Opinião: AS MENTIRAS COM QUE O HI-END CONVIVE HÁ MUITOS ANOS

Internacional: LOJAS DE EQUIPAMENTOS HI-END NA HOLANDA
março 15, 2021
HI-END PELO MUNDO
março 15, 2021

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Dizem que quando envelhecemos perdemos todos os amortecedores de polidez e boas maneiras, e nos tornamos desbocados e menos “sociáveis”. Acho sinceramente que essa verdade não seja a todos que envelhecem, mas que eu sinto uma enorme mudança na minha maneira de ver o mundo e as pessoas, não posso negar.

Coisas que absolutamente relevava (como as que irei tratar neste texto), hoje eu simplesmente não consigo deixar de lado e “dar de ombros”. E tenho um argumento em defesa desta mudança de atitude: os mais jovens que estão dando seus primeiros passos neste hobby, não merecem ouvir tanta besteira como se propaga nas mídias sociais ultimamente.

Pessoas sem a menor vivência prática, que despejam suas ideias e “pseudo conhecimento” e conseguem confundir muitos que começam a se interessar pela audiófilia e equipamentos hi-end.

Neste primeiro artigo, me concentrarei em duas questões que abundam os fóruns e se sustentam em verdadeiros “castelos de areia”.

A primeira já abordei, mas é preciso relembrar pois tem enorme ligação com a segunda. A questão de que cada um escuta de uma maneira particular e, portanto, o ideal seria que cada ouvinte tivesse seu sistema “equalizado” para os seus ouvidos.

É tão absurdo essa premissa (lembra os argumentos de terraplanistas), que fico me perguntando se os que defendem este argumento já se perguntaram como então as pessoas que se dirigem a sala de espetáculos de música não amplificada conseguem todas ouvir cada instrumento solista, os naipes da orquestra e reconhecer todos eles, sem a menor dificuldade, sendo capazes (os com maior conhecimento musical) de discernir a qualidade técnica do músico e do instrumento.

Claro que existe diferenças entre um ouvinte e outro (falo dos que não tem deficiência auditiva alguma), mas essas diferenças são tão irrelevantes, que querer enfatizar este fenômeno como algo essencial e que mudará por completo a maneira como escutamos música reproduzida eletronicamente, é uma falácia sem crédito algum.

Mas vemos inúmeras discussões a respeito, e muitos levam tão a sério esta questão que propõem que para se ajustar o equipamento à sua curva de audição, é necessário uma “audiometria complexa” (seja lá o que for este exame), para só então ajustar por meio de equalização seu sistema para, aí sim, fazer sentido o gasto com seu sistema hi-end.

Como já abordei este assunto em outros Opiniões, não vou me estender, mas ele nos leva ao assunto central deste artigo: a necessidade de uso de um equalizador em sistemas hi-end. Este sim um tema discutido por décadas entre amantes do áudio.

Leio tanta barbaridade a respeito que, por anos a fio, tive a esperança de que um dia este assunto se esgotaria com a tamanha evolução que os equipamentos atingiram. Mas errei feio, pois o tema parece ter mil vidas e a cada ano se renova, e mais adeptos deste “band-aid” surgem nas redes sociais.

Os que defendem essa falácia também partem da premissa que cada ouvinte tem sua curva de audição e que, portanto, o equalizador é necessário para adequar essa curva para cada ouvido.

Outra corrente defende o seu uso para correção de deficiência na sala de audição, e outros para reforçar frequências em que as caixas acústicas têm limitações.

O que esses defensores de equalizadores se esquecem, é que a esmagadora maioria das gravações ditas comerciais, já sofreram por todos os tipos de equalizadores e compressores que os engenheiros tinham à mão no momento em que o trabalho foi gravado. E que se usarmos um equalizador para agradar à nossa curva de audição ou às deficiências da sala, haverá fatalmente gravações que irão se beneficiar e outras que serão simplesmente inaudíveis, pois se casar de ouvirmos uma gravação em que a mixagem já acentuou aquela frequência que também estamos acentuando, a fadiga auditiva será fatal!

E passaremos a ser “escravos” do equalizador à cada música que formos escutar, pois cada uma necessitará de novas curvas de resposta.

Isso me lembra aquele pré de linha da Cello dos anos 90, em que existia uma infinidade de opções de ganho em toda a faixa de frequência audível, em que o audiófilo se sentia um engenheiro de som, corrigindo os defeitos que ele julgava existirem em cada gravação que ele apreciava.

Tanto que o fabricante indicava que o ideal era o Cello ficar ao lado da cadeira do audiófilo para ele dar “seu toque pessoal” à cada faixa escutada.

O que vi com os dois audiófilos que tiveram este pré de linha, foi perder o prazer em apenas sentar e ouvir seus discos preferidos e passarem a ser obsessivos em descobrir todas as possibilidades que ele poderia fornecer em termos de recursos.

E digamos a verdade, somente a verdade: resultados altamente discutíveis em termos de equilíbrio tonal e timbre. Lembro de ouvir uma Shirley Horn absolutamente irreconhecível e com o equilíbrio tonal do seu piano nos agudos com som literalmente de vidro.

E aqui chegamos ao segundo problema do uso dos equalizadores: ele altera o equilíbrio tonal não só da região que você acentuou ou recuou, mas também de tudo que esteja dentro deste campo harmônico que foi alterado, ocasionando verdadeiras aberrações em termos de timbre, naturalidade e realismo.

Outra questão que me parece desconhecida pelos defensores do uso de equalizador em sistemas hi-end, é que a frequência alterada tem como consequência rotação de fase o que consequentemente altera o corpo do instrumento, foco e recorte.

Passando para a questão do uso do equalizador em salas acusticamente deficientes: o problema estará lá e o ouvinte precisará a cada música fazer correções na curva de resposta se ele não deseja perder o equilíbrio tonal, timbre, naturalidade, corpo harmônico, foco, etc. Ou seja, o tipo de solução estúpida que, como o “cobertor de pobre”, cobre de um lado e descobre do outro.

E voltamos à questão crucial de tudo que envolve a cadeia sonora.

O ideal é que qualquer gravação tenha o mínimo possível de equalização e compressão e se possível nenhuma!

Querem exemplos?

Os microfones certos para cada instrumento já eliminam totalmente a exigência de equalização, isso certamente dá mais trabalho e exige conhecimento do engenheiro de gravação, mas é a melhor solução com os melhores resultados finais.

B&K 4004

Posso falar a respeito com propriedade, pois eu gravo, sou um estudioso de microfones e nossos discos estão aí para provar o que defendo. No Genuinamente Brasileiro volume 1, na faixa 3 tivemos um problema com um pandeiro que era “abaixo de qualquer crítica” de ruim. Som abafado, com baixa inteligibilidade, o primeiro microfone escolhido, um B&K 4004, escancarava toda a limitação do instrumento, e o quanto a mão do pandeirista era pesada. Pedi para um técnico um Neumann, e ainda as evidências da limitação do instrumento eram audíveis. Passamos para um AKG, e pouca coisa melhorou. Por fim, já sem muitas alternativas de microfones simples, já que tínhamos feito uma escolha minuciosa dos microfones que iríamos utilizar para todo o disco, recorri ao técnico do Teatro Alfa e solicitei se ele não tinha um Shure SM58, e: bingo!

Shure SM58

Quem tiver o disco, que ouça o pandeiro na faixa 3, parece que não há nada de errado com ele.

Se você acha que eu tive apenas sorte com este exemplo prático, sugiro que escute o contrabaixo tocado em arco do CD Timbres. Este é um dos nossos trabalhos de maior contribuição para os nossos leitores e que muitos ainda não entenderam o seu significado.

Ele é a prova cabal de que microfones diferentes alteram o timbre dos instrumentos e todos podemos ouvir essas alterações (independente de nossas curvas de resposta), e mesmo com alterações tão evidentes do invólucro harmônico e equilíbrio tonal, todos continuam distinguindo ser este um contrabaixo tocado em arco.

Agora imagine o audiófilo que acreditar que o equalizador é a solução para os seus males, o que irá ocorrer? Ele está alterando o equilíbrio tonal da gravação de tal maneira, que sua referência será integralmente perdida.

Gostaria imensamente de ouvir o sistema de cada um desses defensores de equalização, pois certamente encontrarei inúmeras aberrações sonoras – tenham certeza. Pois não há mágica que contorne essa questão: uma vez alterado o equilíbrio tonal do sistema, adeus a tudo que um sistema hi-end pode oferecer.

Se meu pai tivesse vivo, certamente diria que o uso de um equalizador em um sistema hi-end é como comprar uma Ferrari para andar em uma rua de paralelepípedo!

Ele não está errado, pois tem mais um problema: um equalizador no meio do caminho significa mais cabo para o sinal passar e sabemos o que significa ir colocando mais e mais cabos entre a fonte e as caixas acústicas.

Os defensores deste “arremedo” certamente dirão: então como ficam os prés caríssimos que possuem ajustes de agudos e graves? Eu posso responder, pois tive dois prés caríssimos que possuíam este recurso: o Dan D’Agostino e o Accuphase. Testei e ouvi ambos em inúmeras situações e o resultado é pífio – desde que você tenha uma sala acusticamente correta e um sistema com o melhor equilíbrio tonal possível – nessas condições você jamais usará, acredite.

Às vezes, por curiosidade, as pessoas que nos visitam nos pediam para escutar. Todas, sempre, preferiram sem, com tudo em flat.

Não estou aqui discutindo se o fabricante deve ou não fornecer este recurso, e sim que em situações corretas ele irá resultar em puro placebo. Assim como, quando ouvimos um concerto da OSESP na Sala São Paulo e não há obviamente nenhum tipo de amplificação eletrônica, o mesmo seria correto imaginar que seja o que buscamos em um sistema hi-end. Afinal, com tanto investimento, se espera a melhor performance possível.

O que, no entanto, muitos esquecem, é que este resultado terá que ser em todas as esferas, desde elétrica, sinergia do sistema e tratamento acústico.

E “remendos” ou soluções “mágicas” terão um resultado pífio.

Nada mais do que isso.

Lembro de ter lido uma discussão em um fórum aqui no Brasil, de audiófilos reclamando que os agudos na sala São Paulo eram “apagados”, outro que os graves não tinham peso. Nenhum citou qual repertório a OSESP estava apresentando no dia que fizeram suas observações e, dependendo da obra, será difícil tirar conclusões definitivas.

Eu tive o privilégio de assistir a Nona Sinfonia de Beethoven junto com o querido amigo Chris, meu filho e minha esposa, em uma posição pouco privilegiada, e ainda assim posso garantir que, no Quarto Movimento, o equilíbrio tonal, a macrodinâmica, a inteligibilidade das vozes solistas e o timbre da orquestra foram todos espetaculares!

Ou seja, seria interessante que essas pessoas que acham defeitos na Sala São Paulo sim buscassem rever suas referências e talvez até um exame de audiometria, pois todos estamos sujeitos a ter que, de tempos em tempos, ver como anda nossa audição (principalmente todos que passaram dos 50 anos).

E quando falo de exame de audiometria, este pode ser feito no seu próprio sistema, com os nossos CDs de Teste que têm os exemplos de frequência de 20 Hz a 20 kHz.

Este artigo escrevi para você, amigo leitor, que está dando os primeiros passos neste universo e se sente confuso com tamanha quantidade de informações antagônicas. Se aceita um conselho, ouça e crie sua própria referência auditiva, escutando música não amplificada em diversos ambientes, e procure utilizar todo este conhecimento armazenado em sua memória auditiva para o ajuste do seu sistema.

Se entender desde o início que a primeira regra de ouro para se montar um sistema hi-end se baseia em uma boa elétrica dedicada, uma sala ajustada acusticamente e o melhor equilíbrio tonal do sistema, equalizadores jamais serão úteis. Não em um sistema hi end!

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