Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Para quem não o conhece ainda, o Wilson Caruso Jr é nosso designer e diagramador da revista, e produtor de muitos dos anúncios publicados na mesma.
Esse mês eu o fiz sair dos bastidores da revista, e vir para a linha de frente, nos contando como ele coletou a Playlist do nosso Workshop deste ano.
Pois como ele que fez a cobertura de imagens do evento, ninguém mais estaria apto a nos dar um panorama geral do que rolou de mais significativo em termos de seleção musical.
E ao ouvir a seleção pronta em nosso Sistema de Referência, notei tantos aspectos interessantes que achei que valeria a pena dedicar a nossa Playlist nessa edição, para comentar a respeito.
O que mais me surpreendeu foi poder dar a todos vocês a possibilidade de sacar algo que muitas vezes fica em segundo plano: a estética de gravação de vários períodos da música gravada!
E em uma Playlist tão diversificada, que é notório como as diferenças de técnicas de gravação passaram por mudanças muito significativas e audíveis.
E em um sistema hi-end bem ajustado, conseguimos fazer uma radiografia precisa desses períodos.
E constatamos, tristemente (no meu modo de avaliar), que houve retrocessos significativos na passagem do início do estéreo com apenas três microfones para se gravar, para o multipista com 4, 8, 16 e até 32 canais.
E essa Playlist não deixa dúvida alguma do quanto as gravações dos anos 70 e 80 perderam o ‘viço’ presente nas gravações do final dos anos 50 e até toda a década de sessenta.
Essa Playlist irá confirmar de maneira indubitável o que eu denomino como ‘viço’ de uma gravação.
Vamos direto na ‘jugular’ – como diria um querido amigo.
Ouça primeiro Wish You Were Here ou A Pillow of Winds, ambas da banda Pink Floyd, ou se quiser Perfect Strangers do Deep Purple. Sente e solte essas três gravações, veja como os instrumentos soam em termos de corpo harmônico, veja como falta arejamento nas altas!
Aí, meu amigo, ainda que você não aprecie jazz, mas faça esse esforço e escute Trav’lin’ Light – com o saxofonista Bem Webster e o pianista Joe Zawinul em início de carreira. Gravação com apenas três microfones, e escute o corpo dos instrumentos, a quantidade de ambiência da sala, a textura do sax…
Tem algo de errado nas gravações multipista, com gravadores, microfones, equipamentos periféricos, sequer imaginados nas décadas de cinquenta e sessenta, e o resultado é pífio.
Outro exemplo?
A famosa Take Five de Dave Brubeck, praticamente presente em qualquer Hi-End Show em todo o Planeta (para desespero dos formadores de opinião ‘descolados’ que preferem ouvir coisas mais ‘modernas’).
Como é possível tanta diferença audível? São inúmeras as explicações, porém falo e bato na tecla desde a edição zero desta publicação: “Menos é mais”.
Quanto mais um sinal captado por um microfone for processado, menos fidedigno no final deste processo ele será.
Você, ouvindo essa Playlist, poderá confirmar essa minha tese, mesmo que nunca tenha pisado em um estúdio de gravação em sua vida!
Se o seu sistema estiver bem ajustado, você ouvirá nitidamente o que compressão, equalização, má escolha dos microfones, posicionamento dos instrumentos na sala de gravação, definição da reverberação digital diferente para cada instrumento, e a escolha equivocada do engenheiro de gravação na mixagem na hora de definir a localização de cada instrumento (panpot), resulta nas catástrofes que ouvimos frequentemente.
O que é uma pena, pois temos gravações artisticamente maravilhosas, que são estragadas por essa lista de erros citada acima.
Só que os anos setenta e oitenta são referências para muitos engenheiros de hoje e, consequentemente, a quantidade de erros não só se ampliou como se solidificou.
Quer exemplos? Temos alguns bem interessantes nessa Playlist.
Citarei dois: In My Place – da banda Coldplay. Repare como o som é bidimensional, sem profundidade e com tanta compressão que a música soa como um embrulho de um cobertor amarrado com corda de varal de um escoteiro.
Uma dica que costumo dar em nossos Cursos de Percepção Auditiva, para o leigo saber se a gravação tem ou não compressão em excesso, é perceber que não há folga para se definir o limite do volume.
Zero de folga! Se passar um cisco no volume, deixa tudo ainda mais chapado, sem profundidade e cansativo para nosso cérebro.
É assim que se entende o problema de excesso de compressão de uma gravação: ouvindo e sentindo seus efeitos imediatos.
Outro exemplo nessa Playlist, do excesso de compressão, é Like a Stone do Audioslave. Muito mais bem captado que Coldplay, porém com o mesmo excesso de compressão.
Interessante que os microfones estão cada vez melhores, com uma faixa dinâmica melhor, e em vez dos engenheiros usarem para diminuir a quantidade de compressão, eles utilizam esse avanço para enfiar ainda mais compressão.
A desculpa dos engenheiros no século passado era que precisavam mixar assim para tocar no rádio.
A desculpa agora são as plataformas de streaming, principalmente o Spotify.
Ou seja, sempre haverá um ‘álibi’ para se perpetuar o erro.
Mas nem tudo está perdido. Pois nessa Playlist também existe alguma esperança.
E que se houverem alguns ajustes, e essa nova geração de engenheiros tiver a humildade de sentar e ouvir suas gravações em um sistema hi-end, pode ser que aprendam a lapidar ainda mais seus trabalhos.
Mas eu só acredito mesmo que haja uma saída para a melhoria das gravações, quando os músicos assumirem suas produções e não aceitarem que suas execuções sejam estragadas com tanto processamento.
Esse é um trabalho de formiguinha que nós na revista fazemos desde 1999.
E tem dado frutos, acreditem!
Pois inúmeros músicos que trabalharam conosco em nossos discos, entenderam ao ouvir sua obra em um sistema hi-end, o quanto seu trabalho cresce e será valorizado.
Vamos às gravações dessa Playlist que estão no caminho certo, e com pequenos ajustes poderiam soar ainda mais expressivas e emocionalmente corretas!
A gravação Libertango (Remix), se o engenheiro de gravação tivesse colocado os músicos em posições fixas no panpot no momento da mixagem, em vez de disponibilizá-los no meio das duas caixas, já daria um arejamento muito maior, para nosso cérebro relaxar e apreciar o criativo arranjo dessa obra de Astor Piazzolla.
Acho que também, com esse maior arejamento, com foco e recorte de cada solista, a quantidade de reverberação digital poderia ser diminuída.
Enfim, são detalhes tão simples, mas que dariam uma outra estética ao trabalho.
Outra gravação que poderia subir alguns degraus é Under Pressure – Remix do Queen com David Bowie, que até vai bem até o fortíssimo, que quando chega, mostra o excesso de compressão usado para não distorcer. Mesmo assim é possível perceber que a captação foi boa.
Um remix serve justamente para aprimorar algo, do contrário é uma elucubração de ego ou de apelo comercial, meramente.
Uma melhor disposição dos instrumentos nesse remix, ajudaria muito também.
E as gravações tecnicamente mais promissoras dessa lista, foram de três cantoras. O último trabalho de Patricia Barber – Shall We Dance? – de uma artista com inúmeras excelentes gravações, que provavelmente não faz concessões e sabe muito bem o nível técnico que deseja nos seus trabalhos.
Também o trabalho da jovem cantora Freya Ridings – Lost Without You, que também com pequenos ajustes poderia ainda soar melhor. Mas ao menos não soa bidimensional (sem profundidade). Sua voz tem foco, reverberação na medida e não peca por excesso de compressão.
E a já famosa, também jovem, cantora sueca – Anette Askvik – com a faixa Liberty. Que também está presente em todos os eventos hi-end, mundo afora. Nessa gravação só não gosto do excesso de reverb ‘de catedral’ na voz dela e no saxofone, mas talvez tenha sido uma escolha ‘estética musical’. Sinceramente espero que tenha sido esse o motivo.
Outras gravações dessa Playlist bem gravadas são a versão da Konishi Tsunoda Big Band de Take Five, em que o leitor poderá ter um ótimo exemplo do que chamo tanta atenção da música respirar nas altas, e de ter um decaimento suave (isso soa como um bálsamo para nosso cérebro meu amigo). Ouça o trabalho nos pratos do baterista, veja a riqueza de textura no prato de condução!
E também a gravação do baixista Stanley Clarke – I Have Something to Tell You Tonight – em que o grave do baixo e do bumbo da bateria tem peso, energia e precisão.
Espero que o amigo que foi ao nosso Workshop se divirta em reouvir as músicas apresentadas nas salas dos expositores, e aos que não foram, fiquem com uma ideia do que perderam e se programem para o próximo evento, nos dias 24, 25 e 26 de abril de 2026.
Seguem os links para as Playlists com os destaques musicais utilizados no evento, pelos expositores:
QOBUZ – https://open.qobuz.com/playlist/32646494
TIDAL – https://tidal.com/browse/playlist/0b726486-c2fc-4694-805d-37da454d9883
Meu agradecimento ao amigo e grande profissional Wilson Caruso Jr, pelo levantamento deste material e por colocá-lo nas principais plataformas para quem quiser curtir!
Mês que vem volto com as nossas dicas, e já aviso, só terá ‘pedreira’ para a avaliação de sistemas hi-end!