Opinião: PROFETAS DO CONSUMO & O APOCALIPSE DO CD

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setembro 5, 2024
HI-END PELO MUNDO
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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Tinha uma piada que dizia “O que é um comentarista econômico? É aquele que vai explicar depois de amanhã porque o que ele previu hoje não se concretizará amanhã”. Ou seja, muitas vezes os profetas parecem estar falando o que eles querem ou esperam que aconteça, em vez de falarem o que pode acontecer.

Um amigo esses dias me perguntou se um tal documentário havia saído em DVD no Brasil. Sim, ele falou DVD, e não Blu-Ray e nem disco com conteúdo 4K, e nem perguntou se tinha no streaming. Eu respondi: “Ainda sai DVD no Brasil?”.

Eu não uso mais DVD ou Blu-Ray há anos, assim como esse meu amigo tem uma estante de filmes, séries e documentários em DVD, que ocupa uma parede inteira!

Assim como eu não uso mais CD há anos (digitalizei minha coleção), ficando no vinil e streaming, o Fernando Andrette não abre mão de sua extensa coleção de CDs, e com razão. E outro dia falei com um outro amigo que não ouve nada em digital, tendo apenas discos de vinil! E ainda um conhecido que tem um estoque gigante de fitas de rolo, desde as seladas das décadas de 50, 60 e 70, até algumas das caríssimas cópias de master vendidas atualmente para o nicho do nicho.

Existem todos os tipos de perfis. E, quer saber de uma coisa? Todos estão certos! A supremacia de uma mídia não quer dizer o fim ou a extinção de outra – apesar de haver profetas à granel!

Mas os fabricantes dos aparelhos – e das mídias – são empresas gigantes, e pode não valer a pena para eles suprirem mercados pequenos.

Os amantes de vídeo, por exemplo, passam por uma situação mais complicada: com pouco tempo do DVD no mercado, o ‘avanço’ da tecnologia já empurrou para o público o Blu-Ray, e logo depois o 4K, e logo o 8K, com a necessidade de se atualizar não só os players, como também os televisores. E nesse meio tempo, o streaming de vídeo tomou conta do mercado! E muitas mídias dessas citadas acima sumiram, e muitos dos players também!

Evolução? Sim, de certa maneira. Qual é o problema, então? Independente de haver os fãs e colecionadores de DVD, existe também o fato de que uma enormidade de títulos que saíram em DVD não existem em Blu-Ray, o que já invalida ele como dominador do mercado. E uma enormidade dos títulos em Blu-Ray não existem em 4K ou 8K. E nem existem nas plataformas de streaming de vídeo.

O resultado? Muita gente se contenta com esse cenário, mas os colecionadores, os aficionados, os cinéfilos – que são muitos, acredite – não vão se desfazer de sua coleção de DVDs e de Blu-Rays. Só que a oferta de aparelhos que os reproduzem está minguando nas prateleiras.

A substituição, a atualização dos formatos de vídeo foi muito rápida (muito com a ideia errônea de que era possível a criação artificial de demanda), e o mercado virou uma bagunça, com base instalada que vai desde o DVD até o 4K, passando pelo streaming, para todo lado – e uma não consegue substituir a outra!

O custo alto de se remasterizar conteúdo antigo para a alta resolução, inviabilizou a ideia de fazer o colecionador de DVDs migrar para os formatos posteriores. E as plataformas de streaming acabaram deixando claro que não seriam bibliotecas permanentes de tudo quanto é filme e série que já foi feito – como uma enormidade de pessoas (incluindo eu) esperava que fosse.

Resultado? Um mercado fragmentado que precisa de aparelhos – ainda que economicamente inviáveis em média e grande escalas – para três ou quatro tipos de mídias, e que serve a seu público cativo de maneira quase pífia (incluindo e especialmente a disponibilidade de títulos).

Mas o que isso tem a ver com o CD?

Bom, os Profetas do Áudio, tanto de mídias consumer quanto audiófilas, ainda não se cansaram da ‘morte anunciada’ do CD como mídia de áudio – e alguns já estão prevendo seu apocalipse.

Acontece que hoje no mercado de áudio (juntando ‘consumer’ com ‘audiófilo’) convivem fitas de rolo, CDs, vinil e streaming de música, como Tidal e Qobuz. Algumas dessas bases instaladas são maiores que as outras? Sim! Mas só dá para profetizar a extinção da fita de rolo (faz tempo) e do CD no mercado consumer geral, no mainstream. Na audiofilia, não. Assim como no vídeo, não se pode profetizar o ‘fim’ do DVD por causa da base instalada e porque é a única mídia de qualidade decente de imagem que tem alta disponibilidade de títulos já lançados no mercado.
O mercado de CDs usados é, hoje, um Santo Graal tão grande quanto o mercado de DVDs usados.

O mercado consumidor norte-americano é uma máquina completa e gigante, que opera em níveis, dimensões e velocidade às quais não conseguimos nem chegar perto. E, ainda assim, lá a audiofilia também é um nicho – apesar de muitas mídias especializadas audiófilas americanas adorarem ‘confundir’ os dois mercados, tanto no tipo e padrão de qualidade musical consumido, quanto no tipo de equipamentos que são adquiridos.

Só que eu considero – mesmo lá – que os dois mercados são totalmente diversos, em ambos aspectos.

Os resultados desse trabalho da mídia audiófila promovendo a confusão de ‘nicho’ e ‘não-nicho’, é a abundância de música de má qualidade sonora (não vou discutir o aspecto artístico) em meios audiófilos, e a ideia de fomentar a compra do que são considerados equipamentos audiófilos ‘de entrada’ pelo povo do nível consumer – que historicamente se esbaldou no microsystem, caixinha de computador e, na melhor das hipóteses, sistemas de home-theater in-a-box (que são microsystems com caixas traseiras e central e decodificação multi-canal).

Esse pessoal, entretanto, parece ter um interesse muito maior em ‘matar dois coelhos com uma cajadada só’, e não ter muito ou nenhum trabalho, e se abastecer na ampla oferta de soundbars no mercado. E, substituindo as caixinhas em seus computadores, adquirir um amplo interesse em fones de ouvido, que trabalham bem com seus computadores, tablets e celulares – com ou sem fio. A questão é que a reprodução particular de música não tem mais o mesmo papel de destaque entre os jovens que tinha antigamente.

E, assim, um par de clientes aqui e ali vão migrando da soundbar para um par de boas caixas bookshelf ativas e, depois, para um par de caixas baratas e um amplificador integrado com streaming de música incorporado. E isso é ótimo, apesar de não ser na dimensão esperada por um mercado ‘de qualidade’ que está tendo estratégias ‘de quantidade’.

Crescer todo mercado quer – e esse está se perguntando há anos como fazer para trazer o público feminino e o público jovem para o seu lado das trincheiras, sem sucesso. E toda vez que eu leio sobre o assunto, vejo que o sucesso continua no mesmo lugar, do outro lado da cerca, desinteressado.

E muitos acreditam que tocar a música mal gravada, que está longe do que um grupo de pessoas interessadas em qualidade sonora ouvem, irá trazer pessoas sem interesse por qualidade sonora para um hobby que é centrado nela.

Só espero que não estejam espantando uma clientela ao tentar pegar outra clientela – porque às vezes ficam parecendo como um monte de engravatados engomados de terceira idade que resolveram se vestir com roupa de rappers de começar a usar palavrão como vírgula… rs! Claro que eu estou exagerando, mas serve para ilustrar o ponto.

Do outro lado, no nicho, parte dos profetas audiófilos ao decretar o fim do CD, confundiram um pouco os fatos do grande mercado consumer com os fatos do pequeno nicho. Ao mesmo tempo, outra parte decreta uma corrente mundial incitando a compra de CDs (usados inclusive) ‘porque são muito bons’. E, por fim, parte dos profetas estão cada vez mais inserindo players de CD e transportes de CD em suas linhas de produtos – ou mesmo streamers com um leitor de discos de CD.

Quem está errado e quem está certo?

Aqui eu volto aos colecionadores de DVD, citados acima, e afirmo: várias mídias conviverão por muitos e muitos anos no nicho audiófilo: vinil, streaming, fita de rolo, e CD. E aparelhos que reproduzam cada um desses, com boa qualidade sonora, sempre serão procurados.

Eu entendo e concordo com a predileção dos colecionadores de CDs pela mídia, porque no streaming estão aparecendo muitas vezes só as remasterizações recentes (dos últimos 15 a 20 anos) que são lamentavelmente inferiores em qualidade sonora às masterizações dos CDs originais, do ano em que foram lançados. E entendo que ter um streamer que toque tão bem ou melhor que um bom CD, não é uma tarefa fácil e geralmente nem barata.

Em resumo: profetas tentando criar demandas artificiais, mercados bagunçados, e mercados cuja demanda contradiz profecias.

E, no meio de tudo isso – assim como o vinil dominou, se extinguiu, e voltou das cinzas – o CD continua por aí, alegre em pimpão. Bom, não tão pimpão como antes, mas com certeza alegre.

Bom setembro, e boa chegada da primavera! Nos vemos em outubro.

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