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Opinião: LEIGO AVALIANDO AUDIOFILIA PARA OUTRO LEIGO
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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Todos nós a temos – e diria que alguns de nós poderiam ser chamados de Acumuladores Sonoros, de tantos sons que a vida lhes apresentou.

Não falo apenas de melodias que montam nossa trilha sonora pessoal, falo de sons simples como o sino da igreja, o chamado inconfundível do afiador de facas que passava na rua, da buzina do carrinho de pipoca, da água fervendo na chaleira, e do cuco a nos lembrar da hora cheia.

Todos esses sons, musicais ou não, fazem parte de nossa mais profunda memória, e podemos resgatá-las sempre que os escutamos. Todos os sons e melodias que nos lembramos, estão armazenados em nosso hipocampo, e fazem parte da memória de longo prazo.

Então, quando leio artigos audiófilos afirmando que não podemos confiar em nossa memória musical de longo prazo, eu sempre me pergunto o que a pessoa que afirma isso, fez com a sua memória de longo prazo?

Gosto muito dos artigos e livros do neurocientista Charan Ranganath, e indico a todos os interessados seu mais recente livro – Why We Remember.

Ranganath recentemente deu uma excelente entrevista para o jornalista David Robson da BBC Future, e algumas de suas observações citadas no seu novo livro são realmente muito interessantes.

Como professor de psicologia na Universidade da Califórnia, ele junto com sua equipe passou seus últimos 30 anos explorando processos que permitem que nosso cérebro tenha a capacidade de recordar, de lembrar e de esquecer.
E ele sempre, em seus artigos, palestras e livros, nos lembra que muitas de nossas suposições sobre a memória são equivocadas, e que o que nos incomoda como aparentes falhas de nossa memória, são na verdade recursos que permitem uma flexibilidade cognitiva, primordial para a nossa sobrevivência.

Veja que interessante esse ponto de vista, observado através de 30 anos de estudos práticos – e não teóricos – de que o fato de esquecermos não é uma limitação de nossa mente, e sim de manutenção de aprendizado do que realmente nos é essencial.

Ele, nessa entrevista, nos lembra que a memória é formada pela conexão entre os neurônios, e que muitas dessas ligações não serão tão boas e eficazes, enquanto outras serão muito fortes e permanentes.

E a melhor maneira de criar memórias mais eficazes, necessita do uso de ferramentas como a de técnicas de aprendizagem ativa. Ele nos dá um simplório exemplo, eficaz, de dirigir por um bairro em vez de apenas procurá-lo no Google Maps, ou atuar em uma peça de teatro em vez de apenas ler o roteiro repetidas vezes. Atitudes simples, mas com excelente resultado para a nossa memória de longo prazo.

O mesmo processo se dá com a memória auditiva. Ampliar nosso repertório de referências de música ao vivo não amplificada, e conhecer detalhadamente o som do maior número possível de instrumentos, e memorizá-los, irá nos ajudar a fazer no futuro escolhas melhores e mais corretas em nossos sistemas de áudio!

O jornalista da BBC então pergunta a Ranganath que estratégias são eficazes para se aprimorar a qualidade de nossas memórias?

E o neurocientista responde: “Existem três princípios básicos. Um deles é a distinção. Nossas memórias competem entre si e, portanto, quanto mais você conseguir fazer algo se destacar, melhor. As mais importantes memórias vívidas são as associadas à imagem, sons e sentimentos únicos – são elas que vão ficar conosco. Portanto, focar nos detalhes sensoriais, em vez de ficarmos presos na cabeça, realmente nos ajuda a lembrar melhor”.

Quem me lê a pelo menos um ano, e conhece e se interessa pela maneira que abordamos aqui a audiofilia, sabe o quanto primamos em lembrá-los da importância dos ‘detalhes’, de cada um dos nossos Quesitos, e o que devemos guardar de cada exemplo musical, para aplicarmos em todos os nossos futuros upgrades.

Nossa memória de longo prazo só poderá ser usada com eficácia se tivermos ‘interiorizado’ auditivamente os detalhes aos quais precisamos nos ater, na avaliação de qualquer produto de áudio.

E, para interiorizarmos corretamente esses detalhes existentes nos exemplos musicais sugeridos, precisamos nos desfazer de todo e qualquer preconceito em relação a estilos musicais e ideias para a avaliação de um equipamento. Lembrar-se que aquele exemplo é apenas uma ‘ferramenta eficaz’ para o ajuste fino ou escolha de um produto.

Você não precisará voltar a ouvir esses exemplos, se não gostar deles, depois que montar e acertar seu sistema.

Agora, se você realmente deseja contar com sua memória de longo prazo na hora de escolher um produto, e não tiver à mão os exemplos indicados, ter uma referência auditiva de como os instrumentos soam na vida real, ajudará e muito.

Ranganath ainda encoraja seus pacientes a utilizar uma segunda estratégia para potencializar suas memórias, que ele chama de “Palácio das Memórias”, que consiste em associar a informação que você deseja aprender com a informação que você já possui.

Exatamente o que acabei de escrever um parágrafo acima, se você tem os exemplos musicais corretos, ao associar esses exemplos com o aprendizado de ouvir música ao vivo não amplificada, criará a consistência de conhecimento auditivo memorizado, que será útil por toda sua trajetória na busca do seu sistema ideal!

Aí meu amigo, nenhum sistema torto timbricamente, ou com limitações de transientes, corpo harmônico, passará mais pelo seu crivo. Fazendo de você um ouvinte seletivo e consciente do certo e do errado na reprodução eletrônica.

E na terceira dica, para ‘turbinar’ nossa memória, Ranganath nos dá um exemplo exatamente auditivo: “Sabemos, por exemplo, que as músicas podem evocar naturalmente memórias de períodos específicos da sua vida, então as utilize”.

Esse é um tema recorrente tanto em meus editoriais como em Opiniões e Espaços Abertos. A audiofilia não pode começar pela busca de aprimorar a música que amamos, e se perder no caminho e se enveredar pelo ‘aparelhofilismo’. Pois esse labirinto é um caminho sem volta, e profundamente desastroso monetariamente e emocionalmente!

E até mesmo a questão de compartilharmos nossas memórias musicais, tem seus benefícios.

Para Ranganath, quando compartilhamos nossas memórias com outras pessoas, isso pode fazer com que nossas memórias sejam atualizadas. Pois quando estamos explicando em ‘detalhes’ um acontecimento para você, o ato de contar aquele fato, pode mudar a maneira como me lembro dela.

E ele encerra a entrevista com uma interessante conclusão: “Eu diria que muitas de nossas memórias não são (puramente) nossas: são memórias coletivas”. Isso me remete aos Cursos de Percepção Auditiva, como a este recente Workshop Hi-end Show, de como é ‘urgente’ resgatar a cultura de voltarmos a ouvir música reproduzida eletronicamente em grupos, reunidos nas salas de amigos também audiófilos, mas para realmente apreciarmos a música, e não só jogando conversa fiada fora.

Foi interessantíssimo ver o respeito e o silêncio nas nossas apresentações com sala lotada, e todos compenetrados buscando ouvir os ‘detalhes’ e as diferenças entre um sistema e outro.

Isso cria um efeito replicador nas pessoas, as motivam a buscar soluções para os seus sistemas, ampliam conhecimento e valorizam a boa música, tão necessária para o ajuste fino de qualquer sistema e alimento para nosso corpo, mente e alma.

A audiofilia sem a Referência da Memória Auditiva de Longo Prazo, para guiá-lo a portos mais seguros, é apenas um náufrago solitário.

Que todos nós façamos melhor uso de nossa memória auditiva, hoje e sempre!

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