Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Recentemente fui convidado pela distribuidora Chiave a realizar uma palestra sobre equipamentos hi-end para seus revendedores de todo o Brasil.
Escolhi o tema que mais defendo editorialmente e pessoalmente: os benefícios de se ouvir música em um sistema bem ajustado para um mundo tão ansioso e desequilibrado.
Acredito que muitos dos participantes devam ter assistido a minha apresentação muito mais por curiosidade do que por interesse em adquirir novas técnicas de abordagem e venda.
Estou acostumado com esse grau de expectativa, pois o vejo no semblante também dos participantes do nosso último Workshop.
O que sempre digo na apresentação inicial, é que com os avanços da neurociência sobre o tema, é impossível não os levar ao conhecimento público, pois as descobertas são relevantes demais para serem apenas divulgadas em canais científicos.
Então usarei de tempos em tempos – toda vez que tiver uma nova confirmação ou descoberta – essa seção para compartilhar essas boas novas com todos vocês.
Eu comecei minha apresentação para as revendas da Chiave, mostrando aquele vídeo que já postei aqui em uma matéria recente, de um cantor lírico dinamarquês, já no último estágio de Alzheimer que vive quase em estado vegetativo, que ao ouvir uma cantora soprano cantar a Ave Maria, a acompanha e faz até sua parte solo.
É um vídeo emocionante e prova de que realmente a memória auditiva é a última a se perder no Alzheimer.
O próximo passo que os neurocientistas queriam descobrir, é como essa memória de longo prazo se fixa na nossa mente.
E a neurociência acaba de ter a resposta para essa tão intrigante questão.
Existe uma ‘cola’ que mantém a memória de longo prazo unida. A equipe que se debruçou por uma década nessa questão, descobriu que existe uma molécula batizada de Kriba, que atua como uma cola que mantém a memória unida para ancorar uma importante enzima PKC, que é a responsável por fortalecer as conexões simpáticas entre os neurônios.
Essa interação é que garante que as memórias mais importantes de longo prazo não sejam perdidas.
Pois a questão central desse enigma era, entender que se as moléculas do cérebro estão constantemente sendo substituídas, como é possível fazer algumas memórias importantes durarem até por toda a vida?
Pois sabemos que os neurônios conseguem armazenar milhares de informações através de sinapses, mas essas moléculas além de instáveis se degradam rapidamente. E isso era uma problema para entender o que possibilita nossa mente separar as informações ‘triviais’ das essenciais?
Ao detectar essa enzima e sua interação com a molécula Kibra, criando uma potente e eficaz interação molecular, está explicada a capacidade do ser humano de memórias importantes durarem por toda sua existência.
Platão gostaria de saber dessa descoberta, já que ela foi tema de muitos de seus embates com seus alunos em Atenas.
Os neurocientistas reconhecem que esse foi um avanço no mapeamento do cérebro, mas reconhece que talvez seja apenas a ponta do iceberg de todas as dúvidas que ainda persistem, como por exemplo: o fato da música ser a última memória a ser apagada em um paciente com Alzheimer, e não um acontecimento marcante familiar, pessoal ou social.
Mas as boas notícias não terminam nesta descoberta. Estudos realizados e publicados em importantes revistas de neurociência, estão ‘provando’ que a música pode ajudar na cognição, na redução de ansiedade (o mal deste século), e melhorar comprovadamente o bem-estar das pessoas.
Em vários estudos correlacionados dos benefícios da música, começamos a ter uma radiografia mais sofisticada e precisa dos benefícios de se ouvir música diariamente, como: ajudar a diminuir drasticamente a ansiedade sem uso de medicamentos, com um impacto terapêutico comprovado, melhorando o bem-estar geral de quem se submete a audições diárias de pelo menos uma hora!
Estudos feitos por neurocientistas em parceria com o Cambridge Institute for Music Therapy Research, constataram como a música impacta o cérebro, ativando diversas áreas como a região límbica responsável pela memória e pelas emoções a região cognitiva, relacionada a percepção e aprendizado e a motora, ligada aos movimentos voluntários.
E um outro estudo, apresentado em um seminário de neurociência em Bruxelas, mostrou que a música pode ajudar a reparar conexões neurais danificadas em pacientes com vários tipos de demência, desencadeada pela morte celular no cérebro, abrindo uma porta de possibilidades nessa abordagem terapêutica musical.
No entanto, os envolvidos com esse estudo lembram que não é qualquer música que tem esse efeito reparador da memória. Somente as músicas que foram ouvidas pelo paciente durante toda a vida antes da doença, é que têm esse efeito reparador. Isso devido ao fato dessas músicas, que fazem parte da vida do paciente, ativarem a liberação de hormônios de bem-estar, gerando uma sensação de prazer, ajudando-os a lidar com o estresse e a ansiedade.
Outro estudo recentemente publicado na Geriatric Nursing, mostrou o quão poderoso pode ser o efeito da música, mostrando que ao ouvirmos nossas músicas favoritas a frequência cardíaca se altera, diminuindo os batimentos.
E os efeitos benéficos se mantêm até por horas depois de ouvirmos música, diminuindo nossa ansiedade, e trazendo um estado de humor mais equilibrado.
E em pacientes com Alzheimer, a condição neurológica, depois de ouvirem música, diminui a angústia e o chamado ‘crepúsculo’, quando o paciente fica confuso ao entardecer.
Como todos esses avanços, já se estuda criar treinamentos musicais para melhorar a cognição de pessoas com demência, pois os resultados clínicos estão sendo muito promissores para ignorá-los.
Grupos que participaram desse estudo, demonstraram melhor capacidade de resolução de problemas, regulação de seu estado emocional, e melhor atenção ao fazer exercícios físicos. Segundo a coordenadora do estudo, Rebecca Atkinsons: “A música passou a ser uma opção relevante de tratamento”.
Se você esteve em alguma de nossas turmas do Curso de Percepção Auditiva, irá se lembrar da importância que sempre dei de ouvir música com a maior atenção possível, e como para nós ocidentais ela pode ter o mesmo efeito que a meditação para os orientais.
Fico feliz que finalmente tenhamos base científica para provar o que sempre defendi.
Foi isso que compartilhei com os revendedores da Chiave, e espero que também com vocês.
Em um século tão ansioso, imediatista e pouco empático, precisamos de ferramentas eficazes para contrapor toda essa turbulência mundial.