MUSICIAN – Discografia: O Neobarroco e o Neoclassicismo do Século XX – VOL. 14
julho 5, 2019
MUSICIAN – Bibliografia II: O NEOBARROCO E O NEOCLASSICISMO DO SÉCULO XX
junho 18, 2019

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Sim, eis uma verdade inexorável, que carrega a todos para um futuro que ao homem não pertence. Ciente desta realidade, nunca fui propenso a realizar previsões, ainda mais em uma área que tende a sofrer alterações de rumo vertiginosamente.

No entanto, todo movimento cria rastros ou, no mínimo, marcas legíveis e que podem ser avaliadas por qualquer um que se interesse em vasculhar o presente em busca de sinais de um futuro tão incerto e dinâmico.

Sou de uma geração que passou por inúmeras transformações e avanços tecnológicos. Vi o homem chegar a Lua, li na primeira página dos jornais Estadão e Folha de São Paulo o primeiro transplante de coração bem sucedido. E fui testemunha ocular de todas as principais evoluções no segmento de áudio dos últimos 50 anos. Algumas me marcaram positivamente, outras nem tanto.

Custei a assumir como consumidor que o CD iria substituir o LP, e minha aposta solitária de que o LP não acabaria me fez manter minha coleção de discos, da qual usufruo até hoje, com o mesmo prazer de quem sempre amou ouvir música.

Não são apenas discos, são na verdade memórias de minha existência, transformados em obras musicais. Cada LP que escuto conta um pedaço de minha história ou de pessoas muito queridas que fizeram ou ainda fazem parte desta minha existência!

Interessante que, para mim, tem o mesmo peso e valor que um álbum de fotografia, só que em vez de imagens congeladas, ao ouvir determinado disco, as lembranças são vivas e muito intensas.

Funciona da mesma maneira que a trilha sonora de um filme – o meu filme.

Com o avanço da neurociência, muito se descobriu sobre a importância de se ouvir música, mas a que mais me chamou a atenção foi a descoberta que a memória musical é a última que o Alzheimer arranca das pessoas. Para mim esta descoberta é muito relevante, pois só me dá subsídios do quanto ouvir música e ter este hobby como parte essencial da vida, nos faz bem física, mental e espiritualmente.

Há muitos anos afirmo que uma imersão plena e sem medo nas músicas que apreciamos, pode ter o mesmo efeito que a meditação para os orientais. Aquela sensação de frescor e de uma mente limpa e sem as preocupações diárias, é agora perfeitamente provada pela neurociência, o que deve (assim desejo) mudar profundamente a forma dos futuros pais educarem seus futuros filhos.

Percebo essa preocupação nos mais jovens leitores que acabaram de conhecer a revista, e vejo com muito bons olhos como eles, ainda que estejam antenados nas novas formas de ouvir e armazenar música, reconhecem que o passado não pode ser rasgado ou esquecido.
Eles podem (é perfeitamente explicável), ter resistências a todo o tipo de mídia física, já que isto não faz parte de seu cotidiano, mas quando expostos à essas mídias – quando bem apresentadas – têm um efeito imediato.

Quem está acompanhando a feira de Hi-End de Munique, pode constatar a veracidade desta minha observação. Talvez seja hoje o evento hi-end mais importante do calendário audiófilo, tanto em termos de tamanho e diversidade (500 expositores de todos os continentes), como também pelos 20 mil visitantes: um público mesclado e bastante eclético.

É, sem dúvida, o evento com maior número de jovens de todos que conheço e acompanho. Isto é realmente um alento para o futuro do hi-end, pois ouço há muito tempo que ele está fadado a encerrar seu ciclo.

Sempre tive sérias dúvidas a este respeito, pois nos 15 Hi-End Shows que realizamos, ainda que o número de jovens fosse pequeno, sempre estiveram presentes em todos eles. Mas, em número e interesse, como vemos na feira de Munique, nenhum outro hi-end show ainda conseguiu mostrar. Será uma questão de tempo, ou este fenômeno estará restrito a velha Europa e consequência da pujança econômica alemã? Sinceramente não tenho esta resposta, ainda. Mas com um olhar atento e perspicaz, algumas respostas ainda que pontuais podem ser verificadas.

Vamos a elas: o número de fabricantes de toca-discos cresce a uma taxa muito acima da economia global – cerca de 8% ao ano. E o número de vendas de LPs cresce uma média de 11% ao ano.

Novas fábricas de produção de LPs estão sendo instaladas na Europa, Ásia e Américas.

Nunca se vendeu tantos gravadores de rolo como nos últimos dois anos. Como, no momento, só existem dois fabricantes de gravadores de rolo no planeta e ambos na Alemanha, com a forte demanda, gravadores da década de 80 que custavam há três anos, 1000 dólares, hoje estão sendo revisados e vendidos por até 10 mil dólares, com total revisão mecânica e eletrônica!

Antes que você amigo, chie na cadeira, as informações que tenho é que em breve mais duas empresas de grande porte voltarão a produzir gravadores de rolos, o que deve diminuir a pressão em cima dos usados.

Estabilizando o preço dos usados em relação aos novos e não o contrário, como ocorre hoje. Mas e a mídia para esses gravadores de rolo? Já que Scotch, Ampex e Basf, não deram conta ainda desta nova demanda? Bem, neste momento a maior demanda está sendo suprida por masters vendidas pelos selos audiófilos, o que também deve mudar quando algum fabricante de fita de rolo virgem voltar a produzir em quantidade.

Aí veremos uma volta ao passado com inúmeros audiófilos fazendo suas compilações de seus discos favoritos.

Outra tendência, bastante forte, apresentada na feira de Munique, foi de novos CD-Players (que estavam quase em extinção nos últimos eventos) e de algumas aparições tímidas de novos transportes.

E o que sinaliza esta volta de produção de CD-Players? Que, assim como o LP, o CD também não irá desaparecer, pois a mídia física, apesar de todos os avanços consideráveis do streamer, ainda em um sistema top é imbatível! Podem estrebuchar os defensores do streamer, usar todos os argumentos que têm à mão de custo, facilidade, imediatismo, mas nos sistemas hi-end Estado da Arte topo, a distância ainda é significativa!

Tive recentemente a oportunidade de constatar esta diferença, tanto com o MSB Select como com o dCS Rossini e, agora, com o dCS Vivaldi. Nesses o streamer não é superior em nenhum dos nossos quesitos da metodologia, nenhum! A não ser a praticidade de ter tudo à mão – mas no quesito essencial, a performance, é um massacre a diferença.

Lembrou-me de nossas primeiras comparações entre LP e CD no final dos anos 90 em nossos cursos de percepção auditiva. Um “ohhhhh!”, seguido de inúmeros comentários, todos ditos ao mesmo tempo! Foi este o sentimento ao ouvir streaming e depois em CD ou LP.

Palco menor, timbres menos naturais, corpo harmônico menor, escala dinâmica crescente menor (parece que tudo tem menos degraus) e o principal: seu cérebro sabe que se trata de reprodução eletrônica, e não materialização do acontecimento musical a nossa frente (organicidade).

Agora, em sistemas mais modestos, claro que o streamer tem seus encantos, já que você tem tudo a mão, e o custo que você paga para ter uma biblioteca musical enorme, é muito convidativo.

Mas, se te falarem que é o suprassumo em termos de performance, duvide, pois não é. Você goste do meu trabalho e de minhas opiniões, ou não.

E se você um dia ouvir um comparativo a x b muito bem ajustado, você lembrará de mim.

Já vivi todas essas novas fases tecnológicas e sei como elas são convincentes e sedutoras.
Começam sempre por oferecer praticidade, e quem não deseja sentar em sua cadeira, ligar seu sistema e ter a disposição milhares de obras, ao alcance de um toque? Até eu, que sou tão velho, rs!

O CD apresentou o mesmo discurso. Lembro do Akio Morita, presidente da Sony, dizendo em inúmeras entrevistas que agora o amante da Nona Sinfonia de Beethoven não precisaria mais levantar quatro vezes da cadeira, podendo desfrutar da obra do começo ao fim com um simples play! Todos disseram “uau”! Até eu, meu pai e toda comunidade audiófila do planeta.
Aí, os com mais rodagem, com referências como a Nona do regente Georg Solti com a Sinfônica de Chicago, ou a primeira gravação do Karajan desta obra, sentiram a praticidade, mas detestaram a performance.

Soava duro, compactado, os naipes diminutos, agudos das cordas duros, graves sem invólucro harmônico.

Mas os que jamais tiveram um sistema digno de referência, fizeram a alegria dos sebos de discos e embarcaram nessa onda. O CD-Player levou simplesmente duas décadas e meia para se tornar hi-end.

O streamer não precisará deste tempo todo, certamente. Chuto que, em cinco anos, será um páreo duro em teste cego descobrir se a mídia a ouvirmos é física ou virtual. Mas hoje, meu amigo, não chegou lá!

E se as mídias físicas continuarem sendo a referência absoluta nesses próximos anos, muitos jovens certamente serão seduzidos em viver no melhor dos mundos, com mídias físicas e virtuais, alimentados pelo mesmo sistema.

Se isto de fato acontecer, uma coisa é certa: o hi-end como vimos na recente feira de Munique caminhará por muito tempo, oferecendo ao mercado ambos os processos, pelo menos por mais umas duas ou três décadas.

Faço esta afirmação sem nenhuma bola de cristal ou uso de tarô ou de búzios – apenas por ser um velho observador e testemunha ocular de longa data.

NOTA SOBRE A MATÉRIA:
Quando esta matéria já estava pronta, revisada e editada para sair, recebemos a noticia que uma empresa francesa voltou a produzir fitas de rolo e cassete, usando como referencia as fitas que eram comercializadas pela AGFA e Basf.
https://www.recordingthemasters.com/

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