Fernando Andrette
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Eu não me lembro, nos últimos tempos, de eleger apenas um disco para essa seção.
Mas essa gravação tem tantos atributos, amigo leitor, que acredite, vale uma edição dedicada exclusiva!
Mas antes de falar das gravações em si, acho que vale a pena saber dos críticos de música clássica como viram esse lançamento.
Aos não familiarizados com esse estilo musical, preciso lembrar que o jovem maestro Klaus Mäkelä, não é uma unanimidade entre os críticos das principais mídias especializadas.
Parece não existir meio termo quanto às críticas a sua regência: tem os que o idolatram e o colocam como um dos mais promissores regentes da atualidade, e os que não o consideram um grande regente, ainda que precisem ‘citar’ que sua formação musical seja consistente.
O crítico Daniel McConnell escreveu no The Classic Review: “A Filarmônica de Oslo soa maravilhosa neste novo conjunto de sinfonias de Shostakovich, refletindo pelo menos em parte seu treinamento sob os regentes anteriores Mariss Jansons e Vasily Petrenko. A execução é incisiva, pesada e enérgica, com trabalho solo cheio de personalidade. Os engenheiros de gravação da Decca garantem, mesmo em passagens mais densas (como o clímax do movimento de abertura da Quarta Sinfonia), que tenham clareza e profundidade no som. Discussões sobre as interpretações de Mäkela das sinfonias de Shostakovich, frequentemente provocam debates”.
Ou seja, esse crítico gostou da execução da Filarmônica de Oslo, da qualidade de gravação (que falarei mais abaixo), mas não tanto da ‘interpretação’ do regente Mäkelä.
Já o crítico do The Guardian, André Clements, escreveu: “O maestro finlandês exerce controle sobre essas obras musicalmente muito diferentes, mas culturalmente significativas, revelando-se com selvageria , perfeição e intensidade alegre.
“Apesar de suas conexões históricas, as três obras têm pouco em comum musicalmente. A Quarta Sinfonia é a partitura que Shostakovich retirou antes de sua estreia, após a condenação oficial e censura à sua ópera Lady Macbeth, bem como (essa sinfonia) tem evidências intrínsecas de ‘modernismo’ que sua música subsequente não tem.
A Quinta sinfonia foi notoriamente sua resposta àquela ‘crítica justificada’, e a Sexta Sinfonia é uma obra estranha em três movimentos, que começou com a ideia de compor uma sinfonia para Lenin.
“Às vezes, a abordagem de Mäkelä pode parecer um pouco cuidadosa e comedida demais, especialmente na abertura da Quinta Sinfonia, apesar do refinamento da execução da Filarmônica de Oslo, enquanto a pura selvageria da Quarta sempre parece ser mantida em rédea curta. Já a Sexta Sinfonia é lindamente controlada e ritmada, as cordas de Oslo radiantes conforme o primeiro movimento se intensifica constantemente, os sopros fabulosamente ágeis no segundo scherzo, e o finale uma brincadeira alegre e espirituosa.”
E, por fim, o crítico Matthew Ash escreveu para o site Presto Music: “Klaus Mäkelä já recebeu críticas elogiosas este ano, inclusive minhas, por suas gravações de concertos de Sibelius e Prokofiev com Janine Jansen. A Decca agora nos traz suas novas e poderosas gravações de três sinfonias de Shostakovich. A Quarta Sinfonia representa um ponto crucial na vida deste compositor, pois foi escrita depois que ele foi marcado como inimigo do estado por Stalin, e sofreu imensa pressão para se conformar, e ao qual permaneceu resoluto. A sinfonia foi concluída em 1936, mas devido em parte à perda do manuscrito durante a guerra, não pode estrear até dezembro de 1961.
“Há muitos desafios nessa obra, e Mäkelä comanda a Filarmônica de Oslo, desde a abertura do Primeiro Movimento, definindo uma atmosfera inquestionavelmente mais interna e reflexiva.
“As cordas apressadas do Segundo Movimento, que nas mãos erradas podem se tornar um borrão, são enunciadas com precisão perfeita, e conforme os sopros, metais e percussão se juntam, o equilíbrio entre as partes é lindamente julgado. Mesmo no Terceiro Movimento, mais errante, Mäkelä mantém um senso convincente de forma, e faz a música falar.
“A Quinta é tão bem representada, que Mäkelä se mostra um maestro corajoso que assume uma interpretação que não precisa de desculpas, com uma execução incisiva, agudamente rítmica dinâmica.”
Essa é uma crítica longa, e claramente o crítico Matthew Ash aprecia o trabalho do maestro Klaus Mäkelä.
Eu não sou crítico musical, e nunca me senti confortável em julgar um trabalho musical sem ter o conhecimento suficiente para tanto.
Porém, como diria meu pai, quando apreciamos verdadeiramente um estilo musical e passamos a ouvir várias interpretações de uma mesma obra, passamos a ter nossas escolhas pessoais, sejam elas corretas ou não aos olhos de um crítico musical.
Eu pessoalmente gosto muito das três sinfonias, sendo que a Quarta é minha preferida, justamente por esse ‘flerte’ com a modernidade que custou tão caro a Shostakovich.
E a Quinta sempre ouvi com extrema atenção e interesse, porém todas as gravações que tenho pecam na qualidade técnica, ainda que artisticamente me agradem bastante.
E as gravações tecnicamente razoáveis, possuem vários equívocos de leitura dessas três obras.
Se você não conhece a fundo as obras deste compositor russo, mas deseja fazê-lo, essa é a gravação para mergulhar no universo Shostakovichiano. Pois ela possui todos os elementos chaves para entender a genialidade e a complexidade deste compositor.
E os engenheiros de gravação da Decca estavam inspirados e dispostos a captar da melhor maneira a Filarmônica de Oslo.
Trata-se de uma gravação e execução primorosa, em que você terá um grau de inteligibilidade e imersão que desconheço em qualquer gravação que tenha escutado nos últimos 30 anos dessas três sinfonias.
Poucas gravações recentes de música clássica possuem essa imagem tridimensional, com tanto foco, recorte e profundidade.
No Tidal e Qobuz ela está em 24/96, o que explica o grau de qualidade e prazer com que ouvimos as três sinfonias.
Mas não se trata de uma gravação apenas para avaliação de soundstage. Diria que se trata de uma gravação para ser usada nos nossos Oito Quesitos da Metodologia. Pois em termos de equilíbrio tonal, textura, transientes, dinâmica e corpo harmônico, pode perfeitamente ser a gravação ideal para o ajuste fino de qualquer sistema hi-end.
Pois se nas passagens macro-dinâmicas, o sistema não endurecer, ou ficarem borrados os naipes de metais, percussão e cordas, seu sistema chegou lá!
E se você ainda tem dúvidas sobre a questão de intencionalidade, para avaliação de texturas, eis o exemplo perfeito para se observar a intencionalidade do compositor em cada movimento, a intencionalidade do maestro em sua interpretação da partitura e da intencionalidade e qualidade dos músicos, da orquestra, da sala de espetáculo e da captação dos engenheiros.
Um pacote tão completo e intenso, meu amigo, é como achar na rua um bilhete premiado.
Não perca tempo e saboreie cada compasso dessa estupenda gravação!
Mês que vem voltamos à normalidade com os mais recentes lançamentos dignos artisticamente e tecnicamente!