Antônio Carlos Pinho
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Abstract – Este artigo tem como objetivo investigar as causas da diferença auditiva entre diferentes cabos de interligação entre um conversor analógico digital e um amplificador de potência. Foi montado um sistema de áudio para reproduzir 41 sinais senoidais com frequências variadas de 20 a 20 kHz, para investigar possíveis discrepâncias entre os cabos. Esses sinais foram gravados em uma interface de áudio com entrada RCA, com frequência de amostragem de 192 kHz e 24 bits. Utilizando os sinais de áudio gravados, o MATLAB foi empregado para determinar a média dos valores de pico de cada cabo para cada frequência. Posteriormente, os valores foram comparados entre si com o objetivo de determinar quais frequências cada cabo apresenta maior intensidade. De acordo com nossas medições, a discrepância média entre frequências que variam de 20 a 14.100 Hz é de 0,0238%, enquanto a discrepância entre frequências que variam de 16 a 20 kHz é significativamente maior, variando de 8,366% a -21,44%. Além disso, analisando uma música de 0,681 segundos, foi calculado o valor RMS do sinal, resultando em 0,04967 para o cabo Lumix e 0,04961 para o cabo de Áudio, com uma diferença percentual de 0,12% entre os cabos. Além disso, foi realizada uma Transformada de Fourier para identificar as frequências com maior energia. A análise consistiu em determinar o cabo com maior energia para cada frequência. Para isso, foi feita uma média ponderada entre energia e frequência. Para o cabo Lumix, a frequência ponderada do sinal foi de 510,86 Hz, e a do cabo Ataudio foi de 1097,34 Hz. Dessa forma, o Lumix reproduz sons de média frequência com maior intensidade, enquanto o Ataudio reproduz sons de alta frequência com maior intensidade. Além disso, vale ressaltar que uma reprodução mais precisa das altas frequências facilita uma melhor visualização dos instrumentos musicais na audição estéreo, recurso muito desejado nos sistemas de áudio de alta qualidade (HEA- High End Audio).
INTRODUÇÃO
A gravação e reprodução de música atende a uma ampla gama de finalidades, desde simples gravações amadoras até a gravação e reprodução de música profissional em dispositivos de alta fidelidade, conhecidos como Alta Fidelidade. O objetivo é alcançar a maior fidelidade de áudio possível [1]. Para conseguir isso, são necessários vários dispositivos especializados, melhor projetados e construídos, como um conversor analógico-digital separado, pré-amplificadores, interfaces de áudio e alto-falantes, e cabos de interconexão são usados para conectar todos esses equipamentos.
Na comunidade de áudio, especialmente entre os entusiastas da música reproduzida com precisão, existe um debate significativo sobre o impacto dos cabos na qualidade da gravação e reprodução da música. Várias marcas produzem cabos construídos com diversos materiais e técnicas e materiais de construção, incluindo blindagem contra interferência eletromagnética, revestimentos de ouro ou prata e até mesmo cabos que afirmam ser monocristalinos, alegando aumentar a fidelidade. Outros argumentam que os cabos não interferem e podem ser vistos como um meio linear e não distorcido, o que vai contra a indústria de cabos de áudio pré-estabelecida.
Além disso, devido à falta de artigos publicados sobre este tema, muitos mitos surgem dentro da comunidade audiófila e, portanto, este artigo se faz necessário para investigar esta discussão. Afinal, os audiófilos ouvem diferenças entre os cabos, e por essa diferença auditiva pagam centenas de dólares, e isso não acontece por conta do marketing dos fabricantes.
O objetivo deste artigo é investigar as causas da diferença auditiva entre diferentes cabos de interligação entre um conversor analógico digital e um amplificador de potência.
METODOLOGIA
Para investigar possíveis discrepâncias, foi desenvolvida uma configuração composta por um Blu-Ray Sony BDP — S480, que reproduz 41 sinais senoidais em frequências entre 20 Hz e 20 kHz. Ele foi conectado a um DAC (Conversor Digital Analógico) Topping E30 através do cabo digital, e do DAC à interface de áudio Yamaha AG06, através de cabos RCA, destinados ao estudo. Os sinais analógicos são gravados com uma taxa de amostragem de 192 kHz e com 24 bits de quantização. A interface de áudio foi conectada a um notebook Avell através de um cabo USB A-B, e os 41 sinais foram gravados com o software Audacity para o computador. Uma segunda gravação foi feita a partir de um vídeo do YouTube, tendo o notebook como fonte e o sinal de áudio decodificado de digital para analógico no Topping E30. A Figura 1 mostra um esquema da conexão do equipamento.
Um dos cabos estudados é um cabo RCA Ataudio (HIFI Audio – OCC + silver plated) HIFI RCA Cable, um cabo de 8 fios, composto por 20 condutores OCC (Ohno Continuous Casting) e 8 fios compostos por 20 condutores banhados a prata. O outro cabo, Lumix, foi fabricado em uma conceituada loja de equipamentos de áudio localizada em Curitiba-PR, Brasil.
ANÁLISES
Para realizar uma análise do áudio, tentamos sincronizar os sinais gravados com cabos Lumix e Ataudio utilizando o software MATLAB. Porém, foi detectado um desvio na frequência de amostragem do sinal, inviabilizando a sincronização das formas de onda para a gravação de 20 kHz, apesar de sua taxa de amostragem de 192 kHz.
Para resolver esse problema, uma abordagem alternativa foi empregada no domínio do tempo. Buscamos o valor médio dos valores de pico positivos (Vmpa) e negativos (Vmna) para cada uma das 41 frequências calculando a expressão:
(1)
(2)
Sendo N o número de pontos positivos máximos, Vpa, ou pontos negativos mínimos, Vna, encontrados no conjunto de cada uma das 41 frequências. O valor de N varia dependendo da frequência do sinal. Para cada frequência, o sinal dura 30 segundos. Assim, por exemplo, para uma frequência de 20 Hz. Em termos de N= 30 × 20 = 600 pontos. Para outras frequências, o número de picos varia. Com estes valores máximos de pico de tensão, espera-se encontrar uma diferença nos valores médios para cada cabo, em cada uma das 41 frequências.
RESULTADOS
O conjunto CD-player/DAC apresenta uma resposta de tensão de saída variável de acordo com a frequência, apresentando uma diminuição significativa a partir de 14,1 kHz. A Figura 2 mostra as duas respostas de frequência para a tensão média de saída dos cabos, Ataudio em vermelho e Lumix em azul.
Para determinar uma diferença mais significativa entre os valores médios dos picos entre os dois cabos, veja a figura 3. A diferença percentual entre os valores médios máximos é mostrada com a equação (3) em função das 41 frequências:
(3)
De acordo com a equação (3), a diferença média entre as frequências de 20 e 14.100 Hz é de -0,0238%, enquanto a diferença entre as frequências de 16, 17,9 e 20 kHz é significativamente maior, variando de 3,178% até um máximo de 8,366% e um mínimo de -21,44%.
O domínio do tempo será exibido para um sinal de áudio extraído de uma música encontrada no YouTube — Raminchuvarevaru em Raaga Suposhini tocada por Mandolin U Rajesh [2]. As duas formas de onda gravadas com os cabos Lumix e Ataudio estão estreitamente alinhadas e visualmente sobrepostas, conforme ilustrado na figura 4. A duração do áudio foi de aproximadamente 0,681 segundos, gravado com taxa de amostragem de 192 kHz e profundidade de bits de 24 bits. A diferença de tensão entre os dois cabos foi calculada nesta seção, no domínio do tempo. Na Figura 5 há uma série de zooms para visualizar a pequena diferença na intensidade do sinal.
Para observar completamente a diferença de tensão entre os cabos, foi obtido o valor RMS para as duas gravações. Para o trecho representado na Figura 4, foi determinado o valor de 0,04967 para o cabo Lumix, enquanto o valor de 0,04961 foi determinado para o cabo Ataudio, utilizando como referência o sinal gravado com o cabo Lumix. Isso significa que o sinal gravado com o cabo Lumix é mais forte que o normal.
Isso pode ser explicado pelo comportamento no domínio da frequência, onde a energia é maior nas frequências baixas e médias e menor nas frequências altas. Para obter uma compreensão mais abrangente, foi realizada uma análise do espectro de frequências utilizando o programa Audacity com duração de 0,681 segundos, abrangendo as gravações de áudio. A Figura 6 mostra a análise do espectro de frequências, que abrange a faixa de 0 a 20 kHz.
É necessária uma sequência de zooms para ver as diferenças entre as formas de onda dos sinais gravados com os diferentes cabos Ataudio e Lumix.
Para sinais de alta energia, ambos os cabos possuem formas de onda muito semelhantes. A análise do espectro de frequência do Audacity gera um arquivo em dB em função da frequência. A partir do arquivo foi gerado um gráfico utilizando a Transformada de Fourier do trecho no tempo selecionado, apresentando os resultados na figura 6.
O sinal é atenuado em diferentes frequências por diferentes cabos. Conforme mostra a Figura 2, o cabo Lumix atenua menos em frequências baixas, médias e até altas, em torno de 14 kHz. Para melhorar a compreensão das variações entre os cabos em termos de frequência, descobriu-se que em determinadas faixas de frequência cada cabo apresenta uma maior intensidade de tensão. As frequências que possuem maior nível de tensão são 296, 332 e 590 Hz, conforme mostra a figura 7. O cabo Lumix possui o maior nível de tensão para estas frequências.
O valor absoluto, expresso em volts, dos sinais foi determinado para os cabos Lumix e Ataudio, respectivamente, em função da frequência, utilizando a equação (4).
(4)
O resultado é representado na quarta coluna da tabela 1 e na quarta coluna da tabela 2, com os valores em decibéis para as colunas 2 e 3 da tabela 1.
As frequências médias apresentam maior intensidade, como pode ser observado nos 4 primeiros valores da tabela 1. O cabo Lumix apresenta maior intensidade nesta faixa de frequência, conforme ilustrado na figura 7.
Frequência (Hz) | Lumix (dB) | Ataudio (dB) | Lumix Value |
590.332 | -27.584 | -27.594 | 0.0418 |
294.434 | -28.275 | -28.285 | 0.0386 |
332.520 | -28.911 | -28.921 | 0.0358 |
295.898 | -28.956 | -28.965 | 0.0357 |
Na tabela 2, as colunas 2 e 3 mostram a energia dos sinais dos cabos Lumix e Ataudio, respectivamente.
A energia, para cada frequência, é calculada para cada cabo com a equação (5), e dt é o inverso da taxa de amostragem que é de 52,08 micros segundos.
(5)
A energia de cada cabo, seja Lumix ou Ataudio, foi incorporada separadamente quando possuía maior intensidade de sinal em comparação ao outro cabo. Por exemplo, o cabo Lumix apresenta maior intensidade nas primeiras 20 frequências de valor máximo, e a energia dessas 20 frequências equivale a 57,43% da energia total do cabo.
Frequency (Hz) | Lumix Energy | Ataudio Energy | Ataudio Value |
590.332 | 9,084E-9 | 9,064E-9 | 0,0417 |
294.434 | 7,748E-9 | 7,731E-9 | 0,0385 |
332.520 | 6,692E-9 | 6,678E-9 | 0,0358 |
295.898 | 6,624E-9 | 6,610E-9 | 0,0356 |
O cabo Lumix tem maior intensidade em determinadas frequências, enquanto o cabo Ataudio tem maior intensidade em diferentes frequências. Para determinar o local onde cada cabo atinge sua maior média de intensidade ponderada, a energia do sinal foi calculada utilizando a equação (6).
(6)
Onde j é o cabo, 1 Lumix, 2 Ataudio, Freq é a frequência onde cada cabo possui maior valor de sinal, Energia (Freq) é a energia para cada frequência e Nj é o número total onde cada cabo possui maior valor de sinal.
O sinal do Lumix é mais proeminente em frequências baixas, enquanto o do Ataudio é mais proeminente em frequências mais altas. Após alguns cálculos, utilizando a equação 6, foi determinado que a frequência média ponderada para o cabo Lumix é 510,86 Hz, enquanto a frequência média ponderada para o cabo Ataudio é 1097,34 Hz.
Para entender melhor a percepção auditiva, como os sons se transformam em música e como geram uma conexão emocional com músicos, cantores, bandas, apresentamos uma metodologia desenvolvida por Fernando Andrette [3] na revista “Clube do Áudio”, onde analisa áudio equipamentos e até cabos de interligação. A partir de sua metodologia é possível discernir algumas assinaturas de áudio ouvindo a gravação feita com os cabos utilizados neste estudo.
Começando pelo Balanço Tonal, que consiste em uma percepção equilibrada de graves, médios e agudos onde devem ser evitados agudos metálicos e agressivos vindos de fontes digitais. No item Sound Stage, diz que “sons agudos contribuem mais para a localização da fonte”, confirmando nossos resultados. A alta frequência também contribui para melhorar a microdinâmica, que é a expressão da intensidade sonora dentro da trama instrumental. Isto permite acompanhar o discurso musical de cada instrumento, em particular a sua dinâmica. Um outro termo é “Transientes”, que se refere à capacidade de responder rapidamente e de forma controlada a sinais repentinos e não periódicos. A apresentação da metodologia termina com o ‘Corpo Harmônico’, que é o tamanho com que o sistema apresenta suas imagens instrumentais ou vocais.
A audição humana é muito sensível e possui alta capacidade de aprendizagem [4]. O autor aprendeu a ouvir diferenças entre um microfone e outro e marcas de fitas magnéticas de gravação.
CONCLUSÃO
Sons de alta frequência proporcionam um som mais espacial. Que leva a questão principal: não é se os cabos produzem diferenças auditivas, mas sim, por que isso acontece? Auditivamente, fica claro que quanto melhor for a reprodução nas altas frequências, em estéreo, melhor será a definição dos instrumentos e sua localização espacial entre os alto-falantes.
Existem muitos elementos de áudio, como os descritos pela metodologia acima, que precisam ser mais estudados. O presente artigo trata apenas da resposta em frequência de sinais senoidais padrão e da análise de apenas um trecho musical com predominância de frequências médias-baixas (de 250 a 2000 Hz), onde fica claro que um cabo de qualidade inferior, o Lumix, reproduz frequências médias melhor e em cabo de melhor qualidade, Ataudio, reproduz melhor frequências altas, acima de 6 kHz.
Para uma análise mais detalhada, seria necessário trabalhar com trechos musicais dos mais variados instrumentos, envolvendo todas as frequências audíveis de 20 Hz a 20 kHz, com variações dinâmicas, relações harmônicas, ritmo, entre notas. Evidentemente, isso resultaria em uma análise mais precisa de como cada cabo reage à música tocada por equipamentos de áudio que reproduzem sinais musicais.
Pode-se dizer que o ponto mais importante a ser considerado é como o sistema auditivo se comporta diante do som ouvido da própria música. O ouvido humano é muito sensível [5] e capaz de aprender a perceber diferenças auditivas produzidas ao utilizar diferentes cabos entre equipamentos de áudio.
Neste estudo, procuramos entender alguns motivos pelos quais as pessoas ouvem diferenças entre cabos de interligação fabricados com materiais diferentes. Existe uma pequena variação numérica entre os dois sinais quando medidos com os dois cabos. Dividindo as frequências senoidais de 20 Hz a 20 kHz em 41 vezes, para frequências acima de 14 kHz a variação foi de até 21%. Para um segmento musical de 0,681 segundos, com frequências dominantes nas frequências médias, de 300 a 2000 Hz, a variação entre os cabos foi de aproximadamente 0,12%. Auditivamente, esse trecho apresenta variação mínima, mas vale ressaltar que uma reprodução mais precisa das altas frequências facilita uma melhor visualização dos instrumentos musicais na audição estéreo, recurso cobiçado pelos sistemas de áudio de alta qualidade (HEA).
REFERÊNCIAS
[1] Harley, Robert. The Complete Guide to High-End Audio. Acapella Publishing, California; 2010; p. 1.
[2] Rajesh, M., Kumar, P., S. Narayanan P. Raminchuvarevaru; https://www.youtube.com/watch?v=stqObf1zUjI.
[3] Andrette, F., Clube do Áudio. https://clubedoaudio.com.br/historia/.
[4] Levitin D. J. This is Your Brain on Music. Plume Books, United States; 2007.
[5] Kunchur, Milind N. An electrical study of single-ended analog interconnect cables. IOSR Journal of Electronics and Communication Engineering, Volume 16, Issue 6, Series I; 2021; 52 p.
ANTÔNIO CARLOS PINHO
Professor Titular do Departamento Acadêmico de Eletrotécnica, do campus Curitiba, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Professor dos Cursos de Engenharia Elétrica e Controle e Automação nas disciplinas de Eletromagnetismo, Compatibilidade Eletromagnética e Circuitos Elétricos. Com formação em Engenharia Elétrica, mestrado (1994) e doutorado (1998) em eletromagnetismo pela UFSC. E como audiófilo: Por que pessoas percebem diferenças auditivas entre os equipamentos de reprodução? Como entender, sobre a perspectiva da alta fidelidade, as relações entre a gravação, armazenamento em vários formatos, a reprodução sonora por meios eletrônicos, a acústica do ambiente e o sistema auditivo humano, tudo isto contribuindo para sermos iludidos que estamos na presença do músico/cantor em nossa frente. Na distinção entre o objetivista e subjetivista, não é se existem diferenças, e sim, porque algumas pessoas percebem as diferenças entre sistemas.