Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Um título que nos remete à duas constatações: a imediata, que nos lembra a pandemia que estamos vivendo, com todas as suas consequências presentes e futuras, e a história dessa revista publicada até o momento em 23 capítulos!
Podemos começar dizendo que, de todas as crises que passamos e sobrevivemos, essa é de longe a mais dramática e com desdobramentos que ainda não conseguimos dimensionar. Se formos dar ouvidos aos economistas, é melhor enfiar a viola no saco, vestir o pijama listrado e a pantufa de aposentado e esperar a morte chegar.
Se olharmos com a serenidade que o momento exige, encararemos mais este desafio, respiraremos fundo, e seguiremos em frente.
Tenho trocado muitas impressões e lido muito a respeito, de como o hi-end no mundo está se adequando a esse momento de crise. Os principais fabricantes na Europa e Estados Unidos criaram parcerias com suas revendas, para continuar funcionando e tentar girar seus estoques.
A solução foi criar campanhas de ‘degustação’, em que os clientes recebem os produtos em casa e tem até duas semanas para apreciar. O quanto essa estratégia está funcionando, ninguém sabe dizer, pois este movimento tem apenas quatro semanas. Mas, pelo menos na Inglaterra, as notícias são animadoras, pois algumas grandes redes estão conseguindo sobreviver.
O que todos se perguntam é: como será o mercado pós pandemia?
Todos apontam que o mercado online será o grande vitorioso, solidificando-se ainda mais. No entanto, sabemos que o segmento hi-end não se encaixa nesta modalidade, pois é impossível definir upgrades sem comparar.
Essa é a grande dúvida então: quanto tempo o consumidor levará para voltar às lojas? E atrás dessa primeira dúvida, se desenlaçam muitas outras: haverão consumidores interessados em investir? Ou a recessão será tão violenta que a retração por bens duráveis será a última a se movimentar?
As projeções neste momento soam bem sombrias, levando os analistas a se dividirem entre os ‘muito pessimistas’ e os ‘apocalípticos’. Não sei se é a idade, ou por ser um otimista incorrigível, acho que como em todas as crises que a humanidade passou desde o início do século 20, nossa capacidade de adaptação é impressionante! Claro que não estou falando em voltar à normalidade assim que a pandemia se abrandar, pois temos um longo caminho a percorrer até a descoberta da vacina. Mas iremos nos adaptando e criando soluções (ainda que frágeis) para sobreviver e posteriormente nos reerguer.
O mercado hi-end no Brasil sempre foi um pequeno nicho de mercado (diria que o nicho de um nicho), tímido em seu início, que ganhou vulto no final do século 20 e uma década muito promissora na primeira década do século 21. Fomos protagonistas dessa fomentação (gostem nossos críticos mais virulentos ou não), pois conseguimos detectar um enorme potencial ‘represado’ com o final da famigerada reserva de mercado. Nascemos muito antes desse mercado existir de fato!
Nós podemos falar com orgulho que, quando produzimos nossa edição número zero, havia no país dois importadores de produtos hi-end estabelecidos oficialmente, e dois fabricantes de áudio que começavam a entender que sem a proteção de mercado seria mais interessante importar produtos de maior qualidade do que continuar a fabricar.
Ajudamos todos os importadores que chegaram a partir de 1998 a se estabelecer, indicando produtos e participamos ativamente testando protótipos dos fabricantes nacionais que queriam atender a este mercado.
Criamos eventos para mostrar ao consumidor essa nova realidade e galgamos um crescimento vertiginoso dos negócios de 1999 a 2011.
Nossas edições especiais chegaram a ter quase 200 pgs, e mais de 80 anunciantes!
Tínhamos uma equipe de mais de 12 colaboradores de áudio e vídeo, e uma média de 8 a 10 testes por mês!
Hoje, olhando para trás, só posso dizer que estávamos no lugar certo, na hora certa. Afinal, vivemos e colhemos os frutos do Plano Real, em que houve a paridade da nossa moeda com o dólar! Sim meu amigo, já se comprou hi-end neste país com o dólar 1 para 1 – isso não é ‘primeiro de abril’, isso ocorreu de fato!
Atravessamos a crise da desvalorização do Real em 1999, e muitos disseram que o hi-end não sobreviveria. Tivemos as crises de 2001 ,2008, 2015 e, cambaleando como o pugilista que está no ‘corner’, quase jogamos a toalha – tivemos que fazer cortes, nos adequar à diminuição dramática de anunciantes (principalmente no mercado de vídeo) e, por fim, tomar a decisão mais difícil: transformar a publicação em online, para nos adequarmos à nova realidade. Decisão que adiei por dois anos, lançando a Musician, para abraçar um novo público, e tivemos ali novamente um crescimento consistente de venda em bancas, mas que não nos trouxe um número suficiente de novos anunciantes para manter a revista física, pagar os custos de gráfica e direitos autorais dos discos encartados.
Mas diria que a Musician foi o fechamento com ‘chave de ouro’ da fase ‘física’ da Áudio e Vídeo Magazine.
E me orgulho imensamente deste projeto editorial, ao qual me dedico de corpo e alma para mantê-lo ainda no mercado.
O prazer ainda é pleno, acreditem.
E por saber que do outro lado temos leitores que esperam, a cada mês, a nova edição, é que buscamos sempre inovações ou formas de criar novos vínculos com todos vocês. Sempre fomos irrequietos, pensando todo o tempo em como melhor atendê-los. Nem sempre somos assertivos – damos nossas bolas fora – afinal são homens e não máquinas deste lado. Mas uma coisa sempre deixei clara a todos os nossos colaboradores: não subestimem nunca a capacidade do nosso leitor de querer aprender. Então, sejam exigentes consigo mesmos, e tentem descobrir o que o leitor gostaria de saber a respeito do produto em teste.
Nosso atual desafio é descobrir o que deseja esse leitor que conquistamos desde que a revista se tornou online. Ele se comunica muito menos, é bem mais jovem que o nosso público que nos acompanha há duas décadas, e se manifesta esporadicamente.
Temos tido um número crescente de pedidos de testes de fones, e uma boa receptividade em relação ao nosso último disco de testes, disponibilizado em dezembro de 2019.
Me parece que eles começaram a entender nossa filosofia editorial (de disponibilizar ferramentas para que nossos leitores possam andar com as próprias pernas). Este feedback é gratificante, pois nos permite ir construindo uma linha editorial dentro da Audiofone que atenda esse novo leitor.
Mas e o nosso velho leitor, o que ele pode esperar de nós? Meu amigo, tínhamos grandes planos para este ano!
O maior deles era voltar os nossos Cursos de Percepção Auditiva, agora realizados em nossa Sala de Referência, para 6 leitores em cada turma. Temos 185 leitores já inscritos, faríamos duas turmas por mês, aos sábados, e para preparar este novo ciclo de cursos, desenvolvemos novo material didático, em que o participante, junto com a apostila de exercícios, leva o CD com todas as faixas apresentadas no Curso. Ele irá escutar em nosso Sistema de Referência, em um sistema mais modesto (mas também entrada Estado da Arte), e depois em seu sistema. Podendo chegar à conclusões muito consistentes sobre em que patamar seu sistema se encontra.
Para a realização desse Curso, fizemos o mais completo upgrade no Sistema de Referência da CAVI, passando de 100 pontos para 104 pontos. Do sistema anterior só restou o transporte digital dCS Scarlatti – todo o resto foi alterado, em um processo que levou um ano e felizmente se encerrou antes da pandemia (caso contrário seria impossível fechar o novo sistema).
Pelo número de inscritos ficou claro o quanto nosso leitor deseja aprimorar seus conhecimentos e realizar seus ajustes com maior segurança. E nos dá a certeza de que ainda faz sentido publicar mensalmente essa publicação, e manter sua linha editorial presente desde a edição número zero, lançada em março de 1996!
É preciso nunca esquecer o que já fizemos, e o quanto ainda podemos realizar. Não tenho nenhuma bola de cristal para prever o futuro, mas uma coisa posso garantir a todos vocês: enquanto houver produtos hi-end circulando neste imenso Brasil, parceiros comerciais interessados em saber nossa opinião à respeito de seus produtos, fabricantes nacionais desejando nossa opinião à respeito de seus protótipos, lojas de equipamentos hi-end usados (algo ainda tão pouco explorado por aqui), e leitores que desejam saber o que pensamos e avaliamos, continuaremos trabalhando. E, claro, enquanto houver saúde e prazer em fazer o melhor possível.
Com todos esses ‘ingredientes’, a receita do bolo estará garantida!
Obrigado de coração a cada um de vocês que nos acompanham por tanto tempo. Se pudesse (e a pandemia não existisse), meu desejo era dar um forte abraço em todos e demonstrar meu mais profundo respeito e carinho por vocês.
Se cuidem e cuidem dos seus entes queridos.