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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Sempre fiz uma enquete com cada nova turma dos Cursos de Percepção Auditiva, procurando saber qual era a expectativa em relação ao curso e o que os atraia em um sistema hi-end!

E sempre o ‘Palco Sonoro’ ganhou disparado. Em uma proporção de mais de 60% entre os participantes. Demorei para entender que, para a maioria dos audiófilos, apresentar o Palco Sonoro a um leigo é como o cartão de visitas, que irá justificar o investimento no sistema.

E entre os próprios audiófilos, é uma maneira de mostrar que fez a lição de casa, desde a construção de uma sala acusticamente dedicada, até a elétrica e, claro, a sinergia e posicionamento correto das caixas.

Mas não se iludam, aqueles que estão iniciando agora sua paixão pela audiofilia, pois vocês ouvirão muitos sistemas em que nunca haverá um palco sonoro.

Para ilustrar essa realidade, pedi ao nosso colaborador Christian Pruks para selecionar algumas ‘aberrações’ no posicionamento das caixas, que mostram o quanto inúmeros audiófilos pelo mundo desconhecem a importância de um cuidadoso posicionamento delas e do ponto de audição. Mas chegaremos lá daqui a pouco.

Porém, antes, deixe-me contar um fato que ocorreu comigo no início do Clube do Áudio.

Na seção Discos do Mês, eu tinha como critério central escolher gravações que além de excelente Equilíbrio Tonal, tivesse um bom foco, recorte e ambiência para poder indicar aos nossos leitores.

E me veio a ideia de pedir ao querido amigo, e por muitos anos nosso colaborador, o Eron, que desenhasse o posicionamento dos músicos no ‘palco sonoro’, para ajudar a todos a ajustarem corretamente suas caixas em suas respectivas salas.

O que eu não imaginava era receber de um leitor uma crítica ‘virulenta’, em que ele afirmava não existir palco sonoro e que eu estava ‘colocando fantasia’ na cabeça dos leitores. Educadamente respondi pedindo que o leitor contasse um pouco de sua trajetória, e o convidei para participar do nosso Curso. Não me respondeu de imediato, porém alguns meses depois recebo uma longa carta pedindo desculpas pelos termos ofensivos usados no primeiro contato e que, graças a um amigo, ele finalmente ouviu as benesses de um palco sonoro tridimensional.

E me confessou que, com todos os seus sistemas, jamais teve espaço para a formação de um triângulo equilátero ou algo próximo, e por isso ele jamais tinha tido a oportunidade de ouvir um palco sonoro como os descritos em minhas dicas dos Discos do Mês.

Muitos leitores sempre me questionaram o motivo do primeiro Genuinamente Brasileiro ter sido justamente para avaliação do Soundstage, e a resposta está aí.

No começo do Clube do Áudio, a maioria dos leitores estavam encantados com a possibilidade de ouvirem em seus sistemas foco, recorte e planos com a maior largura e profundidade possível. Acho que o Soundstage se tornou o ‘canto da sereia’ para o mercado depois de tantos anos de reserva de mercado.

A esmagadora maioria das caixas nacionais, como diz um grande amigo, tinha o som embotado dentro do gabinete, com baixa dispersão tanto vertical como horizontal, dificultando a criação do palco sonoro entre as caixas e nas laterais das mesmas.

Na nossa Metodologia, o Palco Sonoro (Soundstage) é a soma de um número de variáveis. Para ele ser tridimensional é preciso ter muitos cuidados, e fico impressionado como muitos audiófilos não estão familiarizados com todos esses cuidados.

Quantas vezes, ao avaliar sistemas dos nossos leitores, percebo que o cliente está perfeitamente satisfeito só com o acontecimento musical entre as caixas, e se os solistas estiverem bem focados e recortados em relação ao resto do acontecimento musical, eles se dão por satisfeitos.

Outros buscam planos com maior profundidade, não se contentando apenas com uma imagem bidimensional entre as caixas. No entanto, não se incomodam se todos os músicos estiverem se apresentando sempre sentados, ou como os tabladistas tocando sentados no chão!

O que é mais impressionante, é que na maioria dessas salas em que o leitor já conseguiu andar metade do caminho, o restante é apenas uma questão de ajuste fino no posicionamento das caixas e da posição do ouvinte – e muitos sequer tentam colocar a mão na massa e chegar ao ajuste ideal.

Outro erro que é muito comum, é a altura incorreta das caixas bookshelf em relação ao ouvido – ainda que todos os fabricantes de caixas hi-end tipo book sérios, costumem dar dicas preciosas em relação à altura e ao posicionamento das caixas em relação às paredes.

Quando me deparo com essas situações, a primeira pergunta que faço é: existe alguma restrição ao posicionamento correto das caixas para se extrair o máximo de performance? Não ria, meu amigo, pois às vezes existe. Pode ser que uma caixa, se estiver 10 cm mais aberta, atrapalhe a passagem, ou se distanciar 20 cm as caixas da parede às suas costas, irá ficar muito próxima de uma mesa de vidro central.

Eu já vi de tudo. Então procuro ser cauteloso para não correr o risco de fazer algo que possa desagradar a boa convivência de todos os familiares.

E quando digo que já vi de tudo, acredite, pois é verdade. As fotos escolhidas pelo Christian nos dão um panorama do que se pode encontrar a todo momento.

Mas, vamos eliminar todas essas possibilidades que impedem de extrairmos de um setup hi-end um excelente soundstage, e nos concentrar nas salas que nos permitem algum ajuste, ok?

Entenda por um excelente soundstage os seguintes critérios: foco e recorte dos solistas com total precisão na posição ‘física’ de cada músico no palco, com definição de altura, largura e profundidade na apresentação dos planos, e a apresentação da sala de gravação (ambiência).

O primeiro passo para termos esse palco desejável para todos os sistemas hi-end, é uma sala em que as caixas possam minimamente serem melhor posicionadas. Que seja possível se manter a distância entre as duas caixas e o ponto ideal de audição.

Vamos a exemplos práticos: em uma sala de 3 metros de largura por 4 de profundidade, teremos que trabalhar com caixas que aceitem ficarem mais próximas das paredes laterais (mínimo 20 cm) e 2,60m entre elas seja o suficiente para a criação do palco sonoro entre elas, com boa altura e profundidade. Que essas caixas trabalhem de 40 a 80 cm da parede às costas delas, e que a cadeira de audição possa ficar pelo menos 60 cm da parede às suas costas.

Veja que, se nessa sala de 12 metros quadrados, tivermos essa possibilidade de movimentar as caixas e o ponto de audição de 10 a 60 cm, a possibilidade de conseguirmos um palco com os quesitos que buscamos pode ocorrer.

Mas se não tiver essa disponibilidade, precisaremos repensar todo o nosso planejamento, inclusive das próprias caixas.

Em salas tão pequenas, a primeira dica: caixas cujos graves não desçam muito – isso para uma sala que no máximo teremos um tapete e cortinas, e algum móvel com discos e livros, sem tratamento de armadilha de graves. O ideal será uma caixa que responda de 50 Hz para cima, e que o duto bass-reflex seja na frente da caixa e não na parte de trás.

Segundo ponto: estude com critério a altura da caixa em relação ao ouvido, com você sentado! Pois isso será essencial, tanto para o ajuste do Equilíbrio Tonal, como para a altura do acontecimento musical, foco e recorte. Se o fabricante indica que o tweeter não pode estar na altura do ouvido, siga a regra.

Terceiro ponto: certifique-se se o fabricante indica suas caixas mais voltadas para o centro, cruzando a frente dos olhos ou atrás de nossa cabeça. Meus clientes costumam ficar embasbacados com as diferenças, quando eles fizeram exatamente o oposto do que o fabricante indicou (muitas vezes nem leram o manual).

Em salas muito pequenas, eu evito indicar caixas book ou pequenas colunas que gostem de trabalhar com toe-in muito acentuado. E o motivo é simples, quanto mais as caixas estiverem voltadas para o centro, menos profundidade os planos terão. E para quem escuta gêneros musicais com muitos instrumentos, isso além de deixar tudo mais frontalizado, costuma causar mais fadiga auditiva (principalmente aos que gostam de abusar do volume).

Em salas de até 16 metros, procure caixas que gostem de pouco toe-in, de preferência as que gostam de trabalhar paralelas às paredes laterais. Esses modelos, quando são excelentes, costumam fornecer uma imagem com planos muito mais 3D.

Uma dica importante para o posicionamento correto das caixas em relação ao ponto ideal de audição: busquem primeiro achar a melhor distância entre as caixas, ainda que você arrisque ter as caixas muito próximas às paredes laterais. Pois se você deseja ter o melhor palco sonoro, o acontecimento musical que está entre as caixas precisa do maior arejamento possível.

Claro que você não vai poder encostar as caixas nas paredes laterais, mas observe o limite em que o Equilíbrio Tonal nas altas frequências não começa a ser alterado pela parede.

Agora, meu amigo, se em vez de parede lateral, o que tivermos for uma janela, aí todo cuidado precisará ser redobrado, pois a distância da caixa e a janela terá que ser maior que uma parede de alvenaria. Para paredes de alvenaria, a maioria das caixas consegue ficar até 20 cm sem problema de Equilíbrio Tonal. Já para as janelas, pelo menos 30 a 40 cm de distância será necessário.

Definida a distância máxima entre as caixas, hora da fita métrica, e colocar a cadeira nessa mesma distância em triângulo com as caixas. Ou seja, se tivermos 2,80m entre as caixas, comece por 2,80 m para a cadeira ou sofá.

Montado o triângulo equilátero, hora de separar três a quatro faixas que tenham bons exemplos de foco, recorte, planos (com boa profundidade e os instrumentos com bastante espaço entre eles), e escute.

Comece a audição com as caixas com zero de toe-in, ou seja: paralelas às paredes laterais (ainda que você saiba que o fabricante indica toe-in para elas). Use de preferência exemplos com uma voz solo, que você sabe que deve soar bem ao centro entre as caixas, e observe se o(a) cantor(a) está de pé ou sentado (em relação aos instrumentos, claro).

Busque exemplos que você sabe que os instrumentos colocados ao lado (sentados) ou atrás do(a) cantor(a).

Veja como os planos são reproduzidos com as caixas paralelas às paredes laterais. Se a caixa necessitar de toe-in, você perceberá imediatamente que o som está bidimensional, ou seja, tem largura e altura e não tem profundidade.
Comece a corrigir essa falta de tridimensionalidade, voltando as caixas para o centro de maneira cuidadosa.

Sutilmente, até sentir que conseguiu dar profundidade aos instrumentos atrás do(a) cantor(a).

OK?

Se, ao posicionar o ângulo, você sentir que toda a imagem se deslocou para a frente das caixas, afaste sua cadeira de 5 em 5 cm, até a imagem estabilizar das caixas para trás novamente, mantendo a profundidade correta da gravação.

Muitos de vocês pensam que o palco é meramente uma questão ‘estética’ da apresentação musical. Por muitos anos até foi vendido como um diferencial dos produtos hi-end em relação aos sistemas mid-fi e consumer. Porém, à medida que compreendemos que nenhum quesito existe isoladamente do grupo, entendemos que o palco só será correto se tiver ambiência, e para isso é necessário que o Equilíbrio Tonal seja preciso, e que foco e recorte são interdependentes da qualidade da microdinâmica, e os planos dependentes da macrodinâmica e da qualidade da organicidade.

Ou seja, estamos avaliando um quesito separadamente, mas quanto mais alto for seu grau em correção e precisão, outros quesitos estão inseridos nessa mesma observação.

As correlações estão presentes desde o primeiro instante em que sentamos para avaliar qualquer componente da cadeia de áudio hi-end.

Você encontrará no Tidal nosso disco Genuinamente Brasileiro Volume 1 e infelizmente não terá como ver o encarte para ver a posição de cada músico no palco sonoro do teatro Alpha, onde foi realizada a gravação.

Vou pedir para vocês ouvirem a faixa 4 – Uma Valsa e Dois Amores, de Dilermano Reis. Executada pelo violonista Camilo Carrara e o violinista Luiz Passo Amato.

OUÇA GENUINAMENTE BRASILEIRO VOLUME 1, NO TIDAL.

Transcrevo para vocês, que só ouvirão no streamer, o que escrevi no encarte do disco: “Tempo de reverberação entre os músicos posicionados no centro do palco de 2,90 segundos. Microfones utilizados na captação dos instrumentos B&K 4006 e dois Neumann KM 84 no fundo do palco para a captação do violino. Queríamos passar a sensação de uma serenata ao luar, com o violinista em pé, cerca de três metros atrás do violonista, que tocou sentado”.

O amigo terá o violonista sentado no seu canal esquerdo e o violinista bem atrás do violão, em pé do lado direito.

Na mixagem, o violão está com a captação direta do microfone B&K 4006, e o violino mixamos em primeiro plano o também B&K 4006 com os Neumann, mostrando a bela ambiência do palco do teatro Alpha.

Acredite, se você conseguir ajustar suas caixas e o posicionamento do ponto ideal de audição exatamente como foi descrito, você ajustou seu soundstage para todas as gravações.

Pois essa singela e minimalista gravação, trabalha de forma cirúrgica todos os quesitos que compõem o soundstage: foco, recorte, planos (o mais difícil que é altura e profundidade), arejamento (o silêncio entre os dois instrumentos no meio do palco) e a ambiência do teatro Alpha.

Esse mês não apresentarei vídeos, pois já temos exemplos suficientes de soundstage nas dezenas de vídeos que já publicamos.

No entanto, se você deseja avaliar seu soundstage, ou realizar um ajuste fino, por favor faça a lição de casa.
Mês que vem temos uma pedreira pela frente: Textura.

Ia me esquecendo: aos 17 leitores que manifestaram suas observações da gravação do John Adams, todos acertaram as diferenças de ambiência colocada na voz e no piano.

Parabéns a todos vocês!

É muito gratificante receber o feedback, e saber que muitos estão realmente curtindo essa série.

Acreditem, estou me esforçando muito para tentar adaptar os cursos ao vivo por aqui.

E saber que muitos estão agradecendo essa ajuda, me incentiva a buscar ideias para explicar que nossa Metodologia não é nenhum bicho de sete cabeças, e de Subjetivo não tem absolutamente nada.

Até o próximo mês.

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