COMO NOSSO CÉREBRO REAGE AO OUVIR MÚSICA? – PARTE 3

Playlist: UMA PLAYLIST BEM DIVERSIFICADA
junho 5, 2025
HI-END PELO MUNDO – ESPECIAL HIGH END MUNICH 2025
junho 5, 2025

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Depois de explicarmos como nosso cérebro sente a pulsação, ritmo e andamento da música, iremos penetrar em uma área que aparentemente parece por demais subjetiva para ter alguma resposta racional. E, no entanto, tem sido estudada pela neurociência há pelo menos 40 anos: como nosso cérebro reage ao ouvir música?

Sabemos que o cérebro humano é formado por quatro lobos – frontal, temporal, parietal e occipital – além, é claro, do cerebelo.

O lobo frontal sabemos ser a região do nosso cérebro responsável pelo planejamento, autocontrole e atribuição de todos os sinais enviados aos nossos sentidos, o que na psicologia é chamado de “organização perceptiva”.

Já o lobo temporal é o responsável pela audição e a memória. O lobo frontal, aos movimentos motores e à percepção espacial, e o lobo occipital, à visão.

E para o cerebelo recai a responsabilidade das emoções e o planejamento de todos os movimentos.

Desde 1980 sabemos que qualquer atividade musical (seja tocando um instrumento ou apenas apreciando uma apresentação musical) todas as regiões do cérebro participam deste acontecimento.

O ato de ouvir música começa nas estruturas subcorticais (abaixo do córtex), até chegar ao córtex auditivo de ambos os lados do cérebro.

Aí passamos do sistema dito auditivo, para dentro do nosso cérebro, e o fato de prestarmos atenção no que estamos ouvindo aciona inúmeras regiões do nosso cérebro, como o hipocampo – nosso centro de memória de longo prazo – e todas as quatros partes do nosso cérebro.

E quando uma música nos emociona a um nível intenso, ‘acendemos’ nosso córtex.

O cérebro é constituído de aproximadamente 100 bilhões de neurônios. Cada neurônio, dependendo da região do cérebro, está ligado entre 1000 e 10 mil outros neurônios.

O que nos leva a conclusão de que o número de combinações é tão vasto que, por décadas, os neurocientistas ainda estarão mapeando todas as possíveis conexões do cérebro e suas prováveis resultantes dessas conexões.

O que a ciência já pode afirmar consistentemente, é que grande parte da capacidade de sinapses em nosso cérebro é que possibilita essa vasta rede de interconexão.

Possibilitando que nosso cérebro trabalhe em muitas coisas ao mesmo tempo, com sobreposição de tarefas em paralelismo e com grande eficácia.

Por isso que nosso sistema auditivo processa o som e envia ao circuito neural adiante.

Esse processo é tão rápido e eficaz que conseguimos ouvir e distinguir simultaneamente diversos instrumentos musicais tocando.

Quando ouvimos, por exemplo, um piano solo, as células ciliadas na cóclea separam os sons em diferentes faixas de frequência (grave, médio e agudo), enviando sinais elétricos ao córtex auditivo primário, chamado de área A1, para informar a direção da qual este som está chegando até nós.

E para reconhecer o instrumento que está tocando, o hipocampo é acionado para saber se conheço ou não aquele timbre.

Se já estiver armazenado em minha memória de longo prazo, reconhecerei o timbre do instrumento imediatamente, e saberei que estou ouvindo um piano.

Ufa! Acho que dei uma ideia bem simplificada de como confundimos o ato de ouvir com o ato de interpretar corretamente o que estamos ouvindo.

E este é o tema central desta nova série, em que tento fazer uma correlação entre os avanços da neurociência e aplicando a nossa Metodologia.

Imagine que você nunca tenha escutado na vida uma buzina de caminhão. Todas as suas referências de buzinas se limitam à de um carrinho de pipoca ou algodão doce.

E chega finalmente o dia em que você está realizando seu passeio matinal, e se depara com um caminhão desgovernado com a mão na buzina avisando do perigo que é estar em sua trajetória.

Tirando o susto, e ter sobrevivido ao risco de ser atropelado, seu hipocampo memorizou e interiorizou da maneira mais dramática possível esse timbre.

Com tanta precisão que você saberá descrever mentalmente em detalhes as frequências dessa buzina. Se tinha um som mais grave e assustador, mais médio ou mais médio-agudo.

O mesmo processo ocorre, quando você deixa de ter a ilusão que já nasceu sabendo, e passa a exercitar sua audição e conhecer a fundo o timbre de cada instrumento existente na música que você aprecia.

E acredito que, de tanto a revista martelar na sua mente, que a única maneira de você ‘memorizar’ o timbre dos instrumentos, não será sentado em sua sala ouvindo seu sistema, que você já deva estar frequentando salas de concertos e descobrindo como instrumentos não amplificados soam de verdade.

Se você já deu este passo, ótimo! Pois agora podemos falar sobre como nosso cérebro interpreta a textura de vozes e instrumentos.

Estou montando um futuro Opinião sobre as diferenças entre Tapetes e Clamps de toca-discos. Fico imaginando como os objetivistas assimilarão a ‘hipótese’ de que tapetes e clamps mudam a sonoridade final do que estamos escutando. Alguns de maneira mais sutil, outros de maneira mais explícita.

E ao longo dos anos, quando volto a esse tema dos clamps e tapetes, já abordados na revista, percebo que em toca-discos mais sofisticados e bem ajustados, as maiores diferenças entre os tapetes e clamps, não ocorre mais tanto no equilíbrio tonal e corpo harmônico. E sim na apresentação das texturas.

Constatei essa questão ao ouvir uma noite, antes de escrever este Opinião, Superstition de Stevie Wonder, em que, dos quatro clamps que estou avaliando, nenhum tinha algum desvio nem de equilíbrio tonal e muito menos de corpo harmônico.

E, no entanto, a voz do Stevie Wonder tinha ‘nuances’ audíveis nos quatro, e o sintetizador que abre o tema, idem.
O que são essas ‘nuances’, riqueza na apresentação da captação no caso da voz dele, como se a distância do microfone fosse diferente entre os quatro clamps e os detalhes na captação e mixagem do sintetizador, como se houvessem sutis diferenças no volume escolhido em relação à voz.

Já imagino você leitor, indignado, levantando a mão e perguntando se essas ‘diferenças’ seriam audíveis em um toca-discos mais simples?

Óbvio que não!

Mas as texturas também são o quesito mais difícil de se observar em sistemas mais simples. Pois elas estão intimamente ligadas ao nosso hipocampo – nossa memória de longo prazo.

E sem referências consistentes, passarão batidos para a esmagadora maioria dos audiófilos.

Pergunte a dez audiófilos que pianos ele está ouvindo? E oito provavelmente responderão que saber que se trata de um piano já é suficiente!

Então, onde está a diferença de sonoridade de um piano Yamaha para um Bosendorfer? A maior parte estará nas Texturas, meu amigo. E como a textura é parte integrante da composição do timbre de um instrumento, se você deseja conhecer a fundo e ter em seu hipocampo esta informação, você precisa ouvir atentamente as texturas de cada instrumento que você aprecia.

A primeira vez que eu me ative à importância da textura na composição do timbre, foi aos sete anos de idade, quando entrei com o meu pai em uma loja de instrumentos na Rua Sete de Abril, e uma moça estava escolhendo um cello.
Como eu já era apaixonado pelo instrumento, pedi ao meu pai para ficarmos próximos e assistir a sua escolha. Era visível que não era o seu primeiro instrumento, e isso me fez redobrar minha atenção.

E ali eu tive pela primeira vez um contato com as sutis diferenças entre os três instrumentos que estavam sendo avaliados.

O timbre era obviamente o mesmo, e a estudante tocava rigorosamente as mesmas passagens nos três.
Eu gostei muito do segundo que ela testou, porém ela levou o terceiro (que foi o que meu pai disse ser o melhor também).

Eu tinha apenas sete anos, e por muito tempo a sonoridade daquele cello foi minha referência para reconhecer o timbre deste instrumento e não errar mais quando ouvia no sistema de casa uma viola na oitava mais baixa ou um cello.

Para mim aquela seria minha escolha por um único fato: a região média-alta tinha algo de encantador, e uma certa luz no timbre que me fazia relaxar enquanto a ouvia.

E essas sensações que carregamos em nossa existência é o que chamo da parte ‘intencional’, que é uma das facetas da textura, que nos faz associar o que ouvimos a determinadas sensações de bem-estar, de tensão, relaxamento, alegria ou tristeza,

E todo excelente compositor sabe muito bem explorar as intencionalidades quando está compondo.

E os virtuoses quando estão executando uma obra bem composta.

Eu me lembro quando fizemos o grupo de discussão dos quesitos da Metodologia, quando parte do grupo queria deixar a definição de textura apenas como a apresentação da paleta de cores que define o timbre de cada instrumento.

E que é utilizado na audiofilia por décadas!

E eu insisti que deveríamos ir um pouco mais adiante, pois nossa memória auditiva de longo prazo nunca apenas codifica a identidade sonora de um instrumento ou de uma melodia. Ela vem associada com lembranças visuais, olfativas e emocionais de toda espécie.

E isso ocorre, justamente pelo fato de nosso cérebro poder executar atividades informativas paralelas e independentes através dos cinco sentidos.

Vou dar um exemplo simples: ouvi desde minha infância o tango Por Una Cabeza, de Carlos Gardel. Não era uma música que tenha me causado um impacto permanente. Até assistir ao filme Perfume de Mulher com o Al Pacino. E naquele instante, minha memória de longo prazo ‘revalorizou ‘essa música, e hoje quando a escuto no disco Cinema Serenade com regência de John Williams e o violinista Itzhak Perlman, o que mais me impressiona no arranjo são as texturas do violino e da orquestra.

Resumir o quesito Textura à definição da paleta de cores, é tirar o elemento crucial que é justamente constatar como é eficiente nossa memória de longo prazo, e como podemos ir muito além de apenas reconhecer pelo timbre os instrumentos que estamos ouvindo.

Eu sempre lembro aos participantes dos nossos Cursos de Percepção Auditiva, que os quesitos Textura e musicalidade, podem parecer ao primeiro contato como algo puramente subjetivo, mas que à medida que evoluímos em nossa percepção, ambos se tornam, junto com o equilíbrio tonal, a tríade que sustenta todo o resto.

Quando novamente repassar suas gravações preferidas, tente ouvir as nuances, intencionalidades e não se assuste se, ao dar vazão a esses ‘detalhes’, sua memória de longo prazo resgatar junto emoções há muito esquecidas.
Seu cérebro irá gostar de mostrar a você o quanto ele guarda com eficiência impressões que nos são muito significativas, e repletas de histórias pessoais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *