Tarso Calixto
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Prezado leitor, esse artigo não tem como único intuito propor uma lista de loja de discos, mas dissertar sobre a facilidade de encontrar e comprar musica em mídia analógica em discos de vinil, e os desafios e truques quando visitando as lojas. Esse artigo descreve minhas desventuras enquanto procurando lojas de discos. Uma nota importante, as grandes lojas, como a FNAC, Amazon, e outros outlets online, não estão inclusos devido a grande exposição que estas já desfrutam. Em vez disso, vou dissertar sobre as lojas especializadas.
Comecei a garimpar por discos com um amigo da escola durante a adolescência, lembro claramente visitando lojas como o Sebo de Elite e Eric Discos, onde passávamos horas procurando por algo interessante para escutar. Também haviam as grandes lojas, como a Museu do Disco, a Hi-Fi Discos, a Breno Rossi, até mesmo uma loja no Shopping Center Eldorado. Em retrospectiva, a experiência era diferente dependendo da loja, o primeiro tipo havia um senso de mistério e aventura, o segundo eram os lançamentos e novidades.
Nos anos noventa, discos de vinil eram fáceis de achar: No Brasil, haviam os sebos e as lojas com as coisas novas. Haviam também as lojas especializadas, algumas só com discos para DJs, outras só de discos de jazz, musica clássica e outros estilos. A impressão inicial mais marcante na minha memória era a vasta quantidade e variedade dessas lojas, seja onde estivesse haviam pelo menos três lojas por perto. Nos Países Baixos, já no final da década e inicio dos anos dois mil, as coisas mudaram: Nos sebos havia de tudo discos de vinil, CDs e cassetes, nas grandes, somente CDs que eventualmente foram relegados a uma única gôndola perto do caixa. As lojas especializadas para DJs desapareceram em favor do MP3, as de jazz e musica clássica restaram, entretanto em poucas quantidades.
A conscientização da “extinção” do vinil nunca me ocorreu dado que nesse período procurar por discos não passava de uma mera curiosidade, além disso os discos que vieram do Brasil e os poucos que comprei por aqui continuaram comigo. Um detalhe, até 2008 esses discos não eram de forma alguma do nicho de audiofilia e sistemas high-end, eles eram da classe de pro-áudio usados em pistas de danças de casas noturnas. No restante, eu estava mais do que satisfeito em escutar meus MP3 num antigo iPod Classic.
Eventualmente, discos de vinil desapareceram das lojas, somente em sebos e lojas especializadas era possível encontrá-los. Adquirir discos na primeira década dos anos dois mil era mais um estorvo do que uma aventura. A partir da segunda década, a mídia começou a brotar nas lojas de eletrônicos e de grande volume. Hoje em dia, não só há uma grande variedade de novos títulos, mas também linhas completas de aparelhagem de som, e também toca-discos, tradicionais, com conectividade bluetooth e habilidade de exportar para arquivos de áudio. Tudo isso com o intuito de habilitar uma nova geração de consumidores a experimentar e vivenciar o ressurgimento dessa clássica mídia física.
Creio que é desnecessário ressaltar ou descrever o charme e a atração que a mídia de vinil causa nos entusiastas de musica. Uma vez que minha atenção voltou à procura de música em discos de vinil, me deparei com a grande dúvida de como e por onde começar. Comecei por onde era mais fácil, nas grandes lojas de eletrônicos, vídeo games, filmes e musica. Havia uma avalanche de opções em lançamentos e relançamentos, desde pop, rock, até jazz e musica clássica. Aos poucos, pesquisando online, encontrei sebos e pequenas lojas que agora desfrutam o renascimento do interesse do de um novo público em discos de vinil. Em suma, achar discos de vinil quando viajando pela Europa não é uma grande dificuldade, a variedade de lojas e títulos é grande e abrangente. Quando planejo uma viagem, parte deste é procurar por lojas de discos nas redondezas de onde estarei. Segue uma lista parcial de lojas que vale à pena considerar quando viajando por Países Baixos, Bélgica e Inglaterra.
Na província do Sul-da-Holanda, Zuid-Holland, há três cidades com excelentes lojas que definitivamente vale à pena visitar. Na Haia, a capital diplomática do país, há a Empire Records e a Jazz Center: A primeira, Empire Records, localiza-se perto da Praça dos Ministérios, Het Plein, na rua Korte Houtstraat 12. Ao entrar a impressão é que a loja não vende discos, mas sim CDs, memorabília e quinquilharias. É necessário passar as primeiras gôndolas e seguir diretamente ao fundo e a direita, lá estão os discos de vinil para garimpo. Variando de pop, rock, world music (incluindo Bossa Nova), jazz e musica clássica. Todos em ótimas condições e muito bem preservados. Lá encontrei o “Swing Sessions” do Eiji Kitamura de 1978 em vinil japonês e o “Belafonte at Carnegie Hall” de 1959.
A segunda loja na Haia é a Jazz Center, localizada no China Town na Wagenstraat 125-A. Com uma pequena área útil, mas com um grande acervo de discos, a loja é bem organizada com boa iluminação e funcionários atenciosos. Lá encontra-se títulos de selos Hi-End e curiosidades no gênero de jazz. Será necessário entrar com bastante tempo disponível, uma vez que você estará investindo considerável atenção durante a procura dos títulos e discos.
Saindo da Haia, um pouco ao norte encontra-se Leiden, uma das cidades mais antigas do país com uma longa história, tantos nas artes quanto em conflitos. Lá encontra-se várias lojas de discos, desde a locais que você literalmente tropeça nos discos postos ao chão, até pequenas, e convidativas, lojas com um grande acervo de indie rock, funk e RAP. Entretanto, há uma loja que não só é relativamente grande, com uma grande diversidade de estilos e títulos, mas também muito bem organizada: Esta é a Plato, na Vrouwensteeg 4, lá encontrei os discos do Dead Can Dance, box sets do Kraftwerk e o “Band of Gypsys” do Jimi Hendrix.
A terceira, um pouco ao sul da Haia, encontra-se Delft uma cidade também com uma enorme riqueza histórica. Como nas cidades anteriores, encontram-se várias opções, entretanto, há duas que devem ser mencionadas e visitadas, a Plexus e a Sounds Delft. A primeira, a Plexus, é literalmente a minha destinação preferida, lá você é recebido pelo proprietário com um enorme sorriso e tremenda simpatia, o acervo da loja é enorme, com prensagens Hi-End de altíssima qualidade tal como os discos da Stockfish Records, Quality Record Pressings, Pure Pleasure Records, entre muitos outros mais. Lá encontrei os discos “Companion” da Patricia Barber, “Water Falls” da Sara K, o “Folk Singer” do Muddy Waters, o “Satchmo Plays King Oliver” do Louis Armstrong, e o “Riding With The King” do Eric Clapton com o B.B. King. Essa loja é a proverbial “candy store”, você entra e não quer sair mais.
A segunda loja em Delft é a Sounds, esta possuí uma pequena entrada na frente com uma disposição ao longo de um corredor com gondolas encostadas nas paredes, ao chão, e centradas ao meio. Aqui você facilmente esbarrará em outros clientes ou acabará derrubando algo, pois as passagens são estreitas, é melhor entrar sem sacolas nessa loja. Essencialmente esta serve como a “saideira” da loja anterior, a Plexus, nesta há uma vasta coleção de usados em excelente estado de preservação. Com os lançamentos, encontra-se tudo o que está disponível nas grandes lojas e online. Lá encontrei o “Jazz” do Ry Cooder, prensagem de 1978. Sem dúvida um bom local para garimpo complementar de discos.
A Bélgica é um país muito interessante, estilisticamente é uma mescla entre a França e os Países Baixos, a população é simpática e com um grande senso de humor. Historicamente a Antuérpia é conhecida pelo comercio de chocolate, cacau e diamantes, uma de suas principais ruas, a Meir demonstra claramente a prosperidade que o país usufruiu no passado, com lindas edificações e arquitetura. Quando viajando pela Antuérpia, há três lojas que vale à pena visitar: A Fat Kat Records, a Tune Up, e a The Vinyl Touch. A primeira, a Fat Kat Records, localizada na Vleminckstraat 15a, tem um grande espaço com uma vasta coleção de usados com o foco em rock dos anos setenta, trilhas sonoras, jazz e blues. Ao entrar e cumprimentar
o proprietário você é literalmente transportado quarenta anos no passado devido à ambiência, a iluminação e o estilo de vestimenta do proprietário.
A segunda loja é a Tune Up, localizada na Melkmarkt 20, curiosamente anuncia na frente “music and coffee”. Em termos de música o espaço é grande com uma grande coleção de discos usados distribuídos em gondolas. Lá acha-se de tudo, de todos os estilos, entretanto é necessário investir uma considerável quantidade de tempo para garimpar os discos. Lá encontrei títulos do Sun-Ra, Charles Mingus, Thelonius Monk e Stanley Turrentine. O café por outro lado é resumido por uma pequena máquina de café instalado ao lado da caixa registradora, é necessário apreciar o esforço para receber bem o cliente.
A terceira, The Vinyl Touch tem duas localidades, a que descrevo aqui é a menor, mais perto da praça Groenplaats ao lado do Hilton Hotel localizada na Sint-Katelijnevest 35. Com uma decoração minimalista e as gondolas elegantemente organizadas, aqui encontra-se a mais fascinante coleção de prensagens japonesas, principalmente de jazz e blues. O proprietário é extremamente educado e gentil, ele adora conversar sobre os discos que estão à venda geralmente afirmando que estes são cópias duplas da coleção pessoal dele. Esta loja é categoricamente a minha preferida quando em visita a Antuérpia. Lá encontrei discos do Max Roach, Oscar Peterson, Duke Ellington e Howard McGhee, todos em prensagem japonesa.
A Inglaterra não necessita introduções, esse país tem tantos destaques em segmentos de áudio que uma introdução apropriada não seria acomodada nesse artigo. Em Londres, na região de Shoreditch famosa pelas bandas de rock, techno-pop e lojas de discos independentes há uma infinidade de opções, mas há uma loja que certamente vale à pena visitar, esta é a Flash Back Records. A loja possui três localidades, estou descrevendo está localizada na Bethnal Green Road 131, ao entrar é evidente e facilmente nota-se a tradição em comercio de discos e musica: Os posters de shows, as paredes envelhecidas, o equipamento de áudio de parece que esteve lá desde que foram comprados há anos atrás. Mas, a visita realmente começa e torna-se interessante quando o funcionário te orienta a investigar a parte de discos usados no subsolo do estabelecimento. Ao descer por uma estreita escada de madeira, encontra-se uma pequena área repleta de gondolas com todos os estilos de musica que foram divulgados na Inglaterra. Quando visitando esta loja, certifique-se de dispor de tempo suficiente, você estará lá por um bom tempo. Lá encontrei as prensagens originais, em vinil inglês, do The Police “Ghost in The Machine” de 1981, o “Nothing Like The Sun” do Sting de 1987, e o “Old Gold and Ivory” do George Shearing de 1964, entre outros fascinantes achados.
Em termos de garimpar e procurar discos, todas essas lojas proporcionam imenso prazer, satisfação e diversão a todas as gerações de entusiastas de musica. Estas são pontos de turismo audiófilo que certamente te fará um comprador feliz.
Essas dicas são meramente observações e notas mentais que me ocorreram durante a procura de discos de vinil, de forma alguma tome de maneira prescritiva ou absoluta: