Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Esse tipo de ideia eu já vi mais de uma vez ser promulgada em fóruns e sites da área, sempre de maneira muito negativa. E me causa um pouco de estranheza a ideia de que minha atitude e ideias no áudio poderiam ser consideradas negativas…
Então, para começar, fui ver o significado Elite e de Elitista. Segundo o Oxford Dictionary, ‘Elite’ vem do francês ‘Élite’, que significa “o que há de melhor”. OK.
Ainda segundo o Oxford, é “o que há de mais valorizado e de melhor qualidade, em um grupo social”, e “minoria que detém o prestígio e o domínio sobre o grupo social”. Não tão ‘OK’…
Vamos por partes:
Primeiro, sim, por definição, Audiofilia é o que há de melhor, de melhor qualidade. A ideia toda é, sim, de ter como hobby (e profissão de muitos) a mais alta qualidade de produtos e sonora. Esse lado, portanto, não pode ser considerado negativo.
Aí, me pergunto: será que na nossa trajetória como profissionais da área, e como escritores e publicadores da Revista, excluímos pessoas? Exercemos domínio sobre pessoas? Esnobamos pessoas? Será que vemos isso no resto do mercado?
A resposta é: terminantemente não! Não por parte de profissionais, nem de fabricação, nem de vendas, nem técnicos.
Se alguém acha que a nossa Metodologia é esnobe ou excludente, não tentou entendê-la e aplicá-la. A razão da existência dela é como uma ferramenta complexa e profunda para compreensão de Qualidade Sonora, de avaliação de equipamentos, acessórios e sistemas, para obtenção de seu melhor resultado.
Necessitar de aprofundamento e dedicação não pode ser considerado no lado negativo do elitismo, assim como não é esnobe e nem excludente – em tudo todos aqui são bem-vindos, e já falei aos sete ventos que os princípios que seguimos podem ser aplicados até em soundbar e microsystems antigos, com o intuito de obtenção de maior qualidade de som.
Os fãs de vintage, então, se beneficiariam tremendamente da aplicação da Metodologia e, especialmente, dos princípios técnicos de acústica, elétrica e de setup de sistemas. Teriam uma qualidade sonora muito superior – mas infelizmente muitos não querem.
Mas, nada do que fazemos é superficial e, portanto, nada é fácil. Inclusive, a dedicação de todos os profissionais realmente bons que conheço é para prover o melhor, incluindo a mídia, especialistas, técnicos e consultores. Todos esses querem vendas, querem clientes, querem serviços, querem leitores, querem ajudar.
O que é preciso é não confundir a complexidade e profundidade do hobby, e sua inerente dificuldade, com essa ideia de elitismo como domínio sobre o grupo social, ou mesmo ideias de superioridade – aqui vale lembrar, e tentar entender, o que é superioridade e o que não é, já que o padeiro entende dez vezes mais de pão do que o freguês que encostou no balcão. Ele é ‘superior’ em conhecimento e capacidade prática?
CONDESCENDÊNCIA & ESNOBISMO NA COMUNIDADE
O audiófilo de fóruns e grupos de discussão é, entretanto, plenamente capaz de soar e ser esnobe.
Audiófilos iniciantes, e alguns que já estão por aí faz tempo mas estão mais perdidos que cego em show de mímica (sim, existem montes e montes desses) absolutamente detestam que as pessoas nos fóruns critiquem os sistemas que montaram e como montaram.
Lembram que eu falei sobre buscar validação? Então, muitos desses querem um “muito bem!”, um “que legal!” e um tapinha nas costas. E o que recebem, facilmente, são críticas e mais críticas.
Algumas críticas são absolutamente certas, e o audiófilo com seu sistema ‘denegrido’ pode logo se sentir atacado e desprestigiado, como pode aprender com aquilo – a escolha é de que recebeu a crítica.
Mas, muitas das críticas estão completamente erradas, bairristas, mal informadas – e as pessoas que buscam sabedoria na multidão são as mesmas que querem aprender sobre como fazer pão com os outros compradores na fila da padaria. Lugar errado, jeito errado, pessoas erradas.
Quem já está há mais tempo no mundo audiófilo, já aprendeu uma coisa: a não procurar obter sabedoria sobre como conduzir um ônibus de uma pessoa que está sentado ao seu lado lá no fundão do dito ônibus. E se for procurar isso, saber filtrar as informações com a mesma habilidade que teria um cego que é mestre podador de bonsais.
Existe, então, sabedoria a ser obtida dentro da comunidade? Sim, claro, mas o caminho tortuoso e os erros cometidos ao longo do tempo desperdiçado para sua obtenção, muitas vezes não valem o esforço.
Um exemplo básico disso é quando você pergunta qual caixa comprar dentro de um preço específico, e 50 pessoas respondem 50 modelos e fabricantes diferentes – quase sempre respondem o modelo da caixa que têm. Isso não é nem esperto da parte deles, que obviamente têm um conhecimento tão limitado quanto o da pessoa que perguntou, como claramente esse que perguntou saiu no final mais confuso do que entrou.
Nesse caso específico, as mesmas coisas de sempre se aplicam: leiam muito, pesquisem muito, aprendam muito, e procurem ouvir o máximo de caixas nesse nível de preço que procuram. Fácil, não é.
O problema do audiófilo sendo esnobe é duplo: primeiro porque ele pode estar errado, e segundo porque ele pode estar certo! Rs! E ouvir que você gastou dinheiro inutilmente montando um sistema errado, é doloroso. Ouvir que sua sala não pode tocar bem do jeito que o sistema está colocado, é doloroso. Cabe a cada um de nós absorver a crítica, ler, aprender, se informar e melhorar.
Ah, mas muitos querem já pronto o melhor sistema que podem obter, tocando o seu melhor, e chegarem em casa, sentarem e curtirem – não querem aprender os meandros. Bom, esses não são exatamente hobbistas com o intuito de melhorar e evoluir com seus sistemas cada vez mais, e sim melômanos com um interesse em qualidade sonora – e até aí, OK, basta contratar um bom profissional para lhe fazer consultoria de como obter o que se procura. E esses melômanos também não estarão nos fóruns pedindo opiniões – senão correm o risco de virarem hobbistas! Rs!
Um aspecto interessante é o do ‘Esnobismo Bilateral’, onde em resposta ao audiófilo que desdenha do sistema simples, chamando-o de inferior e não bom o suficiente, estão os audiófilos de menor poder aquisitivo chamando o áudio ultra-hi-end, por exemplo, de farsa.
Bom, para informação de todos: existem equipamentos ultra-hi-end que são de cair o queixo e deixar abobado o ouvinte com sua Qualidade Sonora – coisa tão de outro mundo, que às vezes parece inconcebível!
Mas existe muito equipamento caríssimo com baixa qualidade sonora, com timbre pior que ruídos de ferramentas de construção – sistemas e equipamentos errados mesmo, de alta-INfidelidade, que transformam um saxofone em uma buzina de caminhão.
Esse esnobismo mútuo por etiqueta de preços é, como tudo na vida, ‘nem tanto à terra, nem tanto ao mar’. Muita gente parece pensar apenas em preto & branco, e não em tons de cinza.
Basta dizer que eu já vi sistemas de bem menos de 10 mil dólares soarem muito melhor, de maneira mais prazerosa e correta, que vários sistemas de 200 mil dólares. Assim como vi sistemas de 300 ou 500 mil dólares que nada chega perto – ou seja, quando algo é realmente bom, não existem atalhos ou substitutos baratos.
Isso deixa loucos os que falam da Lei do Retorno Diminuído (Law of Diminishing Returns), onde algo que custa o dobro do preço, não tem o dobro de qualidade, ou algo que custa 5 vezes o preço não é 5 vezes melhor. Verdade. Mas isso não quer dizer que algo mais caro não pode dar um resultado melhor.
Criticar e desdenhar do poder aquisitivo dos outros tem tanta serventia (para ambos lados) quanto por duas maçanetas de cada lado de uma porta. Não percam tempo fazendo isso.
Qual a lição que se tira da questão de preços? Que quem puder obter algo melhor, obterá. E poderá ser, efetivamente, melhor mesmo em Qualidade Sonora, em performance!
E onde isso deixa os pobres mortais assalariados e remediados? Se sentindo inferiores? Bom, eu sou um desses e não me sinto inferior – sei que tem sistemas surpreendentemente satisfatórios em vários níveis de preço. Que o que hoje é considerado ‘de entrada’ tem uma qualidade inacreditavelmente superior, é muito mais correto e musical e prazeroso, do que os equipamentos do mesmo preço de 15 anos atrás.
Mas é preciso escolher bem, senão seu saxofone vai soar como um abacaxi resfriado, e seu grave será de caixa de frutas do Ceasa de uma nota só… rs!
Chamar de esnobe o audiófilo que gasta bem em cabos e acessórios, dizendo que cabos, por exemplo, são algo fake, o famoso ‘Óleo de Cobra’ do velho-oeste, que promete curas e são apenas água com açúcar, é uma atitude terrível.
Eu, por exemplo, percebo diferenças de como o sistema soa com cabos diferentes – e se dois cabos ‘soam’ diferentes, um dos dois geralmente vai ‘soar’ melhor que o outro (mais próximo do som do instrumento, ou do acontecimento musical), portanto é um cabo melhor, de melhor qualidade. Se um cabo desses, em vez de custar 300 ou 500 dólares, custa 20 mil dólares, eu não poderei comprar – mas, também, se eu puser cabos de 10 dólares em meu sistema porque sou contra-cultural e iconoclasta, porque não acredito no que ouço, estarei perdendo Qualidade Sonora.
Cabos são chamados, junto com outras coisas, de pseudociência. Eu ouço diferenças, e muitos milhares de audiófilos ouvem diferenças, então a ‘pseudociência’ da cabeça do crítico – geralmente virulento – se traduz, na minha opinião, na falta dele educar e treinar seus ouvidos. E, pelo lado do objetivismo, perceberem que a simples análise de indutância, capacitância e resistência, usual na Engenharia Elétrica, não é o suficiente como ‘ciência’ para explicar ou não cabos em sistemas de áudio. Aliás, para os inveterados pela ciência, é preciso lembrar que existem outras ciências além da Engenharia Elétrica, como a Física, por exemplo, que hoje em dia é bastante reconhecida como influente no comportamento do elétron, entre uma série de outras pequenas coisas.
Crítica a cabos, e a muitos acessórios, é dos principais casos de Esnobismo Invertido.
Outra acusação esnobista é sobre a adoção tecnológica – ou, no caso, a resistência às tecnologias modernas. Por exemplo, o audiófilo experiente adoraria usar a simplicidade e facilidade do Bluetooth, mas acontece que Bluetooth só agora, depois da versão 5, é que está começando a tocar com um mínimo de decência. Antigamente não tinha Qualidade Sonora nem de maneira minimamente aceitável para um sistema de som bom.
Quem diz que o audiófilo experiente não se adapta às mudanças e avanços tecnológicos, não entendeu que, na verdade, essas mudanças é que não se adaptam facilmente e rapidamente às necessidades sonoras de alta qualidade da audiofilia. Um exemplo disso é o streaming de música – que só está chegando a ficar bom mesmo, tanto por parte dos serviços quanto por partes dos players a serem usados nos sistemas, nos últimos dois ou três anos.
Invertidamente, muitos criticam audiófilos que usam o vinil, dizendo que é, por definição ‘científica’, inferior por excelência. Bom, um disco mal gravado (e está entupido o mercado de discos mal gravados recém prensados) em um toca-discos banal, fraco, o resultado vai ser inferior ao digital da mesma categoria de preços. Agora, quem ouve um LP bem gravado em um setup analógico de primeira, sai de lá ‘mudando de religião’.
ESNOBISMO MUSICAL
Este é um capítulo à parte. E é outro que é uma via de duas mãos.
De um lado temos gente que esnoba a música mais popular e moderna, por seu mau conteúdo musical e má qualidade de gravação, em geral. É música ruim para avaliação, e péssima para setup e ajuste de sistemas e equipamentos – e é por isso que o pessoal mais experiente as odeia. Além, claro, de não bater o gosto musical, nem de longe.
Já o outro lado, o pessoal mais novo e moderno, quer ouvir suas músicas de gosto pessoal em tudo quanto é sistema em feiras e demonstrações. E porque isso é ruim? Porque a maioria esmagadora não são músicas que irão mostrar as qualidades e nuances daquele sistema. Não dá nem para começar, com a maior parte delas.
Em casa cada um ouve o que quiser ouvir – eu não tenho nada com isso – mas em uma feira ou demonstração eu quero ouvir música bem gravada, no mínimo. Feiras de áudio não são lugares para satisfazer o gosto pessoal musical dos frequentadores, e sim um lugar para demonstrar as melhores capacidades sonoras daqueles equipamentos.
Mais uma vez, meu e-mail está disponível para comentários, dúvidas ou jogarem legumes e frutas podres, em: christian@clubedoaudio.com.br.