Christian Pruks
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Uma nova seção mensal só sobre Toca-Discos de Vinil
O que é ‘peso de tracionamento’?
Também conhecido como VTF – Vertical Tracking Force – Força Vertical de Tracionamento.
É o peso que a agulha do toca-discos exerce sobre a superfície do LP, como designado pelo fabricante da agulha ou da cápsula magnética, e que é, geralmente, regulado por dois métodos diferentes: 1) usando a escala do contrapeso do próprio braço, ou 2) usando uma balança digital de precisão específica para essa função.
Claro que a balança dá um resultado muito mais preciso, e eu diria que para um certo nível de toca-discos, de braço e de cápsula, a balança é absolutamente necessária. Tanto que a maioria dos toca-discos – exceto alguns intermediários e os para DJs – não têm mais a escala no contrapeso, exigindo o uso da balança (que, felizmente, é barata e fácil de ser adquirida).
A VTF é essencial para o correto funcionamento do toca-discos, e correta Qualidade Sonora. O peso regulado errado, junto com o alinhamento incorreto, são os principais culpados pelo som ruim, por sibilância nos agudos – e até podem danificar o LP.
Mas, qual é o processo básico para se regular o braço? Primeiro é necessário entender que muita coisa tem que ser regulada – e, claro, existe uma ordem de ações: por o aparelho em uma superfície sólida e plana (não pode ser a mesma prateleira das caixas pois é sensível à vibração), nivelar o toca-discos corretamente, verificar se a cápsula está bem instalada e parafusada, fazer uma regulagem básica do peso para poder manipular o braço com mais segurança, proceder ao ajuste fino do alinhamento da cápsula com um gabarito, ajustar a altura do braço e seu paralelismo à superfície do disco (VTA), ajustar o peso novamente e, por fim, regular o Anti-Skating no mesmo valor do peso usado (leia artigo desta seção sobre o ajuste do Anti-Skating na edição 304).
A complexidade do processo apavora muita gente, não só por medo de estragar a cápsula, mas também por não conseguir atingir o melhor resultado sonoro. A sugestão é sempre a de chamar um profissional especializado e cuidadoso, claro.
Mas, falando só de VTF, se você já tem um toca-discos bom, e quer rever a regulagem do peso de seu braço – em um toca-discos cujo braço tenha a escala de peso, que geralmente aparece claramente no contrapeso que está localizado no fim do braço – o processo pode ser visualizado em numerosos vídeos no YouTube. Porém, praticamente todos são muito generalistas e carecem de um pouco de precisão.
Aqui vai um dos vídeo-guias bem elementar (com comentários adicionais meus, logo abaixo):
Comentários: antes de começar a mexer no braço em si, leve a regulagem de anti-skating até o zero, e tire qualquer protetor de agulha que esteja encaixado na cápsula. À seguir, ao equilibrar o braço mexendo no contrapeso, é essencial que seja feito um ajuste fino para o mesmo fique com a agulha um milímetro ou dois apenas suspensa sobre o disco, e não suspensa ‘lá em cima’ (como em vários vídeos) e nem perto do descanso do braço, como muitos fazem (a explicação está dois parágrafos abaixo).
Em seguida, trave o braço no descanso, segure o contrapeso com uma mão, tomando cuidado para que ele não se mova, e aí gire o anel do contrapeso com outra mão até ele marcar Zero. Daí basta girar o contrapeso inteiro no sentido anti-horário, até ele marcar o peso indicado como ideal pelo fabricante de sua cápsula. E, para finalizar, regule o Anti-Skating até marcar o mesmo valor do peso: se este for 1.8g, por o Anti-Skating em 1.8. E pronto!
Por que, quando o peso do braço está ‘Zerado’ e ele está suspenso, é necessária a regulagem fina para que a agulha ‘quase encoste’ no disco, em vez de ficar ‘lá no alto’?
Porque o braço do toca-discos é uma ‘gangorra’ – ou melhor, é como uma balança de feira daquelas antigas, onde se põe a batata de um lado e pesos de metal do outro lado, até ficar equilibrada (veja a foto). Nessa balança, se você tem 100 gramas de batata de um lado, tem que por 100 gramas de contrapeso do outro para que ela fique perfeitamente equilibrada. Se você puser 95 gramas de contrapeso, esse lado da balança levanta, porque estará mais leve que o lado da batata, certo?
Ou seja, no braço do toca-discos, o ponto considerado como o de completo equilíbrio, de equilíbrio mais preciso, é o ponto onde a agulha está quase que praticamente encostada na superfície do LP, mas mesmo assim suspensa, ou seja, exercendo peso Zero sobre o disco.
É agora que travamos o braço no descanso, zeramos o anel de marcação do contrapeso, e – ao girarmos o contrapeso e aplicarmos aqui, digamos, 1.8g, é que teremos a maior precisão possível neste processo manual sem a balança digital, de que a força de tracionamento que a agulha for aplicar sobre o sulco do LP, seja a de 1.8g ou o mais próximo disso.
Fazer esse processo com desleixo quase sempre resulta em erros de peso, como de 1.8g para 1.7 ou 1.9, por exemplo. Mas isso danificaria meus discos ou minha agulha? Não. Mas não tocaria bem, não tocaria o melhor que o aparelho pode tocar.
Qual é o peso ideal para cada cápsula? Aquele recomendado pelo fabricante, no manual ou especificações da cápsula, encontrados no site da empresa. A Ortofon, por exemplo, cujas cápsulas são bastante difundidas no mercado, sugere, em uma cápsula específica, que ela pode trabalhar entre 1.5 e 2g de peso, com um ‘peso recomendado’ de 1.75g. Se usar 1.75g, é quase certo que se obterá o melhor equilíbrio tonal, inteligibilidade, detalhamento e clareza que a aquela cápsula pode dar – em um conceito geral.
Existem fabricantes em cujas cápsulas esse equilíbrio tonal só acontece quando se usa o peso máximo indicado nas especificações – portanto, um pouco de experimentação precisa ser feita para se obter o melhor resultado.
E não tente equilibrar o som do seu sistema através de tirar um pouco daqui ou por um pouco alí na regulagem de sua cápsula – primeiro porque o que você ganha na regulagem fina de seu conjunto braço/cápsula, não é o suficiente para se conseguir equilibrar um sistema que está desequilibrado. E se você forçar, sairá fora daquilo para o qual a cápsula foi otimizada, e perderá vários aspectos de Qualidade Sonora.
E o que seria a pequena variação de peso que ocorre nessa ‘regulagem fina’? Se o peso recomendado for de 1.8g, uma regulagem fina será entre 1.75 e 1.85g – e às vezes até menos! Já tive regulagens que de 2.3g foi para 2.32g para um resultado latentemente melhor.
Os erros, ou desvios grandes no peso, causam perdas fortes na qualidade sonora. Um peso mais alto fará com que os agudos fiquem mais apagados, perdendo detalhamento e clareza. Um peso menor fará com se perca quantidade de graves, e peso neles.
E a regulagem usando uma Balança Digital de precisão?
Se seu toca-discos é do tipo que precisa da balança, ou você procura mais precisão, elas são o objetivo. O preço dessas balanças é super barato na Internet, inclusive em famosos sites de vendas. E o processo é ainda mais simples: balança posta sobre o prato (sem um tapete de borracha, feltro ou LP – porque a balança para dar o peso mais correto tem que estar mais ou menos na mesma altura que estaria um LP sobre o prato). Existem balanças mais caras que ficam muito rentes à superfície do prato, eliminando esse problema. Mas em vários casos, seria melhor retirar o prato e improvisar um apoio sobre o qual por a balança, para a altura correta.
Quais os pesos usuais utilizados por cápsulas?
Primeiro, desconsidere aqueles toca-discos portáteis, muito simples, que parecem brinquedos ou que vêm dentro de maletas – porque a qualidade é baixa demais e ninguém deveria por um disco seu para tocar nesses aparelhos. As agulhas desses tipos de toca-discos são verdadeiros ‘pregos’, e podem danificar os LPs – e é mais pela agulha ser ruim do que pelo peso em si (que também é alto demais para ser seguro). Da mesma maneira, muitos aparelhos antigos mais simples usavam agulhas muito grandes e pesadas – como alguns 3-em-1 e outros systems ‘tudo junto’ das décadas de 60 a 80.
Mas, por exemplo, existem uma infinidade de bons toca-discos vintage – importados e nacionais – das décadas de 70 e 80, que são excelentes e precisos no que fazem até hoje.
Outros, que muitos torcem o nariz, que são novos e atuais, e que são de ótimo funcionamento, e não danificam discos, incluem aparelhos como o AT-LP60 (e variações) da Audio Technica, e o PL-990 da Pioneer – aliás, ambos são originários de uma plataforma semelhante. Não são ‘audiófilos’ e nem ‘hi-end’, mas não ofendem – e, que eu saiba, trabalham com 3.5g de peso, dentro de um limite seguro.
Hoje existem praticamente três tipos de agulhas: cônica (a mais simples), elíptica (a de qualidade ‘de entrada’ e intermediária), e as que têm perfis mais esotéricos, como Fine Line, Line Contact, Micro Ridge, Shibata, e vários outros menos usados, que têm um custo alto de produção além de tirarem mais detalhamento sonoro e transparência dos discos. Nenhum desses, em cápsulas de boa qualidade, bem cuidadas e reguladas, irá danificar discos.
De acordo com a maioria do que está no mercado hoje: as agulhas cônicas (também conhecidas como esféricas), mais usadas em aparelhos simples, de entrada ou para uso profissional, trabalham normalmente com pesos entre 2.5 e 4 gramas. As agulhas elípticas usam peso usualmente de 1.5 a 2g – e ‘leem’ mais informações do sulco dos discos, porém são mais sensíveis ao correto alinhamento. E os perfis esotéricos (e bastante audiófilos), que equipam cápsulas bem mais caras e de maior qualidade, costumam trabalhar com pesos de 2 a 2.5g, em média – sendo dessas os diamantes cortados em formatos diferenciados (alguns até patenteados) e que ‘leem’ uma quantidade ainda maior de informações da parede dos sulcos. Todos esses pesos estão dentro dos conformes, se o aparelho estiver mecanicamente correto, os discos limpos e, principalmente, a agulha limpa e em bom estado.
O que danifica discos, então, em bons toca-discos atuais?
Ouvir discos com agulhas sujas – essas pegam gorduras que vêm das mãos, da cozinha e até de fumantes e da fumaça de escapamento de carros, caminhões e ônibus, que juntando-se com o pó podem virar uma espécie de ‘argamassa’ e incrustar-se na agulha – e esse elemento extra preso no diamante vai, uma hora, começar a ‘comer’ o sulco do disco. Assim como agulhas gastas ou danificadas (rachadas e afins) também vão ‘comer’ o LP.
Existem alguns mitos e lendas, algumas coisas erradas faladas por aí, sobre a regulagem do peso do braço, do VTF, como:
– “O peso muda de disco para disco” – não, ele é uma função do projeto da cápsula e de sua suspensão, e mesmo a alteração de peso por causa da diferença de grossura entre os LPs é muito pequena para justificar modificar.
– “O peso muda de acordo com o estado do LP a ser tocado” – mesma resposta acima, com a adição de um comentário muito importante: use discos em bom estado, somente! Ou até alguns um pouco arranhados e barulhentos, se você gosta muito do disco. Se o LP tiver uns arranhões que são tão profundos que fazem a agulha pular, melhor substituir o disco antes que ele danifique sua agulha e lhe dê um grande prejuízo.
– “Usar um peso mínimo e ir aumentando gradativamente se a agulha passar a pular dos sulcos” – esse não faz ideia do que está ouvindo saindo das caixas, porque seu som deve estar todo desequilibrado.
– “Deve-se usar um tracionamento o mais leve possível para minimizar o desgaste do disco e da agulha” – não faz sentido, porque além de tocar mal, vai fisicamente tracionar mal, por não estar corretamente firme dentro do sulco. É capaz de ajudar a danificar a superfície do disco e até a integridade do diamante e do cantilever.
Como é definido, pelo fabricante, o peso de tracionamento a ser usado em uma cápsula?
Como vimos acima, o formato da agulha, do corte do diamante, tem influência hoje no peso no qual trabalha a cápsula. E isso tem a ver com a compliância escolhida pelos fabricantes para cada tipo de agulha – ao longo de mais de seis décadas fabricando cápsulas estéreo para aplicação em alta-fidelidade.
Compliância do conjunto cantilever/suspensão é, literalmente, o quão mole é. Durante muito tempo, cápsulas com alta compliância (suspensão mais mole) eram necessárias para braços de baixa massa (leves), pois as vibrações (as ressonâncias) eram amortecidas pelo próprio cantilever e não eram passadas para os braços leves.
Antes disso (e ainda hoje um pouco), haviam suspensões bem mais duras, de baixa compliância, que passavam suas ressonâncias para os braços que, por sua vez, eram pesados – e, portanto, amorteciam essas ressonâncias, essas vibrações, dissipavam elas.
Hoje o cenário tem braços de massa média e alta, e cápsulas de compliância média, em sua maioria. E bem baixa em alguns modelos de cápsulas antigas que foram consagradas e permanecem em linha, e também em cápsulas de uso por DJs (se você puser uma agulha com suspensão mole e querer usar para fazer estrepulias de DJ, ela vai pular mais que gato em chão quente).
A tendência de mercado, eu espero, é a de alta compatibilidade: cápsulas de compliância média, em braços de massa média. Mas, acho que durante muito tempo, haverá um pouco para cada gosto.
Um conjunto braço/cápsula bem regulado – e uma agulha mantida limpa – resultam em maior Qualidade Sonora, e maior durabilidade de seus LPs. Simples assim.
Dúvidas sobre vinil? Mande-nos um e-mail em: christian@clubedoaudio.com.br.