Fernando Andrette
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Os leitores que se manifestaram com a Primeira Parte desta Nova Série, em que abordamos as relações entre os quesitos de nossa Metodologia e as mais recentes descobertas da neurociência em relação ao ato de se ouvir música, em sua maioria confessaram que jamais haviam imaginado que ouvir esteja muito mais ligado a interpretação e as sinapses realizadas em nosso cérebro, do que as impressões captadas pelo nosso sistema auditivo.
Hoje abordaremos o quesito Transientes, e tentarei descrever o que fiz dezenas de vezes nos Cursos de Percepção Auditiva, demonstrando que muitos equipamentos e cabos (sim meu, amigo cabos!), em termos de andamento soam letárgicos ou frouxos (como muitos dos participantes se referiam a esse fenômeno auditivo/perceptivo).
Os dois exemplos que sempre utilizei foram faixas do CD I Ching, do grupo mineiro Uakti, e a faixa cinco do SACD que produzi do querido amigo André Geraissati – Canto Das Águas.
O primeiro exemplo tem, além de percussões marcando o andamento, um triângulo que subdivide esse tempo. E em sistemas com a resposta de Transientes comprometida, a sensação que dá é do triângulo ‘atravessando’ o andamento, dando um nó em nosso cérebro, como se no tempo forte da música, tudo fosse mastigado e com menor inteligibilidade.
Mas não é apenas esse efeito que se torna perceptível para o nosso cérebro, pois com resposta errada na apresentação dos Transientes, ficamos com a sensação que os músicos estão tocando de forma displicente!
Aí quando reproduzo a mesma faixa em um setup correto, a diferença é imediatamente percebida, tanto na precisão de todos os instrumentos, como no grau de inteligibilidade das subdivisões do triângulo. E o mais interessante é a sensação dos músicos estarem concentrados e fazendo a ‘faixa definitiva’, a tomada definitiva.
O segundo exemplo, do Geraissati, o resultado da faixa tocada em um sistema ruim na resposta de Transientes é ainda mais dramático, e fácil de mostrar os erros. Pois além de muito pouco inteligíveis as intencionalidades e a variação de andamento e dinâmica, a apresentação se torna arrastada e confusa.
Já contei várias vezes a indignação de um engenheiro participante do Curso, que quando eu disse que iria demonstrar o erro em um cabo digital na resposta de Transientes, ele se levantou exaltado e a plenos pulmões disse que rasgaria seu diploma se eu conseguisse o convencer que “bits não são apenas zero e um”.
Foi um momento interessante, pois ele não apenas se convenceu com o resultado, como se tornou um excelente amigo e muito querido por todos os nossos leitores. E claro, fiz questão de pedir a ele para não rasgar o seu diploma.
Mas o que são Transientes?
Os músicos o definem como a quantidade de energia aplicada no início das notas e que determinará a força da apresentação musical, também responsável pelo ‘groove’ que determina o ritmo e andamento.
Todo instrumento possui Transientes. A voz também possui, porém para avaliação de sistemas de áudio, os melhores exemplos são sempre instrumentos percussivos ou cordas como violão, guitarra acústica e guitarra elétrica (que possuem Transientes bem distintos).
E conheço audiófilos que só utilizam faixas de solo de bateria para avaliar esse quesito. Sendo, sem dúvida, ótimo, já que um virtuose desse instrumento, quando bem gravado, pode nos fornecer exemplos definitivos para avaliação dos Transientes de nosso sistema.
Mas como nosso cérebro traduz os Transientes?
Aí, meu amigo, é que tudo se torna muito mais interessante.
Pois não será seu sistema auditivo, e sim seu cérebro que fará você bater os pés, quando o cerebelo e o tronco cerebral, junto com o córtex motor (no lobo parietal) e todas as regiões ligadas ao planejamento em nossos lobos frontais, forem conectados e perceberem que o ritmo, andamento e métrica estão realmente corretos, enviando o sinal para que você acompanhe batendo os pés, dançando ou apenas movimentando a cabeça.
Sem essa ‘tríplice’ conjunção perfeitamente executada, não fará seu cérebro lhe mandar nenhuma ordem para reagir ao que está ouvindo.
Compreendeu agora que é seu cérebro que está no comando, e não seu sistema auditivo?
Então sigamos: Para o nosso cérebro, o ritmo corresponde a duração de cada nota na velocidade e no andamento. E se você tiver uma boa coordenação motora, poderá até bater os pés exatamente no andamento da música.
Mas o que é andamento, Andrette?
Andamento é o que determina a velocidade de uma peça musical, se ela será executada mais rápida ou mais lenta, e os compositores ‘intencionalmente’ utilizam essa ‘arma’ para passar euforia (andamento acelerado) ou tristeza (andamento mais lento).
Vamos a exemplos para vocês poderem entender claramente.
Vamos ver se vocês são bons de andamento: quantos batimentos por minuto tem a faixa Hotel California dos Eagles? E quantos batimentos por minuto tem Billie Jean na versão do Michael Jackson?
Qual das duas possui andamento mais rápido?
Se você respondeu à segunda pergunta, Billie Jean, acertou, pois são 112 batimentos por minuto – e Hotel California são 96 batimentos por minuto.
Mas antes que você tire a conclusão de que, então para se definir andamento se é mais rápido ou mais lento, basta contar o número de batimentos por minuto, não caia nessa armadilha. Pois os músicos são seres criativos, e adoram causar impacto, por isso que duas músicas com o mesmo número de batimentos por minuto, podem causar em nosso cérebro impressões completamente antagônicas.
E que seu sistema auditivo jamais se ateve a isso, mas seu cérebro atento e treinado, sim!
Como se burla essa questão do mesmo andamento com efeitos distintos?
Com alterações no ritmo, com um baterista talentoso, dentro do andamento realizando subdivisões no tempo, o que desperta a atenção do cérebro para algo que ele não conhecia.
Pois a neurociência hoje sabe que o andamento musical é um componente primordial na maneira como nos emocionamos ao ouvir música.
E o que é a métrica, Andrette?
A métrica é o componente dessa tríade mais importante para a percepção, se os Transientes na reprodução eletrônica estão ou não fidedignos ao que foi gravado.
Pois ela diz respeito como os pulsos no tempo são agrupados.
Você já percebeu que quando bate os pés ao acompanhar uma música, existem pulsos mais intensos e mais fracos? Nos mostrando que determinados pulsos os músicos os tocaram mais forte ou fraco.
Pegue um Blues, por exemplo, que segue um padrão de quatro por quatro, e teremos o primeiro tempo forte, o segundo fraco, o terceiro forte e o quarto fraco.
Já uma valsa, no tempo de três, o primeiro pulso é forte seguido de dois fracos.
O problema meu amigo, é que essa sensação em um sistema com Transientes errados a métrica não será tão precisa e tão fidedigna.
Porém, aí eu levanto uma outra questão importante: lembre-se que para avaliar os Transientes de um sistema hi-end, as gravações escolhidas sejam muito bem gravadas tecnicamente e com a menor quantidade possível de compressão e equalização.
Pois ambos podem deteriorar essa apresentação do tempo forte e fraco.
Outro dia, um leitor me perguntou como saber se as gravações que ele escuta tem excesso de compressão?
Perguntei se o seu sistema tinha VUs, para ele ter uma ideia visual da quantidade de compressão em suas músicas?
Felizmente seu pré de linha, tem. Pedi para ele ouvir o disco preto do Metallica, e observar o comportamento dos VUs.
Que simplesmente não variam do começo ao fim de cada faixa!
Você jamais terá condições de fazer uma avaliação correta dos Transientes do seu sistema com faixas que o VU não muda, como se a métrica fosse composta apenas de tempos fortes.
E aí entraremos na questão da intensidade do som – que será nosso próximo artigo, para falarmos de macro e micro-dinâmica.
Vou dar uma breve ‘palhinha’ sobre esse tema, pela visão da neurociência.
Você sabia que intensidade assim como a altura abordada no primeiro artigo dessa série é um fenômeno inteiramente psicológico, que não existe no mundo, e sim apenas em nossa mente?
Pois quando vamos no nosso sistema e aumentamos o volume, o que estamos na verdade fazendo é aumentar a amplitude de vibração de moléculas, que para o nosso cérebro ele interpreta como intensidade.
Você irá se surpreender com essa descoberta, e como ele tenta nos avisar que estamos ultrapassando o volume seguro acima de 90 dB.
Voltando à questão dos Transientes, a primeira dica que preciso passar a você é: quando você ouvir uma música que aprecia em um sistema em que fica claro que parece muito mais preciso ritmo, andamento e métrica, do que é no seu, acenda a luz vermelha no seu cérebro.
Pois ele sabe o que está lhe apontando de errado no seu sistema.
Segunda dica: se o seu sistema, em músicas com uma pulsação mais rápida, não lhe permite ouvir com precisão a marcação de tempo forte e fraco, também desconfie de algo muito errado.
E, por fim, se no seu sistema tudo parece sempre mais arrastado, letárgico ou frouxo, como muitos denominam essa sensação causada ao nosso cérebro, minha dica é ouvir essas gravações em sistemas de amigos ou nas revendas para ver como soam.
Acredito que se você ler atentamente estes primeiros dois artigos, entenderá definitivamente que seu cérebro é sua verdadeira bússola.
E que medições, assim como nosso sistema auditivo, são apenas uma tênue parte do processo de avaliar corretamente o que ouvimos, apreciamos e interpretamos.