Christian Pruks
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Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio
O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar apenas algo antigo.
Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!
MADE IN JAPAN
A partir do final da década de 60, até final da década de 80, os equipamentos ‘Made in Japan’ tomaram gradativamente o mundo de assalto e se tornaram o padrão mundial.
O mercado de áudio consumer acabou virando, também, micro-systems e, depois, home-theater in-a-box, portáteis, fones de ouvido e soundbars. Mas durante muito tempo quase todas as marcas japonesas fabricaram amplificadores de alto nível que, apesar dos audiófilos não gostarem da maioria deles, alguns desses se sobressaíram e deixaram saudades.
Então existem alguns aparelhos vintage, e japoneses, que tocam decentemente e até surpreendem? A resposta é: sim! Não serão como equipamentos de áudio hi-end dos últimos 15 anos, claro, mas surpreendem.
O AMPLIFICADOR INTEGRADO AU-111 DA SANSUI
De 1965 a 1969, a Sansui lançou o que é considerado por muitos sua obra-prima (ou uma delas), que é o amplificador integrado valvulado AU-111.
Sim, valvulado, tanto parte de pré (com cinco 12AX7) quanto na parte de power (com quatro 6L6GC), provendo 40W por canal em 8 ohms. Engraçado que algumas listas de especificações dão 40W por canal, e outras 45W por canal. Das duas maneiras, é mais que suficiente para muitas caixas e ambientes comuns, mesmo nos dias de hoje.
Com uma etiqueta de preço que, em seu lançamento no Japão, em 1965, seria – em valores corrigidos para 2024 – mais de US$4.000, um AU-111 hoje em bom estado, funcionando, revisado, custa no mercado de usados americano algo entre 3.500 e US$5.000! Praticamente não perdeu valor!
(Não me entendam mal, mas eu acho que aparelhos de som têm que servir sua função de proporcionar a reprodução eletrônica da música – não ser objetivo de investimento de dinheiro).
O grande diferencial do AU-111, segundo a comunidade de vintages valvulados, era que seus transformadores todos (que deixavam o aparelho com 24kg!), tanto o de força como os de saída eram feitos pela Hashimoto – uma empresa cujos transformadores têm status mítico na comunidade valvuleira, e que equiparam vários dos melhores amplificadores da Sansui, desde transformadores de saída em valvulados, até transformadores de fonte nos transistorizados. Seus fãs não só consideram os transformadores do AU-111 como ‘garantidos para a vida toda’, como alguns os acham mais importantes que o aparelho em si.
Sendo um integrado de 1965, alguns recursos que aparecem nele diferem do que estamos acostumados, do que viria a ser o padrão da década de 70 até a década de 90: controles tonais separados por canal com seleção de corte e botão de desligar (para desligar separadamente os graves e os agudos), uma tecla chamada chamada Presence (que eu fico pensando se, ao ligá-la junto com o Loudness, uma não anula a outra…rs…), um potenciômetro separado para um tal Center Channel (que depois foi mudado apenas para Power Volume), e entradas Tape para gravador de rolo (cada uma com uma equalização específica para fitas tocadas em velocidade 3-¾ e 7-½ polegadas por segundo).
O AU-111 original teve cinco revisões na década de 60, com pequenas mudanças. E vinha com um pré de phono que,a Sansui escolheu ser solidstate, para ter um baixo nível de ruído – mas o restante da amplificação era completamente valvulada push-pull, com transformadores de saída, bias fixo e realimentação por catodo.
MODELOS SEMELHANTES
Em 1999, bem no crepúsculo da empresa, seu gerente de produtos hi-end, Ichiro Ohshima, lembrando-se do quanto sempre gostou do som o AU-111, resolveu reeditar o amplificador, com mudanças internas sem o terceiro canal, e sem a equalização para gravadores de rolo. com mesmo atemporal painel frontal (que até hoje influencia designs, como os aparelhos da Moonriver Audio, por exemplo), mas com um painel traseiro reformulado e com conectores de alta qualidade. O aparelho recebeu o nome de Sansui AU-111 Vintage 1999.
E, poucos meses depois, veio o ‘canto do cisne’ da área de produtos de alta qualidade da empresa: o AU-111G, com a parte de pré-amplificação modificada para lidar com o sinal do CD e do SuperAudioCD – e que traz uma só entrada Phono, duas entradas de Linha, e uma intitulada CD.
Os puristas, claro, dizem que o AU-111 original toca melhor que os ‘modernos’ Vintage 1999 e modelo G. Mas eu suspeito que ambos são muito interessantes.
Eu diria que semelhantes ao AU-111, em matéria de qualidade sonora, inclui-se o integrado AU-999 e o receiver 9090db, ambos da marca, ambos do mesmo período entre fim da década de 60 e fim da de 70.
Ainda assim, o AU-111 reina soberano na linha de amplificadores da Sansui.
COMO TOCA O AU-111
Junto com o AU-999, o AU-111 é o melhor amplificador integrado dos antigos, da era ‘vintage’, da década de 60 e 70. Diz-se que é nesse amplificador que nasceu o famoso ‘Som Sansui’ – que deixou conhecida mundialmente a qualidade da marca.
Mas o que quer dizer ser ‘melhor’? Bom, durante muitos anos não havia um padrão muito correto de Equilíbrio Tonal para amplificadores – e também para caixas de som. Assim como, hoje se vê medições de caixas acústicas vintage, e sua curva de resposta de frequência (que deveria ser o mais plana possível), parece mais o desenho de alguma montanha-russa de parque de diversões. Vale explicar: acho que, se você quer ter uma representação correta da música, tem que ter todas as frequências representadas em boa intensidade, dentro da faixa audível – ou seja, equilíbrio tonal.
Se hoje descobre-se que a maior parte das caixas antigas eram assim, é preciso lembrar que, ao pegar vários amplificadores ou receivers das décadas de 60, 70 e 80, vai se ver que um dá uma quantidade de agudo boa com o botão em flat, e outro não dá agudo nenhum a não ser que se abra o botão dos agudos ao máximo, etc. Um dá um excelente grave, e outro dá um som magrinho sem grave nenhum.
Isso sem falar da qualidade desses graves e agudos. Não dá para confiar em nenhum amplificador que fique abafado nos agudos ou faltando graves, quando se ouve ele com os controles tonais em flat. E eu nem falei do botão de Loudness!
O AU-999, um dos meus preferidos, é um transistorizado que dá um som decentemente equilibrado, correto, cheio e limpo em flat, sem Loudness, ao ser ligado em uma caixa decentemente equilibrada. Essas características sonoras são o ponto de partida – menos que isso, não deve ser considerado.
O AU-111 segue o mesmo perfil, porém seu som é mais quente e mais enérgico – e muito surpreendente. Seus fãs dizem que ele é muito musical e limpo ao mesmo tempo. Pode-se ligá-lo à uma caixa boa moderna, e ter um sistema honesto.
Se pegar a maioria dos Sansuis (e integrados de outras marcas japonesas também) da década seguinte, a de 80, será mais difícil casá-los com caixas, devido ao seu som mais analítico e frio (como acontece com vários aparelhos audiófilos modernos também). Porque acho que buscavam mais detalhamento e definição, e perdiam calor e corpo – e a história continua a se repetir, não? …rs.
A busca incessante por ser ‘Mais Realista que o Rei’, e jogar a musicalidade pela janela.
Ninguém precisa de super-definição, e sim de realismo, clareza e musicalidade – dessa maneira ninguém ouve algo pensando “falta grave, sobra agudo”…
Acredito haverem outros amplificadores bons da marca, e de outras marcas também – inclusive na década de 80 – até porque nunca ouvi todos os que foram projetados, e existem vários que são muito bem quistos pela comunidade audiófila.
SOBRE A SANSUI
A palavra ‘Sansui’ significa “Montanha e Água”. A empresa nasceu em 1947, em Tóquio, através de Kosaku Kikuchi, que queria fabricar componentes de melhor qualidade para rádios. Seu primeiro conjunto de pré e power estéreo, valvulados, nasceu em 1958. E, na década de 70, dedicaram-se com afinco ao transistor, e expandiram a linha para caixas, fones de ouvido, toca-discos de vinil e tape-decks.
Com o declínio iniciado na década de 90, infelizmente encerraram suas atividades na virada dos anos 2000.
E hoje a marca Sansui pertence ao fabricante de eletrônicos de consumo Doshisha, no Japão, e no resto do mundo pertence à Nimble Holdings, de Hong Kong. E ninguém sabe do futuro.
Um agosto bem musical a todos nós!