônico que vá enganar nosso cérebro, de que realmente não estamos mais ouvindo música reproduzida eletronicamente.
Se quiserem vender para você que um DAC de 1000 dólares consegue essa façanha, lembre-se daqueles vídeos que proliferam sobre a cura do Alzheimer, Parkinson, câncer, etc. No nosso mercado também estamos vivendo uma infestação de ‘fake-news’ e falácias sobre performances milagrosas!
Não caia nessa.
O que o Cambridge consegue é reproduzir o corpo dos instrumentos proporcionalmente ao seu tamanho real, dentro de suas limitações. Ou seja: você não corre o risco de não conseguir determinar quem é o contrabaixo e quem é o cello, pelo tamanho. Ou a diferença entre um trombone e um picollo.
O que, convenhamos, já é o suficiente para continuarmos apreciando o que estamos ouvindo.
A materialização física dos músicos a nossa frente, dependerá da qualidade das gravações. Excelentes captações, que não se perderam na mixagem e masterização, nos farão sentir que os músicos estão ali, quase ao alcance de nossas mãos.
CONCLUSÃO
O Cambridge DacMagic 200M é um excelente pacote, que atende a diversas frentes sem quebrar com o seu orçamento.
Eu certamente passarei a indicá-lo, não só aos que procuram seu DAC definitivo, como também aos nossos leitores que desejam um bom amplificador de fone com a possibilidade de ser um DAC de maior qualidade também.
Nos quatro meses que estivemos com ele, deu para ouvir toda sua versatilidade e o quanto ele pode ser uma peça essencial também para os que buscam montar seu sistema definitivo dentro de orçamentos mais enxutos.
Até ligado direto ao power PA-10 da Gold Note, ele nos surpreendeu, mostrando que pode perfeitamente atender aqueles que desejam montar seu sistema sem o uso de um pré de linha.
Não conheço entre os DACs de entrada uma outra opção com esse custo/benefício tão atraente e tão consistente em termos de performance.
Se esse é seu caso, sugiro que não deixe de colocá-lo em sua lista de opções, pois ele pode, como um ‘coringa’, ter as soluções para inúmeras de suas expectativas de um setup objetivo, bom e barato!
PONTOS POSITIVOS
Um DAC surpreendentemente bem planejado e bem executado.
PONTOS NEGATIVOS
As fontes de alimentação desses equipamentos de entrada, precisam melhorar.
Chips conversores | Dual ESS ES9028Q2M |
Filtros digitais | Selecionáveis: Fast – Slow – Short Delay |
Resposta de frequência | 10Hz a 50kHz (±1dB) |
Distorção harmônica total(THD em 1KHZ 0dBFS) | <0.0005% |
Relação sinal/ruído | >115dB |
Crosstalk (em 10KHZ) | <-110dB |
Impedância de saída | <50 Ohms (RCA) <100 Ohms (XLR) |
Nível máximo de saída (RCA) | 2.1V rms (fixo ou variável – selecionável) |
Nível máximo de saída (XLR) | 4.2V rms (fixo ou variável – selecionável) |
Entrada suportada | • 16-bit (Bluetooth) • 16 a 24-bit (Ótica, Coaxial) • 16 a 32-bit (USB) |
Amostragem suportada | • 44.1a 96kHz PCM, DoP64 (Ótica) • 44.1a 192kHz PCM, DoP64 (Coaxial) • 44.1a 768kHz PCM, DSD Nativo 64x a 512x, DoP64x a 256x (USB) |
Compatibilidade MQA | Decodificação completa |
Bluetooth | v4.2 – com codecs A2DP, SBC e aptX |
Fones – Distorção Harmônica Total | < 0.001% (1kHz 0dBFS @ 100mW em 32 Ohms) |
Fones – Potência máxima de saída | >300mW @ 32 Ohm >65mW @ 150 Ohm |
Fones – impedância recomendada | 10 Ohms a 600 Ohms |
Consumo | 12W |
Dimensões (L x A x P) | 215 x 52 x 191 mm |
Peso | 1.2Kg |
DACMAGIC 200M DA CAMBRIDGE AUDIO | ||||
---|---|---|---|---|
Equilíbrio Tonal | 11,0 | |||
Soundstage | 10,0 | |||
Textura | 11,0 | |||
Transientes | 11,0 | |||
Dinâmica | 10,0 | |||
Corpo Harmônico | 10,0 | |||
Organicidade | 11,0 | |||
Musicalidade | 11,0 | |||
Total | 85,0 |
VOCAL | ||||||||||
ROCK, POP | ||||||||||
JAZZ, BLUES | ||||||||||
MÚSICA DE CÂMARA | ||||||||||
SINFÔNICA |
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