Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Dizer que você já nasce com sua percepção auditiva funcionando (atinge a plenitude) simplesmente porque têm ouvidos, é o mesmo que dizer que você já nasce correndo (atinge a plenitude) simplesmente porque tem pernas.
Muitos audiófilos acham que nunca precisam ou jamais precisarão ‘aprender a escutar’, aprender a perceber – e já vi muitos ficarem ofendidos quando eu disse que eles precisavam educar seus ouvidos. Sei lá, acho que devo ter ofendido o ego do sujeito, que deve ter se sentido diminuído. O fato é que ele precisava aprender, muita coisa, ainda.
Um ocorrido que eu soube, recente, tinha um leigo usando uma caixa que não era grande coisa (só uma, não o par), um pré-amplificador e um power antigos e muito obsoletos, e um CD bem simples – para comparar um cabo de caixa audiófilo caro com um cabo de caixa feito com 20 dólares de fios comprados na loja de elétrica do bairro. Alternando entre os dois cabos sem que a plateia de leigos opinadores soubesse qual cabo estava tocando, os resultados foram tão conclusivos quanto à metodologia e a referência usadas. A avaliação, que não poderia ser mais superficial, elegia entre a plateia o melhor cabo em graves, médios e agudos. Metade achou que ambos cabos eram bons, um terço achou que o cabo barato era melhor, e o restante preferiu o cabo caro.
É leigo perguntando para leigo o que ele acha sobre alguma coisa, usando uma metodologia e uma referência mais furadas que peneira. Como pegar uma pessoa que não tem estudo e profundidade de conhecimento em artes plásticas, descobrir que ele tem 2 graus de miopia e por nele um óculos de 3 graus com as lentes ensebadas! E pedir para ele comparar um quadro de um grande mestre com um quadro e um estudante iniciante. Eu quase visualizo a pessoa falando: “escolhi esse (o do estudante) porque vermelho era cor preferida da minha tia, e me deu saudades da bisteca acebolada que ela fazia!” – claramente uma opinião (e metodologia) muito ‘válidas’ para toda a comunidade artística…
Existem, claro, vários profissionais bons na área da audiofilia – não importa se sigam a mesma doutrina, se são subjetivistas (extremos ou ponderados) ou objetivistas (extremos ou ponderados).
Mas a quantidade de aventureiros e palpiteiros, pseudo-profissionais, que se mostra na Internet é incrível – e cada um junta seguidores como mel junta abelhas – o que sustenta minha teoria de que a maioria das pessoas jamais quer checar ou ter contestadas suas ideias e doutrinas, e sim sempre procura alguém com ideias semelhantes, para validar a suas.
Tem gente elegendo DACs de 500 dólares como “o melhor que é possível obter”, como “o que soa melhor no mundo”, juntando muitos seguidores, virando guru, e um par de anos depois a pessoa ouve pela primeira vez um DAC hi-end, e muda totalmente de ideia! Que serviço essa pessoa prestou à seus seguidores?
Gente com vídeos assistidos mais de 300 mil vezes (!!), dizendo que a volta do vinil é algo totalmente errado. Detalhe: o vinil já voltou bem mais de 15 anos antes dele dar seu ‘parecer’. A ideia dele é que o CD é perfeito em todos os sentidos, que só tem a música e mais nada, que tecnicamente o vinil é inferior por definição, e não pode soar bem. Ele deve achar que ele está certo, e que centenas de milhares de audiófilos com bons discos e bons toca-discos, estão completamente errados. Me lembrou dos conspiracionistas, que dizem que o homem nunca foi à Lua, e da réplica que circulou na Internet que agradecia os milhares de pessoas envolvidas com a NASA por terem conseguido ‘manter o segredo’ por tantas décadas!
Outro caso é de um ‘profissional’ da área, cujo canal fala de ‘tecnicidades’ da audiofilia, tutoriais técnicos sobre componentes e circuitos, e várias outras coisas relacionadas, que teve a incrível cara de pau de falar, em um vídeo, que “alta-fidelidade é psicológico” – no sentido de ser placebo, etc. Tem até depoimentos de profissionais da área que dizem que os clientes ouvem nos sistemas tudo aquilo que os vendedores falam para ouvir. Acontece que, se você tem gente que não estudou o assunto, não se dedicou, não procurou melhorar a qualidade de sua audição, etc, você como ‘formador de opinião’ não sai falando que “É tudo placebo, mesmo!”, não é verdade? Você não fala que carne de terceira e de primeira é tudo igual, vinho baratinho com tampa de refrigerante é igual a um bom vinho italiano. O que você fala – ou deveria falar – é que as pessoas precisam educar seus ouvidos, sua percepção. Mas, isso não se faz, porque isso ‘ofende’ as pessoas que pensam que não precisam fazer isso. Porque eu mesmo já ouvi, com todas as letras, que não é necessário se educar, porque as pessoas todas têm ouvidos de nascença.
Há vídeos e mais vídeos, então, falando que cabos são todos iguais, que audiófilo é tudo louco, etc – vindos de pessoas que adoram uma polêmica, que adoram juntar os desgarrados do rebanho que preferem acreditar nessa mesma coisa – esses vídeos têm de monte. O que é ridículo nos dias de hoje, todo mundo que tem um sistema minimamente decente já percebeu que cabos dão como resultado sonoridades diferentes em um sistema ou equipamento. E se ‘soam’ diferentes, então, claro, existem melhores ou piores. Muitos equipamentos e acessórios de áudio são muito caros? Desnecessariamente, até? Sim, são. Então é uma questão de poder ter acesso a eles, ou não. E, hoje em dia, cada vez mais equipamentos de alta performance com bom custo vão aparecendo – felizmente para os mais desprovidos do vil metal.
Um ‘entendido’, da área de pró-áudio, fez um vídeo dizendo que um clipe musical – que ele passa o trecho dentro do vídeo – tem um defeito sério, e que se você audiófilo com um sistema e cabos caríssimos, não consegue perceber esse defeito, então você desperdiçou seu dinheiro com esse sistema. O defeito era que o músico solista se mexia na frente do microfone, hora ficando mais para o lado esquerdo e hora mais para o lado direito – o que é uma ofensa ao estilo de gravação ascética e controlada, muito adorada pela área de áudio profissional. Aí veio um músico e explicou o óbvio: que o solista se mexe, e que isso é normal para uma captação orgânica desse tipo de acontecimento musical!
O problema é que muitos do pró-áudio detestam qualquer coisa que junte as palavras ‘orgânico’, ou ‘natural’, ou ‘real’, com a palavra ‘gravação’ – haja visto o quão gravações ao vivo por muitos sempre foram consideradas sub-standard. Eu mesmo adoro sua organicidade, seus ‘erros’, etc – inclusive é atribuída a Beethoven a frase que diz que o músico errar é aceitável, mas tocar sem coração, sem alma, é inaceitável!
Por hoje, ficam apenas esses exemplos – para reflexão. O catálogo de ideias estranhas quanto à audiofilia, porém, é infindável! Então, em breve, estarei de volta!
Bom friozinho e muito chocolate quente a todos!