Tarso Calixto
revista@clubedoaudio.com.br
O par mais ativo em áudio no planeta.
Caras leitoras e caros leitores, permitam que os introduza o casal Stuart e Linette Smith, os responsáveis pela criação e operação do HiFi PiG, o website dedicado à audiofilia com um dos maiores acessos online no mundo.
Conheci o casal em 2022, durante o Dutch Audio Event (https://clubedoaudio.com.br/edicao290/internacional-dutch-audio-event-2022/), e após as introduções iniciais a impressão mais marcante foi a de que você está na companhia de velhos amigos de longos anos: eles te deixam completamente à vontade, de maneira acolhedora e aberta. Conversamos sobre o mercado de áudio no Brasil, suas peculiaridades, unicidades e desafios. Mencionei a indústria brasileira, incluindo esta publicação, a Áudio Vídeo Magazine, e fabricantes como a Timeless e a Sunrise Lab, localizada em São Paulo.
Depois de conversar sobre vários assuntos, combinamos de nos reunir novamente, e apresentar o trabalho da HiFi PiG para o público brasileiro, e contar a sua história. Esse é o resultado do bate-papo.
O Começo: Conte-nos sobre as circunstâncias que levaram à criação do HiFi PiG.
Stuart – Dezenove anos atrás tomamos uma decisão súbita, compramos um restaurante na Bretanha, na França. Ambos, abandonamos bons empregos para seguir nosso sonho. Depois de três bons anos, decidimos que o empreendimento estava tomando muito do nosso tempo e consequentemente nosso tempo com a família não era o suficiente.
Fechamos o restaurante e o convertemos em uma casa. Abrimos uma empresa de treinamento de vendas e marketing que lidava com o recrutamento e treinamento de estrangeiros ao redor do mundo, para uma grande e específica rede de websites para expatriados. Com o êxito da iniciativa, fui oferecido um cargo bem remunerado vendendo seguro de saúde na França. Após um ano, eu compartilhei com meu chefe meus pensamentos sobre o que achava a respeito do atendimento a clientes. Algumas semanas depois, eu fui demitido. Tal demissão acabou sendo uma enorme bênção disfarçada, pois o governo francês me colocou em uma situação trabalhista chamada ‘chômage’, salário desemprego, na qual recebi 80% do meu salário por 15 meses enquanto procurava um novo emprego, dentre os quais nada havia que me motivasse e permitisse aceitar.
Enfim, depois de 14 meses, e extremamente entediado, comecei a escrever por diversão. Os únicos assuntos nos quais eu era realmente apaixonado, além da família, eram a música e equipamentos de Hi-Fi. Comecei, então, a postar meus textos num blog sem importar se as pessoas estavam lendo ou não. Ao contrário, minhas postagens começaram a formar uma audiência, e depois de algumas semanas decidimos comprar uma hospedagem de websites e tornar a iniciativa um pouco mais oficial.
Mas como chamar tal website? Nos anos 90, quando era DJ de raves e rádio, eu possuía um sistema de som chamado “The BiG PiG Sound System”. O sistema era composto de componentes diversos pintados de rosa, pois essa era a cor de tinta que estava disponível de graça. Na verdade, o nome foi inventado por mim e um amigo quando imprimimos panfletos para um show em que estávamos agendados. Enquanto montávamos esses panfletos com Letraset (muito antes dos computadores) notamos que não tínhamos um nome. Foi aí, então, que a cachorra do meu amigo, Liberty, entrou na sala e abocanhou algo, com meu amigo gritando “Seu grande PiG!” para ela. E assim nasceu o nome, “BiG PiG”.
O nome “HiFi PiG” ocorreu como um nome natural para o que estávamos fazendo, embora nunca esperássemos que houvesse interesse pelo conteúdo, estaríamos gratos se apenas uma pessoa visitasse o site a um dado momento. Falando com sinceridade, quem em sã consciência pensaria em chamar um site de “HiFi PiG” e realmente achasse que ia ser considerado com um negócio sério?
Cobrindo a Indústria: Você e a Linette vêm cobrindo a indústria de áudio Hi-Fi e Hi-End há muito tempo. Quais são suas impressões sobre as tendências e direções apresentadas pelos fabricantes e designers?
Stuart – Esta é uma excelente pergunta, uma que discuto muito com a Lin, e entre amigos da indústria. Sou um indivíduo com fortes convicções e opiniões. Logo, e sem surpresas, minhas opiniões sobre o assunto também são fortes e convictas: sinto que o mercado de áudio doméstico está sendo dividido para o extremo de alta-qualidade e o extremo do barato, alegre e casual, do mercado. Na falta de uma descrição melhor, pessoalmente acho que essa forma muito elitista de vender Hi-Fi não é sustentável a longo prazo. Obviamente, entendo a motivação das marcas para tomar esse caminho.
Eu, pessoalmente, vejo esse lado do mercado como sendo muito parecido com os carros de alta qualidade. Quando vamos a um salão do automóvel, são as Lamborghinis e Ferraris que vamos olhar, e as outras coisas deixamos um pouco de lado para olhar depois. Há um punhado ou mais dessas marcas capazes de atrair uma audiência, tenho certeza que os leitores lendo essa entrevista facilmente se identificarão com essa situação. No entanto, somos atraídos para automóveis mais caros, e menos acessíveis, para estabelecer uma referência do que podemos realisticamente pagar, e um dia talvez os comprar. O problema com a indústria do Hi-Fi é que os fabricantes estão perseguindo o mercado Hi-End à custa dos produtos mais acessíveis. Notei em artigos e notícias nos últimos dias, que o mercado de produtos de luxo, não necessariamente de Hi-Fi, está começando a contrair e mostrar desaceleração.
Não me interpretem mal, há algumas marcas de alta qualidade excelentes por aí, e eu adoro todos esses tópicos, juntamente com as pessoas interessadas no assunto, mas eu também acho que há um lugar para produtos excelentes, mas que sejam mais acessíveis. Se não tomarmos cuidado, acho que as marcas chinesas vão dominar essa seção inferior e média do mercado.
Dou a impressão de que estou criticando o nicho do Hi-End, mas a verdade é que todos nós do meio aspiramos possuir esses produtos e equipamentos, mesmo que na realidade somente alguns de nós possam adquiri-los. Essa condição me remete aos dias quando era adolescente nos anos 80, e olhávamos para os produtos da Linn, Naim, Audio Research e Krell, mas na realidade o que realmente era possível comprar era aparelhos como o toca-discos da Dual, um amplificador da NAD ou da Marantz, e caixas acústicas da KEF ou da Wharfedale.
Linette – A indústria Hi-Fi é muito parecida com qualquer outra indústria de artigos de luxo. Eu costumo compará-la à indústria da moda: esta utiliza da aspiração e almejo do ultra-alto padrão da alta costura. Olhamos para uma marca e cobiçamos as peças de referência e de ponta que são produzidas, mesmo que estas sejam impraticáveis e inacessíveis para consumidores no mundo real.
No mundo real, as pessoas olham para esses produtos de alto padrão, mas depois compram os que se encaixem em suas vidas e orçamentos. Entretanto, ainda precisamos desse alto padrão, e Hi-End, com suas elucubrações e maluquices para nos inspirar e encantar.
Energia e Shows: Enquanto escrevendo e reportando essa indústria, quais são fatores os mantêm cativados e entusiasmados? Show após show, ano após ano? Quais são as semelhanças e diferenças quando visitando outros países?
Stuart – Adoro viajar e conhecer novas pessoas nessa indústria, tal qual encontrar e conhecer os leitores da HiFi PiG.
Nunca deixa de me surpreender de, onde quer que vamos no mundo, as pessoas nos reconhecem, pedem para tirar selfies, e conversar conosco. Também adoro viajar de avião, fico sempre muito animado quando estamos prestes a embarcar para um novo destino.
Os novos produtos e o entusiasmo dos expositores das feiras que frequento são contagiantes – tenho a impressão às vezes que os visitantes não têm ideia do esforço necessário para que os expositores preparem e participem de um desses eventos. De vez em quando fico irritado quando leio em postagens nas redes sociais dizendo que específico fabricante “parecia uma porcaria”, ou algo assim. A verdade é que os expositores das feiras trabalham em ambientes que lhes são estranhos, e com propriedades acústicas aquém das ideais.
Também me incomoda quando leio postagens de indivíduos que fizeram essencialmente uma análise completa de um produto na feira. Este último ponto é um pouco incômodo para mim e, embora eu ache justo fornecer uma ampla visão geral ou descrição de um sistema em uma feira, não há como oferecer comentários reais e significativos, já que também estamos em novos ambientes e com periféricos que não conhecemos e salas que foram acertadas com tempo limitado. Com tudo isso dito, eu gostaria que o tratamento acústico fosse mais usado nos shows, proporcionando uma melhor experiência auditiva.
No que diz respeito aos diferentes continentes, há diferenças nas pessoas e nos programas: a nossa recente visita a Hong Kong absolutamente nos surpreendeu, o entusiasmo pelo HiFi e pela música era incrivelmente positivo, com os visitantes do show completamente dispostos a experimentar novos produtos e com uma sensação real de que todos estavam realmente positivamente interessados. No fim de semana, naquele show, 31 mil visitantes passaram pelas portas.
O Hi-End Show de Munique é um evento verdadeiramente soberbo – adoramos visitá-lo. Mas, shows como o de Varsóvia, e o recente evento da Holanda, o Dutch Audio Event, foram sensacionais e inspiradores. Há também um grande entusiasmo pelos shows por aqui na Europa, ressaltando que o show de Varsóvia teve os visitantes mais entusiasmados. A cidade é ótima, e creio que a falta de acesso aos produtos ocidentais no passado e a dependência do áudio DIY, moldaram a forma como eles encaram o áudio. Também acho que, sobre esse último ponto do áudio DIY, dos kits de montagem ‘Do It Yourself”, a Polônia trouxe ao mercado alguns produtos verdadeiramente líderes mundiais, como os produtos da Lampizator, entre outros. Visitamos também alguns shows norte-americanos, como o extinto Rocky Mountain Audio Fest e o AXPONA – ambos excelentes shows.
Com a possível exceção do show em Bristol, os shows no Reino Unido tendem a ser shows menores. Estamos bem envolvidos no North West Audio Show, em Cranage, e no Audio Show Deluxe, em Whittlebury, ambos são eventos fantásticos. Ouvi dizer que o show do Paul Miller em Ascot também é muito bom. Há também o show WAM, que é focado nos entusiastas e hobbistas, para exibirem seus sistemas.
Tanto a Linette quanto eu adoraríamos visitar a América do Sul eventualmente no futuro. Aguardamos um convite!
Linette – Conhecer novas pessoas, reencontrar velhos amigos, e o puro prazer de viajar para lugares diferentes nos mantêm recarregados. Sempre há algo novo, novas marcas, novos produtos, passear e conhecer novos lugares é emocionante. Além disso, como disse o Stuart, conhecer nossos leitores é fantástico. Quando alguém aparece e quer uma selfie conosco ou diz o quanto gosta de ler e assistir a HiFi PiG, é algo realmente muito especial.
Também especial é a oportunidade de ser um dos primeiros no mundo a experimentar e ouvir coisas novas, e ver algo pela primeira vez. E, claro, ter acesso aos bastidores quando visitamos fabricantes e marcas. Sinceramente, viajar e conhecer coisas novas nunca fica velho ou chato. Quando isso acontecer, e não estivermos mais entusiasmados com isso, será então a hora de parar.
Expandindo e Diversificando: Além da Hi-Fi Pig, você e Linette expandiram para o canal HiFi PiG TV no YouTube, a nova e luxuosa publicação Not Boring, e o desenvolvimento de parcerias com novas iniciativas. Onde e como vocês encontram a energia para fazer tudo isso? Sempre com um sorriso? Sem ficarem aparentemente cansados?
Stuart – O canal de vídeo foi difícil no começo, com várias tentativas frustradas que não funcionaram, primeiramente porque estou acostumado com locução em rádio. Nós dois ficamos muito nervosos ao falar diante de uma câmera.Depois de um tempo, esperamos que tenhamos superado isso, neste ponto, e que nossas notícias semanais no formato de bate-papo, bem informal, transmitam a nossa personalidade e a personalidade do HiFi PiG. Gostamos de fazer os vídeos e receber feedback sobre o canal no curto período que estamos no ar, é muito bom. É importante ressaltar que o canal de YouTube não é, e nunca será, nosso foco principal. Na verdade é apenas um extra para a audiência que curte conteúdo em vídeo.
A revista Not Boring surgiu por meio de conversas com pessoas do setor, e de um desejo constante desse setor de atrair novas pessoas e mais jovens. Também surgiu porque ambos estamos interessados em outros assuntos culturais além da música e do áudio. Durante o lockdown lançamos a nossa versão de uma ‘Selection Box’ – uma selection box é a coleta de doces e chocolates realizada no Reino Unido para crianças durante o período do Natal. A nossa versão da Selection Box consistia em e-mails com links para exposições de arte, programas de TV e filmes que achamos interessantes, e também notícias que achamos inspiradoras. E, claro, novos lançamentos de música. A intenção era expor leitoras e leitores a assuntos que talvez estivessem fora de sua habitual zona de conforto. A partir dessas malas diretas mensais, surgiu o conceito da Not Boring. Logo, esperamos que as pessoas leiam a publicação pelos artigos interessantes escritos por brilhantes e jovens colaboradores, e também sejam expostos a sistemas de áudio. Venham e acessem os artigos, e fiquem conosco para o Hi-Fi.
Os sorrisos são genuinamente verdadeiros! AMAMOS fazer o que fazemos! É cansativo, mas sabemos que as pessoas nas feiras, tanto visitantes quanto expositores, colocaram muito esforço e dinheiro para participar desses eventos. Por isso, o mínimo que podemos fazer é comparecer com entusiasmo e estarmos felizes por fazer uma visita aos shows.
Enfim, adoramos conversar com novas pessoas. Estas possivelmente não estariam motivadas a um bate-papo caso estivéssemos carrancudos e com cara de chateados.
Linette – Sem dúvida, gostamos realmente do que fazemos, eu estava muito nervosa com os vídeos, mas depois de fazer alguns curtos em Munique este ano, descobri que geralmente as pessoas com quem eu estava conversando estavam mais nervosas do que eu, e deixá-las à vontade ajudou a me deixar à vontade. Creio que ser você mesma, relaxar, e levar como uma conversa normal, ajuda a acalmar.
A Not Boring nos dá a chance de compartilhar nossos outros interesses, sendo um grande deles a arte, que também está intrinsecamente ligada ao Hi-Fi.
Como mencionei antes, realmente gostamos do que fazemos e estou feliz pela oportunidade. Para ser sincera, acho muito chato e entediante, quando pessoas exibem um ar de superioridade e desdém em relação ao seu próprio trabalho. Temos sorte de fazer o que fazemos para viver e de podermos fazer isso juntos. Desejo que isso continue por muito tempo.
Além do Horizonte: Na medida do possível, diga-nos o que está por vir. Em quais projetos interessantes vocês estão trabalhando?
Stuart – Quando vocês estiverem lendo esta entrevista, o jogo HiFi PiG para iOS e Android estará disponível para download gratuito. Chama-se HiFly PiG – diversão garantida.
Sempre estamos em busca de novos conceitos para nossos produtos de merchandising, que geralmente são muito populares e dados de graça durante os eventos. A demanda por nossas camisetas “HiFi PiG Gives Me a Lardon” é tanta que teremos que fazer outra partida na confecção. O outro modelo “I’m a HiFi PiG Fan”, também muito popular, está esgotado. Creio que distribuímos cerca de 1500 destas camisetas gratuitamente. As pessoas adoram nosso material de merchandising, seja um broche ou crachá, uma camiseta, ou qualquer outra coisa. Os fãs realmente gostam das coisas mais peculiares e diferentes.
Também estou trabalhando na ideia de uma tiragem muito limitada de relógios HiFi PiG com uma sensacional empresa no Reino Unido, e na Suíça, chamada Winton Watch Company. Pode não dar em nada, mas é algo que estou realmente apaixonado em perseguir.
Linette – Estamos sempre trocando ideias, seja para artigos, vídeos, mercadorias ou algo para fazer nos shows. A beleza da HiFi PiG é que podemos tomar uma decisão sobre um tópico e de imediato seguir adiante. Logo, fique atento no nosso espaço para ver o que está por vir!
CONCLUSÃO
Ao seguir as atividades do Stuart e da Linette nas redes sociais, e no website da HiFi PiG, é nítido o entusiasmo e dedicação deles a uma atividade que, por mais soe como trabalho, segundo eles é um estilo de vida: viajar pelo mundo, escutar música, aprender sobre novos produtos, e acima de tudo conhecer pessoas e criar relações. Esse casal é um exemplo de como viver de bem com a vida, de joie de vivre, fazendo o que se gosta, sentindo-se realizado, e estar feliz de realmente apreciar as coisas da vida.
Espero que as leitoras e leitores tenham gostado da entrevista, tanto quanto eu me diverti durante o encontro com o Stuart e a Linette.
Como sempre, agradeço a sua atenção desejando a todos ótimas audições.
REFERÊNCIAS
Publicação HiFi PiG: https://www.hifipig.com/category/news/
Publicação Not Boring, by HiFi PiG: https://www.hifipig.com/not-boring-magazine-by-hifi-pig
Dutch Audio Event: https://dutchaudioevent.nl
Audio Video Magazine – edição #290: https://clubedoaudio.com.br/edicao-290/internacional-dutch-audio-event 2022/