Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Ajudar os outros a montarem seus setups, ou mesmo ajustá-los, via e-mail, WhatsApp, Messenger, carta, telegrama, cartão postal, sinal de fumaça ou mapa astral, é tudo sempre a mesma coisa: é como um mudo tentando ensinar um cego a pilotar um carro no autódromo em tempo real! É uma luta inglória, insatisfatória para ambos lados.
As pessoas têm dificuldade de entender que não é algo baseado em fórmulas. Não tem receitinha e nem atalhos. Existem audiófilos que desistem do hobby quando veem o trabalho que vai dar para soar direito, para obter o melhor de seus sistemas, e outros que contratam profissionais para ajustá-los, e simplesmente sentam e usufruem…
Mas, e aquela ‘coceirinha’ de ficar fuçando, futucando, alterando, mexendo, tentando todo tipo de coisas? Bom, primeiro, existe gente que não para de mexer em seus sistemas porque não sabem quando perceber que já está tocando o que pode dar – e existem audiófilos que não conseguem parar de mexer mesmo.
Tirando instalar uma outra cápsula em meu toca-discos, acho que faz uns dois meses que eu não altero nada em meu sistema – e olha que ele é tanto algo usado para o prazer de ouvir música, quanto uma ferramenta de trabalho. Dois meses é pouco, até, e acho que vai mais uns dois sem precisar alterar uma vírgula – que, provavelmente, só acontecerá por necessidades da revista… Pois hoje, não há nada que eu precise mexer.
E quando se faz ‘Setup Por Reembolso Postal’ (os mais antigos vão lembrar dos ‘cursos por reembolso postal’ que tinham nas revistinhas do Pato Donald, do Instituto Universal Brasileiro, para aprender a ser técnico de ‘rádio & TV’ por correspondência), quando se tenta ajudar à distância, a gente nunca sabe nem como está soando o sistema do audiófilo, e nem faz ideia se ele está, do outro lado, fazendo aquilo que você sugeriu do jeito que você sugeriu (se é que você sugeriu com clareza). Você não sabe se o cego está fazendo a curva do jeito que você explicou, e você – como mudo – não sabe se passou instruções coerentes e claras o suficiente, se foi compreendido.
Você se frustra. E a pessoa se frustra.
Aqui na revista, eu e o Fernando Andrette costumamos ajudar todo mundo que nos procura com dúvidas. A maior parte delas, felizmente, pode ser esclarecida a contento por mensagem de texto, como o que comprar que combine com tal e tal equipamento – ou qual escolher dentre essas várias opções, ou que dê o melhor resultado com um devido orçamento (aquele com a qual o brasileiro nasce se preocupando…).
Mas qual é a questão, quando se vai tentar ensinar certas coisas para um terceiro, por texto?
A questão é que você não pode juntar três coisas que são só suas: Método de Trabalho, Experiência & Ferramenta, e emprestar para a pessoa via sinal de fumaça!
Ela vai ter dificuldade de entender e aplicar o Método de Trabalho – o ‘como’ fazer – mas pode eventualmente aplicá-lo corretamente, apesar de ser um processo longo, lento, tedioso e trabalhoso. Mas, na maior parte das vezes, vai desistir antes. E vai lhe faltar algo:
A Ferrramenta! E qual é? Ouvidos treinados para ouvir, perceber, discernir e aplicar. Seu ouvido precisa ser treinado para você poder ‘ouvir pelos outros’, e se assim já estiver, grande chance de você não precisar tanto da ajuda de terceiros.
E, para entender o que seu ouvido lhe diz, e usar o método certo para corrigir seus problemas, e fazê-lo com precisão e rapidez, um bocado de Experiência ajuda. Mas, claro, consegue-se chegar lá sem experiência, mas nunca sem ouvido.
Referência & Metodologia – esse é nosso ‘norte’!
E a maioria faz errado – por uma série de conceitos MUITO errados. Ter uma Metodologia dá trabalho, claro, mas não é nada do outro mundo – e sem algum tipo de metodologia para ouvir, testar, avaliar e regular, não se consegue repetir e comparar resultados. Fica-se correndo atrás do próprio rabo, e gastando dinheiro.
Ter Referência parece ser a ‘alergia’, o ‘bloqueio’ do qual sofrem muitos audiófilos – pois associar o som do instrumento real com o som do instrumento tocando através de caixas acústicas, parece ser muito mais difícil de ser aceito, e impossível de ser feito, do que acreditar que alienígenas ensinaram samba para os egípcios antigos, e à minha avó como fazer molho de tomate!
Mas, quanto aos ouvidos, o primeiro e maior erro é o quanto as pessoas desdenham de educá-los. Primeiro acham que terem ouvidos de nascença – como a maioria dos seres humanos – é o suficiente. E isso é o mesmo que dizer “se eu nasci com cérebro, eu não preciso ir à escola estudar, sou igual ao Einstein”! Ou mesmo ter a dificuldade de entender que sua audição precisa ser educada da mesma maneira que seu paladar é educado quando se torna um apreciador de vinhos e pode-se chegar a ser um sommelier. Não desdenhe do sommelier, porque um audiófilo é – e tem que ser! – um ‘sommelier de áudio’, para usufruir do melhor, para tirar o melhor, e para entender do melhor. Não existe ‘Sommelier de Vinho Quente de Quermesse’, nem com micro-system, nem com sistema Estado da Arte.
E não, o “eu escuto música há décadas” em aparelhos de som, fones de ouvido e som de carro, não é o suficiente para constituir ‘ouvidos educados’, porque ‘ouvido crítico’ necessita de espírito crítico, necessidade de informação real, profunda e precisa, e de como usá-la.
Daí, portanto, que para certas partes e profundidades do setup, do ajuste do sistema de terceiros, fazê-lo à distância sem saber se está sendo corretamente compreendido, e se o lado de lá tem o conhecimento, habilidade e a ferramenta mínimos para por sua ajuda em prática, é uma improbabilidade. A extensão toda do que você pode fazer, é dar as instruções gerais, e esperar que o interlocutor tenha a chave de fenda certa para o parafuso certo – e o conhecimento para girá-lo.
Me lembrou uma piada, sobre as gerações mais novas, que nunca usaram um relógio de ponteiros, e a pessoa pede que se “Gire o parafuso no sentido anti-horário”, e o outro responde: “O que é ‘sentido anti-horário’?”.
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