Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Será que a Inteligência Artificial (IA) dominará a indústria do áudio? Acho que ela deve ser vista como uma ferramenta – mais avançada que a maioria das ferramentas existentes até então, mas apenas uma ferramenta, que irá substituir uma parte do trabalho executado pelo ser humano, física e mentalmente.
Alguns teóricos bem otimistas dizem que a IA é uma oportunidade do ser humano ser menos ‘máquina’ e mais criativo. E, claro, muitos teóricos irão defender os pontos de vistas de seus coletivos e de suas ideologias, assim como alguns vão fazer de tudo para a IA substitua o poder decisório ou mesmo o trabalho intelectual das pessoas – aí podemos ser todos reduzidos a coadjuvantes (voluntários até) do mundo e da vida. E até em um filme sobre isso, seremos representados por figuras sem profundidade criadas por IA…rs…
Muitos artistas de várias formas de arte estão usando a IA para, desde criarem partes de obras e de conceitos, até criarem obras completas. Como colaboradores e como entidades criadoras. Mas na verdade a IA ainda é uma grande copiadora! E imitadora!
Ela tende a usar informação armazenada, acumulada, ao longo de décadas e séculos, e imitar. Ou seja, como já fizeram um programa de IA analisar tudo que pudesse e tivesse acesso sobre a cantora de jazz Ella Fitzgerald – o que geralmente é restringido ao corpo de sua obra musical – e fazer algo baseado nela. O resultado soa mais como uma imitação, como uma peça de plástico imitando madeira. Não substitui a madeira, nem anda lado a lado com a madeira. Não passa no escrutínio nem por um momento.
Talvez estejamos bem próximos de ter uma imitação razoável da Ella – pois a IA depende única e exclusivamente das informações que à ela estiverem disponíveis. E como ninguém sabe o que se passa dentro da cabeça, e do coração, e da alma da Ella Fitzgerald – isso para não falar na inabilidade de um sintetizador de voz de querer soar como Ella – e como nem os próprios artistas sabem o que acontece dentro deles, como será que alguém um dia pretende realmente imitá-los com perfeição?
Isso porque a maioria (incluindo IA) não entendem o conceito da ‘imperfeição’ inerente às obras de todas as artes, que são o ‘toque humano’, que são chamados por muitos artistas de “Acidentes Felizes”. É preciso entender Humanidade, para começar.
E para criarem sozinhas, como farão as IA? Terão a programação de tudo e qualquer coisa que possa constituir a ‘humanidade’ de uma pessoa, para depois fazerem resultados que são pastiches? Não creio em bons resultados, não ainda. Vejam, eu nunca acho que uma tecnologia está tão avançada quanto o que seus conceptores e a mídia tentam vender para a gente – desde o carro que dirige sozinho, passando pelo deepfake de atores em filmes, até chegar em avanços medicinais, por exemplo, que já ‘curaram’ várias doenças e condições, numerosas vezes, ao longo dos últimos 20 e poucos anos. Nenhum deles realmente se concretizou, até agora, plenos.
Sou velho, e apesar disso, apesar da turrice, ainda acredito que a serventia real das coisas tenha que ser posta à prova, e não acredito na obsolescência do ser humano.
IA irá substituir-nos? Não, ainda não, e talvez nunca. Complementar-nos? Talvez, mas ainda não vi um resultado interessante em nenhum meio artístico para poder dizer, para poder dar uma opinião. As poucas artes que eu vi, não me transmitiram nada – apenas as compraria para decorar sets de filmagem, escritórios, lojas e restaurantes.
Eu acredito que a grande questão sobre a IA, em geral, é o intangível, como a criatividade, como as especializações, habilidades e conhecimentos cuja tangibilidade é difícil, improvável ou até impossível de quantificar e catalogar. Como ‘experiência’, por exemplo. E instinto.
Um amigo, que trabalha como programador e administrador de redes de computadores, me mandou uma piada muito boa que diz que substituir um programador de software por uma IA não daria certo, porque o cliente teria que passar a descrever para a IA o que quer com absoluta perfeição…rs… A mesma piada pode ser adaptada para serviços publicitários, qualquer tipo de contratação de serviços que dependam de criação, e até projeto e construção de casas, escritórios, lojas e outras edificações.
Para as artes, tanto as plásticas quanto as musicais, então, nem se fala: o ‘artista’ produz aquilo que lhe foi milimetricamente especificado, ou passa usar aquilo que ele já sabe e sente – caso a especificação tenda ao mais genérico – ou uma mistura dos dois. Os resultados quase nunca agradam ambos lados.
A IA é como todo software: irá usar as informações com as quais foi programado. Ou seja, você não vai querer achar resultados de busca para “materiais de construção” no dispositivo de busca de uma base de dados de fauna e flora, vai?
Agora, no seu trabalho, seja qual ele for (e principalmente se for algo ligado à criação), quanto do resultado dele será puramente ‘seu’ e o quanto será creditado à IA (se for creditado)?
Mas, e a Inteligência Artificial na indústria do áudio?
Bom, desenvolver um par de caixas ou um circuito eletrônico para um amplificador ou conversor, é algo normalmente associado ao uso extensivo do conhecimento de um ser humano sobre eletrônica, somado à sua experiência com macetes, com saber ‘o caminho das pedras’, saber ‘as manhas’ para obtenção dos resultados procurados. Ou seja, no áudio existe uma parcela de criatividade e de intangibilidade. Dá para programar uma IA para suprir essa intangibilidade? Uma parte sim, talvez. Mas por que um profissional aclamado e bem sucedido iria querer programar um software, um computador, para se tornar obsoleto por causa disso? Ninguém quer ensinar o seu ofício a outro, não totalmente – e não quando em sua plenitude profissional.
Como dito: será uma ferramenta. E ela pode ajudar de muitas maneiras. Por exemplo, uma IA bem programada sobre as questões de comprimento e largura de trilhas de uma placa de circuito, assim como questões de interferências e ruídos, etc, pode ser imensamente útil, rápida e racional no desenho das placas de circuito dos equipamentos – na fase de design e desenvolvimento – agilizando prototipagem e testes. A escolha da placa, sua modificação, e pequenos acertos e detalhes, terá que ser feita por um desenvolvedor experiente, claro. E os testes auditivos, claro, também. Assim como as diretrizes, para que a IA faça o trabalho, terão de vir do projetista.
Baseados nas especificações dos alto-falantes, e no intuito do projeto, a IA pode ajudar nas dimensões e formatos do gabinete, assim como na seleção de componentes. Pode até dizer muita coisa sobre o casamento entre os tweeters, médios e woofer a serem usados.
E, como dito antes, dependendo da qualidade das informações alimentadas nesses softwares de IA, poderá até sugerir várias outras coisas pertinentes ao desenvolvimento.
Haverá uma IA que desenvolva uma caixa desde o zero até sua forma final, e essa caixa será competitiva – qualitativamente – em sua faixa de preço? Depende. Uma IA dificilmente teria como fazer, não ainda, o mesmo trabalho que tem uma fabricante topo de caixas acústicas, pois os resultados deste último, falam por si mesmos, também em sua complexidade. Mas eu acho que uma IA bem
utilizada (e programada) poderia sim fazer boas caixas acústicas mais simples, e ajudar muito alguns segmentos da indústria de áudio.
Acontece que, se o uso da IA for online, com a IA sendo um software cujo acesso é disponibilizado por alguém grande, e cujo banco de dados usado por ela ficar lá centralizado nos servidores dessa grande corporação, a pergunta que fica é: você alimentaria esse banco de dados, daria informações para a IA, alimentaria a ‘inteligência’ dessa IA e, assim, estaria dando sua propriedade intelectual – que é a sua inteligência – para terceiros? Não me parece um bom negócio, já que eles já tiram todas as conclusões que eles quiserem sobre você baseado no que você procura na Internet, em que sites vai, o que escreve lá, como se comporta…
No caso da audiofilia do lado do usuário final, como se ensina uma IA a ouvir? Como se ensina ela a distinguir os aspectos qualitativos do som de um instrumento? E os aspectos de uma apresentação musical, de interação entre os músicos e dos músicos com o ambiente e plateia?
Como a IA poderá ter uma Referência? Baseado em quê? Quais critérios filtrarão essa percepção? E como filtrarão?
Poderá a IA entender a Metodologia aqui da revista, ou mesmo, seguindo o mesmo tipo de raciocínio, poderá a IA saborear a sua comida? Discernir o que te dá prazer de comer e o que não?
A IA não está nem perto, meu amigo, de espelhar toda a ciência e nem todas as disciplinas com seus conhecimentos atuais. Nem perto! O que dirá de qualquer senso prático.
Tentar ensinar ‘Bom Senso’ à uma IA, e tirar isso à prova, daria um excelente filme de ficção científica. Igualmente interessante seria ver a IA sendo irracional, emocional, manhosa…rs…
Extrapolação, abstração, o intangível – estão todos tão longe, mas tão longe.
Trocando em miúdos, como uma Inteligência Artificial funciona vai depender muito do que o Criador ensinou à Criatura, e como. Me surpreendo, na discussão sobre a IA, que não se façam muitas analogias com o livro Frankenstein, obra-prima da escritora Mary Shelley.
É preciso cuidado, pois o Monstro de Frankenstein pode tender a ser tão psicopata quanto o Dr Frankenstein que o criou. Porém um ‘Físico de IA’ pode tender a ser tão ‘sabido’ quanto o Einstein de onde foi copiado.
Mas poderá a IA um dia superar seus criadores?
E poderá ela ser genial?