Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Uma seção mensal só sobre Toca-Discos de Vinil
Uns dizem que isso é “um problema de adulto!”, e outros dizem que atinge todas as classes de toca-discos. E ainda têm os que dizem que o negócio não só existe, como é inevitável, perene, é a ‘fonte de todo o mal na Terra’, e a segunda vinda de Darth Vader e seu Império Galáctico. Já ouvi que isso até faz pessoas simplesmente desistirem do vinil.
Bom, eu tenho uma boa quantidade de centenas de LPs – e era mais, porém eu dei uma arrumada e uma limpada na minha discoteca e passei para frente muitos discos, simplesmente pelo fato da música não me interessar mais, já que eu não sou colecionista, e sim melômano, e ouço todos esses LPs que tenho de cabo a rabo.
E dentre essas centenas, dois ou três discos apenas aqui apresentam essa ‘Distorção’ de maneira audível… Vamos ver os porquês?
MAS O QUE É A DISTORÇÃO DA FAIXA CENTRAL DO LP?
Para começar, ‘groove’ é o sulco, não ‘faixa’. Mas o problema é um que atinge as faixas mais próximas ao centro do disco, portanto traduzir como ‘faixa’ é apropriado.
Em resumo: por serem mais ‘curtas’ as faixas centrais de um LP (em comparação com as faixas perto da borda) e ainda assim rodarem na mesma velocidade todas elas, essa ‘concentração’ de informação a ser lida nesses sulcos, gera uma série de tipos diferentes de distorção, com resultados audíveis. São sulcos ‘difíceis’, que precisam ser lidos da maneira mais precisa possível, certo?
E quais são os problemas? Basicamente sibilância em vários instrumentos agudos, vozes com chiado nos sons de ‘s’, e ocasional distorção por saturação de frequências.
Tem solução? Devo me livrar do meu toca-discos? Bom, se você tem um toca-discos bem simples, sem ajustes de cápsula e de braço, e está tendo esse problema sonoro audível na última faixa de cada lado do LP, aí não tem solução. Mas…
Se você tem um toca-discos melhor, com um braço que resolve melhor suas ressonâncias, e que tem os ajustes devidos, manter ele completa e corretamente regulado irá resolver a questão 99% do tempo – o que é excelente! Como eu disse: pouquíssimos discos terão o problema.
Agora, se você tem o problema apenas em alguns poucos discos de seu acervo, grande chance do problema serem esses discos, mal prensados. Mas, para ter certeza disso, a checagem do ajuste correto de seu braço e cápsula, é necessária.
CAUSAS:
Quais são os motivos, o que leva às Distorções da Faixa Final acontecerem?
– Sulco mais curto e mais estreito – A última faixa gravada em um lado do LP, ou mesmo ‘os últimos 4 cm’ do lado do disco são os mais complicados para o tracionamento, para a leitura. É mais informação em um comprimento menor, e com sulco potencialmente mais estreito que cria uma dificuldade maior da agulha se firmar dentro dele. Existe uma compressão física da informação gravada no sulco, o que diminui – também por propositais alterações feitas durante a masterização – a capacidade desse sulco de lidar com grandes variações dinâmicas nos graves e, principalmente, nos agudos (daí uma parte da sibilância). A agulha tem um trabalho maior para tracionar esses sulcos, e portanto perdas, erros de leitura e, daí, a distorção.
Uma curiosidade: apesar do CD também ter sua informação gravada em uma longa espiral constante em um disco (nesse caso a leitura é do centro para fora), o processamento inventado para o controle da unidade óptica do leitor de CD, altera a velocidade em que disco gira de acordo com qual parte está sendo lida e, assim, mantém-se a qualidade da leitura física-óptica do ‘sulco’ onde estão os ‘zeros’ e ‘uns’, os picos e vales, igualada por toda a superfície do disco.
– Discos mal masterizados – Quando digo que escolhas (alterações) precisam ser feitas durante a masterização do LP, é porque é um problema sabido desde sempre, uma limitação do formato. Então os engenheiros criaram uma série de artifícios para diminuição da distorção audível.
Claro que esses artifícios dependem claramente dos toca-discos residenciais terem uma boa qualidade e/ou estarem bem regulados.
Por exemplo, a maioria dos bons discos nunca ou pouco usam os últimos 4 ou 5 cm de cada lado do LP. Para tal pode-se, durante o corte da master física do vinil, regular a distância entre os sulcos e a largura dos mesmos, até certo ponto. E isso ajuda a pôr de um lado do LP o máximo de música com alta qualidade sonora, sem usar até o último centímetro útil.
Outro artifício usa redistribuir as faixas (algo nem sempre possível) para que no final dos lados fiquem faixas com volume, dinâmica e quantidade de agudo menores.
Equalização e o uso de compressores no estúdio de masterização, também não são descartados, para minimizar o problema.
Tudo isso junto ajuda a você a obter um bom resultado. E, olha, com um bom toca-discos de entrada, bem regulado, ouvi dezenas de discos com faixas finais de bom volume sonoro, sem sentir nem detrimento da qualidade por compressão sonora e afins, e muito menos sibilâncias em agudos ou chiado nos som de ‘s’ dos cantores.
O pessoal sabe o que está fazendo – afinal discos estéreo com alta qualidade sonora existem há quase 70 anos.
– LPs mal prensados – Aqui digo defeitos físicos de prensagem mesmo – mas, também, discos simples, populares e coletâneas onde não houveram as preocupações acima, com a última faixa. Às vezes a master física foi cortada no Brasil, por exemplo, com fitas magnéticas ou masters digitais mandadas de fora, e não houve nem preocupação com volumes sonoros, compressão necessária ou mesmo com largura ou distância de sulco.
Sobre outros fatores que podem influenciar, como má qualidade do material vinil, ou da prensa, eu não sei precisar.
E, infamemente, existe também o LP prensado fora de centro, cuja tensão sobre as paredes do sulco fica variando, já que a agulha rebola dentro dele.
– Agulhas – As sujas, principalmente por sujeira incrustada originária de outros poluentes que não são só poeira (sujeira de mão, gordura, fumo, poluição de cidade grande, fungos), causam um aumento forte de sibilâncias e sujeira nos médios-agudos. Micro rachaduras por acidentes ou mau uso, também são um dos maiores fatores – assim como agulhas simplesmente gastas pela idade e uso. Uma agulha profundamente suja ou estragada, pode fazer um instrumento de sopro agudo soar como o Pica-Pau do desenho animado, só que fanho.
Mas e quanto ao tipo de qualidade das agulhas? Mais abaixo falo um pouco sobre isso, mas eu considero um item ligeiramente controverso…
CORREÇÕES:
O que você pode fazer para, se não eliminar o problema, evitar 99% dele?
– Alinhamento da cápsula – Supondo um toca-discos e agulha minimamente decentes, o ajuste fino correto do braço e cápsula – incluindo o nivelamento do toca-discos e o uso do mesmo em uma superfície firme e longe de vibrações – é absolutamente necessário não só para não ter essas Distorções audíveis, como também para ter a melhor qualidade sonora que seu setup analógico pode prover.
E aqui inclui-se ter um bom braço com geometria correta e devidamente instalado e alinhado, mesmo sendo de 9, 10 ou 12 polegadas – pois hoje meu toca-discos tem braço de 10 polegadas, mas eu tive durante anos muitos braços de 9 polegadas, os mais comuns, sem problemas de sibilância, sem problema de Distorção da Faixa Central.
E, claro, nunca se deve esquecer de checar se o ajuste do VTA (ângulo de tracionamento da agulha) e o azimute (nivelamento frontal da cápsula) estão corretos. É pouco comum estarem tão criticamente errados.
Um braço mais longo, como 10 ou 12 polegadas, é melhor nesse sentido? Sim, claro, pois braços mais longos têm menor erro de tracionamento, menor diferença de tracionamento entre as várias seções do lado do LP (porque o braço faz um arco sobre o disco, entre o começo e o fim dele). O braço tangencial – o chamado Linear Tracking – esse então não tem erro de tracionamento, pois não faz esse arco.
O uso de um gabarito para o correto alinhamento da cápsula é primordial. Muitos toca-discos ou braços já vem com esse gabarito como acessório, porém é algo que não custa caro, principalmente se você está com um toca-discos e cápsula de bom nível.
Os gabaritos mais famosos são conhecidos como Baerwald e como Stevenson – este último é considerado por muitos como ‘melhor’ pois tem ponto de alinhamento mais próximo do centro do disco, o que demonstra preocupação grande com essa questão de Distorção. Porém, um gabarito Baerwald com dois pontos, duas posições, é mais que suficiente – principalmente se você fizer o ajuste milimetricamente, com muito cuidado e precisão.
– Ajuste correto de antiskating – É necessário para uma série de questões de palco e foco, assim como desgaste da agulha. Porém, quando errado, influi enormemente na Distorção da Faixa Central. Eu, nesse tópico, continuo batendo na mesma tecla sobre usar esse ajuste de forma ortodoxa e fazendo pequenos ajustes muito finos – ou seja, nada de ferramentas mirabolantes (leia a seção Espaço Analógico da edição 304, de março de 2024).
– Mantenha boas prensagens – porque as ruins, que sibilam mesmo após todas essas correções e considerações, praticamente não têm solução.
MITOS & LENDAS:
Mitos são sempre uma parte divertida. As pessoas, na audiofilia principalmente, adoram complicar mais do que já é. O que tem de problemas mitológicos, pessoas e aparelhos lendários, e vice-versa, não está no gibi.
Veja alguns mitos sobre essa Distorção:
– Todos os LPs têm Distorção da Faixa Interna – Olha, pode até ter, mas quase nunca será audível com um toca-discos decente e bem regulado – e isso eu falo em um sistema de alto nível. E o que importa é: por causa disso ela não irá atrapalhar o seu prazer de ouvir seus LPs nesses sistemas.
– Perda audível de altas-frequências é inerente ao problema – Vai depender da masterização e qualidade de prensagem, mesmo. Pois já ouvi muitas últimas faixas de inúmeros LPs, sem sentir que os agudos estavam fugindo para algum lugar exótico no Caribe.
– Ajuste de peso da cápsula ajuda a melhorar – Veja, eu acho que não. A não ser se a variação de peso for absurdamente grande. Por exemplo: se uma cápsula vem com indicação do fabricante para usar entre 1.8 e 2.2 gramas, dentro dessa área você não terá problemas. Mas, com essa mesma cápsula, você quiser descobrir um agudo vitrificado desagradável (problema de mal tracionamento) ponha 1.2 gramas, por exemplo. Não se usa esse peso totalmente fora do indicado.
– Agulhas melhores & agulhas piores – As agulhas maiores, menores, mais baratas e simples, mais caras e diminutas, perfis cônicos banais e perfis complexos como Line Contact e Shibata, vão influir? A resposta é: sim e não.
Veja, é claro que perfis mais complexos leem uma parte menor do sulco horizontalmente, e ao mesmo tempo leem uma superfície maior verticalmente, por penetrar mais fundo no sulco, por serem diamantes bem menores – e, assim, obtém não só maior quantidade de informação do dito sulco, como o fazem com menor ruído de fundo de origem mecânica. Então o raciocínio é: uma agulha bem maior traz mais ruído mecânico – e teria, portanto, um tracionamento pior e mais errático, também por seu peso de operação mais alto.
Então qual é a ‘realidade’? A realidade é, por exemplo: no mesmo toca-discos passei meses escutando uma cápsula da década de 60 ou 70, com agulha cônica e um peso de operação de 4 gramas, e depois passei usar uma cápsula nova com diamante de perfil shibata e menos de 2 gramas de peso de operação. Nenhum dos dois casos me trouxe sibilância, ou vozes ou instrumentos médio-agudos chiados ou sujos, a não ser nos mesmos dois ou três discos. Por que? Pelos motivos todos apresentados neste artigo.
Fatores contribuem, e fatores podem ser evitados. E o único definitivo, que se põe entre você e a audição de boa música em vinil, são os discos mal masterizados e mal prensados.
Bom março a todos!
E, não se esqueçam: quaisquer dúvidas, entrem em contato: christian@clubedoaudio.com.br.