Fernando Andrette
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Se você não sente a pele arrepiar ao ouvir aquelas músicas que lhe tocam o coração, antes de colocar a culpa no seu sistema hi-end, saiba que apenas 50% da população costuma ter essa reação física ao ouvir música.
Então, antes de sair vendendo seu investimento de anos a preço de banana, se pergunte se você é do grupo que os neurocientistas chamam de ‘mais sensíveis ’ ao ouvir música, ou do grupo dos que apenas apreciam a música de uma maneira mais ‘intelectual’ do que emocional.
Para tentar entender o que ocorre em nível físico e neural, foi feito o seguinte estudo: escolheu-se um grupo de 20 pessoas em que dez tinham esse comportamento de arrepiar a pele, e os outros dez não.
Cada participante pôde escolher cinco músicas de sua preferência, e todos tiveram seus batimentos cardíacos , suor da pele e imagem do cérebro monitorados enquanto ouviam sua playlist.
O interessante é que, em todos os 20 participantes, o coração acelerou e todos tiveram de alguma maneira o aumento do suor corporal.
Porém, nos 10 em que a pele e os pêlos se arrepiaram, o coração foi ainda mais acelerado, houve maior quantidade de suor, e uma reação no cérebro de pontos se iluminando ainda mais intensa.
Analisando as imagens de ressonância magnética dos 20 participantes, os neurocientistas descobriram que o ‘grupo do arrepio’ tinham mais fibras nervosas saindo do córtex auditivo e se ligando ao córtex insular anterior, e ao córtex pré-frontal, que processam sentimentos e monitoram emoções. Levando à conclusão que essa conectividade extra intensifica a experiência sensorial que a música provoca.
O que agora os idealizadores desse estudo querem saber é se as pessoas que se arrepiam ao ouvir música, nascem mais sensíveis ou se é possível essas conexões passarem a existir em indivíduos que nunca se arrepiaram.
Pois um outro grupo de estudo, também estudando o arrepio musical, descobriu que a reação a expectativas e surpresas, também pode desencadear essa reação na epiderme.
Para esse grupo de estudos, a conclusão preliminar é que mesmo as pessoas que escutam a música de forma ’intelectual’, tentando prever em músicas desconhecidas como ela irá se desenrolar, reagem se arrepiando ao ouvir que a música tomou um caminho que não seguiu suas expectativas.
E o mais interessante é que nos exemplos utilizados para o estudo, quando tinham o desfecho com notas mais agudas, o cérebro dos participantes tenderam a relatar uma reação mais prazerosa.
Isso remete a uma suposição de que a música deve ter uma função evolutiva. E que as conexões cerebrais passadas de geração em geração, que estão ligadas a todo tipo de som, diretamente ao centro emotivo cerebral, têm um papel predominante para a sobrevivência humana (desde conseguir a localização exata do perigo, até para facilitar todo tipo de relação social).
E com o avanço desses estudos, agora podemos entender as reações químicas que temos ao emocionalmente ouvir música, e como esse hábito é similar ao sentimentos que expressamos, em inúmeras tarefas diárias, e como esse prazer libera uma injeção de dopamina em todo o nosso corpo.
Então, voltando ao seu sistema, amigo leitor, se você pertence ao grupo que fica com a ”pele de galinha” (como os audiófilos portugueses costumam se referir a essa sensação ao ouvir música), e o seu sistema não está lhe causando esse efeito, sugiro que realmente fique alerta e busque entender o que está errado.
Pois como costumo descrever nas nossas análises mensais, nosso cérebro não se engana se algo estiver torto ou faltando em nosso sistema.
Nos quase trinta anos da revista, e com os inúmeros Cursos de Percepção Auditiva e os Hi-End Shows, vi alguma dezenas de vezes em nossa Sala participantes descreverem e mostrarem seus braços com os pelos arrepiados, depois de ouvirem alguma música que não conheciam e que lhes tocou fundo.
Deveria ter anotado, ou ao menos perguntado, se essa reação era corriqueira ou se estava ocorrendo pela primeira vez. Pois aí poderia ter algumas respostas e até compartilhar com esses neurocientistas que estão estudando esse comportamento.
O que eu posso dizer, por sempre ter me chamado muito a atenção, é que nos nossos Cursos, e mais recentemente no nosso Workshop, as mulheres presentes sempre reagiram mais intensamente ao ouvir música em sistemas bem ajustados.
Algumas chegando a suspirar tamanho grau de emoção que a música ocasionou.
Tenham certeza que no nosso Workshop 2025, na última semana de abril do ano que vem, irei ficar ainda mais atento, e certamente irei perguntar se esse efeito pele ocorrer, se é recorrente ou não, e tentar também mapear com que estilo musical esse processo é mais impactante.
E volto novamente àquela velha pergunta que me faço, e compartilho com vocês há quase três décadas: “Se esses estudos fossem feitos com sistemas hi-end, haveria diferenças claras nos resultados?”.
Essa dúvida irá me atormentar até eu me aposentar, pois observando o semblante dos participantes em nossos Cursos de Percepção Auditiva, e no último Workshop, para mim está claro que a reação das pessoas é muito intensa. Tanto em termos de concentração, como de admiração por descobrir detalhes que não eram talvez tão fáceis de serem notados.
Eu sinto que a maioria dos participantes saem dessas apresentações satisfeitas com o que ouviram e, o mais importante, entenderam o que escrevemos e defendemos editorialmente.
Isso tanto é verdade, que ouvi nos três dias do Workshop pedidos para que retomemos os Cursos de Percepção Auditiva, e os pedidos foram tão veementes que sim, teremos uma nova turma no sábado do Workshop 2025, na parte da manhã. Em setembro estaremos apresentando oficialmente o evento, e contando todas as novidades, como novo local, data e detalhes do Curso de Percepção Auditiva.
Voltando à questão do efeito pele, a primeira vez que vi um audiófilo mostrar os braços arrepiados, eu tinha sete para oito anos de idade.
Lembro-me perfeitamente da cena, e até da atmosfera da sala de audição, com uma iluminação intensa de uma tarde de outono entrando por uma ampla janela, e que a luz fazia com que o pó que pairava no ar me chamasse mais atenção que o que os adultos estavam falando entre cada música tocada.
E só dei atenção à fala do anfitrião quando ele, aos berros, mostrou os dois braços arrepiados – e eu fixei o olhar para ver se era verdade.
Achei sua reação tão exacerbada, que voltei imediatamente a continuar a socar a almofada que estava ao meu lado para ver a dança caótica que o pó que levantava fazia na luz solar.
Meu pai teve que me repreender com seu olhar com a testa franzida, para eu me dar conta que estava atrapalhando a audição.
Aí me concentrei em ouvir o que estava tocando, e gostei tanto da música, quanto de como o sistema a reproduzia.
Não tive dificuldade nenhuma de acompanhar o trio composto por piano, baixo e bateria, e achei que apreciaria ter um sistema como aquele em casa para toda a família Andrette.
Lembro, ao sairmos, de perguntar ao meu pai se aquele sistema era muito caro, e sua resposta foi direta e objetiva: ”Seu pai teria que trabalhar três anos sem gastar nada, para juntar o dinheiro e ter um sistema como aquele”.
Nunca soube que equipamentos eram aqueles, e sabendo ser um sonho impossível, nunca quis saber.
Jamais voltamos àquele cliente, mas meu pai por muitos e muitos anos, sempre se referiu a ele como um sistema capaz de arrepiar os pelos dos braços e da nuca, e de dar um nó na garganta!
Se você, amigo leitor, já teve essa sensação ao escutar o seu sistema, ou o de algum amigo ou em algum evento, sabe perfeitamente o efeito emocional que um setup assim pode causar.
O que aprendi naquela bela tarde, tão jovem ainda, foi: o melhor sistema que podemos ter em qualquer etapa de nossa busca, será aquele que o fará se conectar apenas com a música e nada mais.
No entanto, por favor, não confundam esse ‘conectar’ apenas com a música, com sistemas ditos ‘musicais’, que não sobrevivem em reproduzir todos os gêneros musicais, ou que soam letárgicos ou soníferos.
E sim com um sistema correto que, de tão correto, ‘some’ da nossa frente.
Esse é o maior desafio, e o objetivo final!
Todo o resto são apenas tentativas e erros – alguns grosseiros e outros mais sutis, mas ainda erros.
Como saberei se cheguei lá?
Seu cérebro te dirá, e se você pertencer ao grupo do ‘efeito pele’, essa resposta virá acompanhada de suor nas mãos, batimentos cardíacos acelerados, e pêlo dos braços e da nuca arrepiados, e uma sensação de prazer pela dopamina liberada a percorrer todo seu corpo.
Descritos assim, os efeitos de se ouvir música em um sistema hi-end não tornam esse hobby muito mais correto e racional?