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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Era uma vez uma invenção chamada MQA – Master Quality Authenticated (que poderia ser, segundo o Google, “Mauritius Qualifications Authority”, mas não é…rs) criada como uma empresa separada pelo ex-dono e fundador da Meridian Audio, Bob Stuart, alguns anos atrás.

A Meridian, aliás, sempre foi uma das pioneiras no áudio digital para o mercado audiófilo, como o primeiro CD-Player audiófilo, o MCD, ainda na década de 80. A empresa, desde então, além de seus equipamentos como caixas ativas e CD-Players, adquiriu um certo pedigree no mercado com o MLP (Meridian Lossless Packing), que era o sistema de compressão usado no natimorto DVD-Audio – um formato de mídia física que procurava ser o substituto do CD, e que competia com o SACD. Interessante que deu uma espécie de empate, já que nenhum dos dois substituiu o CD, e nenhum acabou ganhando o mercado. O CD continua por aí mais forte do que parece, e é uma excelente pedida para muitos audiófilos, com o SACD se tornando mais raro que o pássaro Dodô, e o DVD-Audio completamente ausente (não por culpa da Meridian, vale dizer). A Meridian continua ativa e com várias atividades.

Bob Stuart saiu da Meridian em 2017, e se dedicou ao codec MQA – sua criação – e à pô-lo em prática no mercado, licenciando DACs capazes de fazer o último ‘desdobramento’, apps capazes de decodificar o conteúdo MQA encapsulado nos devidos arquivos de áudio e, principalmente, a criar locais onde se obter conteúdo com codificação MQA (a qual vinha dentro de arquivos em formato PCM). Conseguiu que vários fabricantes de DACs aderissem, assim como aparecessem um pouco de CDs com codificação MQA no mercado japonês, e muito conteúdo dentro do célebre serviço de streaming de música Tidal (MQA era praticamente a seção ‘lossless’ ou ‘hi-res’ do Tidal).

Aconteceu que o MQA não ‘pegou’. Em parte porque simplesmente não atraiu tanto, é voltado ao mercado audiófilo, que é pequeno, e porque era necessário ter um DAC com MQA para ouvir o conteúdo do Tidal plenamente, e também porque muitos audiófilos usam o Qobuz em vez do Tidal (além de outras mídias como vinil e CD).

E, pouco tempo depois, o MQA foi ‘desmascarado’ por um usuário de YouTube com aptidão técnica na cabeça e uma pulga atrás da orelha. Mais abaixo, explico.

Desde o começo foi vendida ao público uma ideia de que o MQA seria ideal para a transmissão de música via Internet por ter um tamanho reduzido de arquivo mas mantendo-se como ‘alta-definição’, e com conteúdo que seria mais fiel ao master original e à intenção do artista, daí o Authenticated do nome. E que, no último ‘desdobramento’, no DAC, essa definição toda seria ‘restaurada’ a partir de instruções que existiriam no arquivo.

Acontece que um bocado de gente mais ‘esperta’, na área de áudio, percebeu claramente que não só não tinha como ‘reconstruir’ uma informação que não estivesse lá originalmente – a informação de alta definição (acima de 22.5kHz) existe ou não existe – como também não haveria tempo e grana que justificassem ir buscar as fitas master originais para re-transferir disco por disco, remasterizar tudo, para embasar essa tal ‘autenticação’ – e isso também foi sendo bem espelhado no fato de que o conteúdo MQA começou a aparecer no Tidal em hordas, e rápido!

Completou-se o quadro o fato do tal YouTuber ávido tecnologicamente demonstrar que a conversão de uma música que for inserida no Tidal, em MQA, era instantânea, portanto não era um processamento especial feito em um estúdio, um a um, e sim um DSP (Digital Signal Processing). Ele também demonstrou que tal conteúdo em MQA não tinha informações acima de 22.5kHz. Ou seja, o MQA – Master Quality Authenticated – não era ‘Master’ pois não vinha dela, e não era ‘Authenticated’ porque nada tinha nesse sentido. Não era hi-res porque as informações não estavam lá, e ainda é uma tecnologia vista como ‘lossy’ (o oposto de lossless) ou seja, com perdas em relação ao conteúdo do formato original.

Vale lembrar que o que substituiu o MQA, no Tidal, é um formato de compressão de dados sem alteração do conteúdo musical, ou seja, lossless, sem perdas: o FLAC, que sempre foi de tamanho decente para transmissão, e que é o queridinho de todo mundo que faz streaming de sua própria discoteca, bem antes de haver o Tidal e o Qobuz disputando os corações e ouvidos dos audiófilos. Era e sempre foi o formato escolhido pelos usuários para armazenamento de faixas de áudio lossless.

Pouco tempo depois de já não estar indo bem das pernas – por numerosos motivos, inclusive de concorrência e do desmascaramento feito na Internet, a empresa MQA Limited entrou em concordata, quase insolvente – sendo resgatada, comprada pela canadense Lenbrook Media Group. Na mesma semana, o Tidal avisou que não iria mais inserir conteúdo MQA em seu acervo, que passaria a trabalhar com o formato lossless FLAC. E, bem mais recentemente, anunciaram também que substituiriam tudo que tem em MQA no acervo por FLAC, eliminando o MQA do catálogo.

Minha opinião sobre o MQA? Vejam, eu me importo apenas com o resultado sonoro ou, pelo menos, a prioridade total é ele. Claro que me incomodou desde o começo ver que o MQA era uma espécie de farsa de marketing. Ouvi MQA desde que saiu, tanto em arquivos baixados de sites especializados, quanto dentro do Tidal, com dezenas de DACs diferentes – tanto DACs normais quanto os que faziam o último ‘desdobramento’, os DACs MQA. E o que eu posso dizer é que a qualidade era inconstante, que tinha conteúdo com boa qualidade (menos de 20%) e conteúdo com sonoridade esquisita, ruim ou simplesmente regular. E, ultimamente, fiz vários comparativos, já que achei o mesmo disco tanto em MQA quanto em FLAC, no Tidal – e a maioria esmagadora tocava bastante melhor em FLAC.

O grupo Lenbrook Media, do Canadá, inclui a célebre fabricante de equipamentos de áudio NAD, as caixas PSB, e os streamers e amplificadores Bluesound – todos conhecidos e bem colocados no mercado. A Lenbrook criou, então, a MQA Labs, para dar continuidade ao legado que compraram.

Durante sua primeira existência, a MQA Limited desenvolveu outras ideias além da mais conhecida, que incluem um codec para substituir o Bluetooth, com melhor qualidade de som, que eles chamaram de MQair ou SCL6, feito para competir com aptX HD e aptX Lossless, para subir de patamar a qualidade de som para fones de ouvido e outros dispositivos móveis sem fio que funcionam em Bluetooth.

A nova MQA Labs vai, segundo a Lenbrook, se focar em três produtos (na verdade, quatro produtos, como veremos abaixo).

O MQair agora é chamado de AIRIA, e é uma das principais frentes, um dos principais produtos da empresa. O FOQUS, que é um produto para conversão analógica para digital, com enfoque inovador – segundo a empresa – é voltado ao mercado profissional. E, por fim, o QRONO, que é voltado a melhorias na reprodução de áudio digital, operando diretamente dentro de players, como os streamers e os DACs. Este último me parece claro que primeiro aparecerá nos streamers Bluesound e NAD.

Os três produtos, segundo eu entendi, são o que fez valer a pena para a Lenbrook comprar a empresa – porque, claro, MQA Labs não é só o famigerado codec MQA – o qual, acreditem, tem bastante fãs ainda no mercado.

Por falar no diabo, onde anda ele? Além de afirmar seu compromisso com a base de fãs e audiófilos, que inclui o contínuo suporte ao codec e a todos os seus licenciados – incluindo os que produzem conteúdo MQA (que eu não sei precisar hoje quem são, além de um ou outro selo de gravação), em junho último a MQA Labs anunciou uma associação com o site de venda de arquivos de música HDtracks.

O intuito? Criar um novo serviço de streaming de música de alta qualidade, audiófilo, focado em conteúdo MQA, para competir, acredito, com Tidal e Qobuz – além de serviços que provém música em formatos lossless – porque não dá para competir o todo do mercado consumer, porque este já está nas mãos do Spotify e da Apple Music há muito, muito tempo.
O serviço, segundo a empresa, daria como opção ao usuário ouvir MQA ou ouvir PCM (em FLAC) – portanto não é algo obrigatoriamente vinculado ao ‘nicho do nicho’ do formato MQA.

E o serviço também diz que incluirá algum tipo de implementação do codec AIRA – de maneira inovadora, segundo a empresa.

O HDtracks – que pertence aos irmãos Chesky, da Chesky Records – é o pioneiro na venda online, via download, de arquivos de faixas (e discos inteiros) de música em alta definição, que é um mercado restrito. E, principalmente com a proeminência recente dos serviços de streaming, e sua crescente qualidade sonora, está ficando cada vez mais de nicho.

Temos de um lado, então, um parceiro que entende de conteúdo musical em formato digital, que já estava interessado em lançar seu próprio serviço de streaming de música – e do outro um parceiro que é um corporação que detém um codec para música em ‘alta’ definição em arquivos de tamanho reduzido.

Vai vingar? Vai dar resultado sonoro bom? Será melhor que seus competidores? O mercado precisa de mais um serviço de streaming, seja ele voltado a alta qualidade ou não?

Afinal é um mercado complicado, no qual frequentemente as empresas se queixam de estarem endividadas, e os músicos estão em pé de guerra constante porque ganham uma merreca, porque o dinheiro nunca vem parar na mão deles, que são os criadores da música.

Nós viveremos esse futuro – e teremos essas respostas – porque ele certamente anda próximo a sofrer mudanças.

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