Christian Pruks
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Todo mês um LP com boa música & gravação
Gênero: Clássico
Formatos Interessantes: Vinil Importado
Este é mais um LP que eu não lembro onde comprei – rs… Foi da época em que me abastecia profundamente de LPs de música clássica importados – então por bons preços – em uma série de sebos em São Paulo e arredores. Um acervo muito rico!
Sir John Barbirolli foi um dos grandes regentes britânicos de todos os tempos, e um LP importado de boa estirpe His Master’s Voice é algo que não se deixa passar – ainda que música para orquestra de cordas possa não ser do maior interesse de todos, sendo frequentemente melhor que melatonina para promover um sadio e profundo sono.
Devo aqui dizer que a música inglesa é bastante prolífica e, ainda que não faça sombra ao sucesso amplo e proliferado da música clássica erudita de outras partes da Europa, posso dizer facilmente que uma vez que o fã de música orquestral passe a conhecer o amplo repertório britânico, é um caminho sem volta: o número de compositores brilhantes é amplo, e o número de obras memoráveis, maior ainda.
Claro que já conhecia um pouco da música do inglês Ralph Vaughan Williams – e famosas são suas sinfonias e obras para piano e para violino, assim como sua ampla obra coral. E o tema tradicional folclórico Greensleeves é, à primeira audição, algo gravado na memória de muita gente, facilmente reconhecido.
Mas a ‘cerejinha do bolo’ desse disco, a surpresa – uma obra que eu não conhecia quando comprei o disco – é a Fantasia on a Theme by Thomas Tallis (1910), que Williams compôs quando tinha 30 e poucos anos, e foi uma de suas primeiras obras de sucesso. Hoje é, para mim, a mais bela de todas as obras para orquestra de cordas. É música de cabeceira de fazer sonhar (e por isso está na cabeceira…rs…). E esta gravação, de 1963, ainda não foi superada – mesmo havendo uma ampla disponibilidade de gravações da obra. E, por ‘gravação não superada’, estou falando da brilhante execução da Sinfonia of London sob a batuta de Sir John Barbirolli.
Pouco se sabe dos anos formativos, ou mesmo dos dados biográficos de Thomas Tallis – a não ser que começou como cantor de coro de igreja, e depois foi organista em igrejas no condado de Kent, no sudeste da Inglaterra. Ainda jovem consagrou-se como compositor e músico na corte do Rei Henrique VIII, onde permaneceu até o reino de Elizabeth I. A canção original foi composta em 1567 por Tallis, como parte do Livro de Salmos do Arcebispo de Canterbury, Matthew Parker.
A Fantasia composta por Vaughan Williams estreou na Catedral de Gloucester, no sudoeste do país, como parte de um festival de música, com o próprio compositor regendo a London Symphony Orchestra. Aliás, como a Catedral ainda existe, o regente Andrew Davis reapresentou a mesma obra lá, poucos anos atrás, com a BBC Symphony Orchestra.
Era natural completar o disco com a Fantasia on ‘Greensleeves’ (1934) – também de Vaughan Williams – porque é outra obra para orquestra de cordas, mas desta vez criando uma fantasia sobre uma canção folclórica inglesa, registrada por Richard Jones em 1580, com o nome completo de “A Newe Northen Dittye of ye Ladye Greene Sleves”, aproximadamente na mesma época da composição de Thomas Tallis. Mas Greensleeves aparece também em vários registros do mesmo ano, e depois em 1581 e em 1584, com nomes todos contendo as palavras “Greene Sleves” ou “Greene Sleeves”. Um mito é de que a canção teria sido composta pelo rei inglês Henrique VIII para sua então amante, Ana Bolena, mas o rei faleceu em 1547 e o estilo da canção traz influências italianas que só chegaram ao país anos depois. O tema da canção, além de aparecer em filmes e TV, também é citado em vários discos de músicos e grupos famosos, como Jeff Beck, John Coltrane, Elvis Presley, Leonard Cohen, Jethro Tull, e muitos outros.
As obras que completam o disco são: Introduction and Allegro for Strings, e Serenade in E minor, ambas do também inglês Elgar. Sir Edward William Elgar foi contemporâneo de Vaughan Williams, e um compositor mais famoso e com obras mais difundidas, como seu Concerto para Cello e Orquestra (brilhantemente imortalizado por Jacqueline Du Pré) e as Marchas de Pomp & Circunstance, que serão eternamente lembradas por sua associação com a Família Real Britânica, como o uso na coroação da Rainha Elizabeth II.
Elgar é também prolífico e brilhante, e sempre será um dos maiores compositores britânicos. Mas sua presença neste disco é plenamente ofuscada pelas obras escolhidas aqui de Ralph Vaughan Williams.
Barbirolli foi um dos grandes nomes da regência no século XX. Nascido Giovanni Battista Barbirolli, em Londres, em 1899, filho de um violinista italiano de Veneza, e uma mãe francesa, Sir John começou estudando violino e, depois, o cello – porque seu avô ficava irritado de vê-lo perambulando pela casa tocando violino, e lhe deu um cello para ver se o menino sentava e sossegava. Ao alistar-se no exército durante a Primeira Guerra Mundial, formou uma orquestra com membros do regimento, e foi onde teve a primeira oportunidade na regência.
Com a intenção de atuar apenas como regente, montou sua John Barbirolli’s Chamber Orchestra, em 1926, e depois atuou em vários grupos como a British National Opera Company, Royal Opera House, a London Symphony, e a Royal Philharmonic (onde chegou a trabalhar com o próprio Vaughan Williams). Depois de assumir a Hallé Orchestra, a ascensão contínua de Barbirolli o levou a suceder Arturo Toscanini na direção da New York Philharmonic, e a obter uma carreira internacional. Anos depois, voltou à Inglaterra, e à Hallé Orchestra, onde permaneceu até o fim de sua vida, em 1970 – mesmo regendo internacionalmente como convidado de várias orquestras.
A Sinfonia of London foi uma orquestra criada principalmente com membros da London Symphony, com o intuito apenas de fazer gravações, e principalmente de trilhas sonoras. Sua primeira encarnação, que ouvimos neste disco, durou de 1955 até 1970 (ressuscitada depois em 1982 e em 2018). Entre seus créditos em filmes, está a trilha de Um Corpo Que Cai, de Alfred Hitchcock.
Para quem é esse disco? Para todos os fãs de música clássica e orquestral, fãs da música do período do Romantismo do século 19 e começo do 20, e do Modernismo que começava a se mostrar na música desse último período. É especial para todos que apreciam ainda mais as obras exclusivas para Orquestra de Cordas.
Prensagens boas? Até onde eu consegui apurar, não existe prensagem brasileira desse disco. Assim como não achei nenhuma prensagem japonesa. Mas as várias prensagens britânicas His Master’s Voice são boas, assim como as americanas e canadenses pelo selo Angel. Existem duas prensagens ‘audiófilas’ de 180 gramas: uma pelo selo Hi-Q Records de 2011 (considerada uma das melhores prensagens desse selo), e uma pelo selo Alto High-Fidelity (sem data, mas provavelmente anterior à da Hi-Q) – ambas excelentes!
Bom novembro musical a todos!